Caroline Barcellos: “esperar soluções do governo federal sobre a ponte JK é ‘chover no molhado’”

26 janeiro 2025 às 08h00

COMPARTILHAR
Caroline Barcellos é a primeira mulher a presidir a Associação dos Produtores de Soja e Milho do Tocantins (Aprosoja-TO) e uma referência de liderança feminina no agronegócio. Natural de Goiás e formada em Direito, ela encontrou sua verdadeira vocação no setor agropecuário, onde alia sua expertise jurídica com o dinamismo do campo. Além de sua atuação à frente da Aprosoja, Caroline é gestora administrativa e jurídica do Grupo Wink e integra o Grupo Nelore Cedro.
Em entrevista exclusiva ao Jornal Opção Tocantins, Caroline fala sobre os impactos trazidos para o agronegócio após o colapso da ponte entre as cidades de Estreito (MA) e Aguiarnópolis (TO). Ao desabar, o trecho que ficava sobre a BR-226 matou 17 pessoas e trouxe prejuízos para diversos setores, incluindo o agro.
Há quanto tempo você está na Aprosoja como presidente?
Estou desde janeiro de 2024, mas atuo junto à diretoria desde a fundação, em 2013, ocupando outros cargos. Já participei tanto como membro da diretoria quanto apenas como associada. Como eu tinha disponibilidade para participar das reuniões, acabei me envolvendo ativamente, mesmo quando não estava oficialmente na diretoria. Na última gestão, com o presidente anterior, fui vice-presidente, e agora, na gestão 2024-2026, estou como presidente.
E você também produz?
Sim, venho de uma família que atua na produção há mais de 40 anos. Como grupo familiar, sou a oitava geração de pessoas do agro. Nossa família sempre foi de produtores, e desde 2012 estamos aqui no Tocantins produzindo soja e milho. Temos pecuária, além de armazéns e uma transportadora. É um grupo familiar em que todos participam do negócio: meus irmãos, meus pais, meus cunhados. Todo mundo está envolvido.
E vocês focam em quais municípios?
Nossas fazendas de grãos estão no município de Porto Nacional, e as de gado em Santa Rita.
E como você avalia o impacto do colapso da ponte na divisa do Tocantins com o Maranhão para o agro tocantinense, principalmente?
Teve um impacto significativo, porque era uma rota muito importante para o agronegócio. Tanto para trazer defensivos, fertilizantes e produtos vindos do porto de São Luís, que passavam por ali, quanto agora, em fevereiro, com o início da colheita de soja. Muitos produtores levam o produto do Tocantins diretamente para o Maranhão, seja para Porto Franco ou diretamente para São Luís. O frete é o que mais nos preocupa no momento. Apesar de ainda não estar acontecendo, porque a colheita no Tocantins ainda não começou, é uma situação que enxergamos com muita preocupação, já que a balsa ainda não foi instalada.
Mesmo quando a balsa estiver funcionando, a velocidade é totalmente diferente do que quando usamos a ponte. Além do tempo maior para fazer a travessia, há também o aumento dos custos, que não estavam previstos na produção. Esse custo extra de frete com a balsa é algo que preocupa muito os produtores, e nós, como associação, também vemos isso com grande apreensão.
Como está funcionando essa questão do frete atualmente?
Sem a balsa e sem a ponte, os produtores e as empresas que atendem a região tiveram que buscar alternativas para manter as rotas. Isso acabou aumentando tanto o tempo de transporte quanto a distância percorrida. É uma situação bastante desafiadora para o setor.
A rota aumentou em 100 km a distância, o que já encarece o frete e aumenta o tempo de transporte. Muitas das alternativas passam pela balsa entre Carolina e Filadélfia, e as transportadoras tiveram que incluir esse custo da balsa no valor do frete, o que impacta diretamente o produtor.
Em termos de números, como você avalia essa situação hoje? Quantos foram afetados?
Eu ainda não tenho números oficiais, porque, por enquanto, isso é uma percepção. Recebemos informações de que, especialmente nas cidades do entorno de Estreito, a situação está sendo mais crítica. Estamos acompanhando de perto para entender melhor os impactos.
Na prática, houve um certo lapso entre as mercadorias chegarem e a necessidade imediata dos produtores, o que acabou resultando no aumento dos custos. Porém, eu ainda não tenho números oficiais para contribuir de forma mais precisa com relação a isso.
E quanto aos depoimentos dos produtores, o que eles têm relatado?
Ainda estamos lidando com percepções sobre o que pode acontecer. Os produtos, como fertilizantes e defensivos, chegaram através de rotas alternativas, mas as empresas responsáveis pela entrega acabaram repassando esses custos extras. Vamos perceber de forma mais clara o impacto financeiro real para os produtores conforme a situação evoluir.
A situação ficará mais clara quando a safra de soja começar de fato, especialmente na região de Guaraí para cima, em direção ao Bico do Papagaio. Olhando o mapa, os produtores dessa área tinham o costume – ou melhor, acordos com empresas – de entregar diretamente em Porto Franco. É nesse momento que vamos entender como tudo isso vai funcionar: quanto tempo vai demorar, qual será o custo real e como será o impacto no fluxo. Quando o movimento se intensificar, será possível analisar quanto tempo um caminhão vai ficar parado esperando para atravessar na balsa, qual será o fluxo de mercadorias e se alguns acordos precisarão ser revistos para que continue sendo viável entregar diretamente lá. Tudo isso dependerá do comportamento logístico e dos custos envolvidos, e é algo que só entenderemos com o início efetivo do transporte da safra.

O que vocês estão fazendo para evitar prejuízos? Já houve alguma tratativa com o governo federal, considerando que é uma ponte federal? E como está a questão da responsabilização (medida judicial), visto que houve claramente uma falta de manutenção contínua ao longo dos anos?
Não, nós ainda não fizemos nenhuma tratativa com o governo federal. Para ser bem sincera, é algo que parece como ‘chover no molhado’, sabe? Não vemos muita esperança de uma solução efetiva por parte do governo, já que eles sabiam do problema há anos e, mesmo assim, foi sendo empurrado até que o desastre aconteceu. Nossa principal preocupação agora é entender qual será o custo real da balsa e como isso vai impactar os produtores. Estamos aguardando o desenrolar da situação para avaliar quais serão os próximos passos.
Estamos tentando sensibilizar o governo do Estado do Tocantins, especialmente para que haja um subsídio ou uma isenção para os produtores que precisam transportar sua produção. A ideia é minimizar os custos adicionais, mas ainda não levamos essa pauta adiante, até porque, nesse momento, o governo do Estado está em viagem internacional. No entanto, temos a intenção de nos reunir e avaliar de que forma o governo pode contribuir e trazer algum benefício para os produtores, para que eles não sejam tão prejudicados, já que a logística por balsa é muito mais desafiadora do que a pela ponte.
Quanto à logística, vocês já analisaram como os produtores estão lidando com isso? O que foi feito na ponte ao longo desses anos?
Já era algo amplamente conhecido. Os motoristas, especialmente os mais da região, já tinham medo e sabiam do problema. Havia conversas sobre isso, mas a maioria estava esperando que o poder público agisse com responsabilidade, já que a manutenção da ponte é de sua responsabilidade. No entanto, ninguém imaginava que o desastre aconteceria tão rapidamente e com uma magnitude tão grande, a ponto de causar tantos prejuízos e, infelizmente, muitas vidas foram perdidas. Agora, esperamos que, com o desastre ocorrido, haja uma atitude mais responsável por parte do governo, tomando as medidas necessárias para que isso não se repita. Esperamos que o governo reconstrua a ponte o mais rápido possível, com a melhor qualidade possível.
Você está dizendo que ainda não percebeu o prejuízo porque a soja ainda não foi colhida. Mas, quanto ao adubo e ao defensivo, para esses produtos chegarem, houve algum problema?
Nós ainda não recebemos nenhum relato oficial sobre isso. O que aconteceu foi que os produtores trouxeram a angústia de que isso pudesse ocorrer, mas oficialmente, até agora, não recebemos nenhuma informação de que algum produtor teve a sua atividade prejudicada por falta de produto. Não estou dizendo que isso não tenha acontecido, mas, como a Aprosoja, ainda não temos esse tipo de relato. Então, diretamente, não vemos impacto ainda.
Aprosoja já têm alguma tratativa com o governo ou ainda vão marcar para conversar? Estão esperando o governo voltar para poder tratar com eles e com as secretarias envolvidas, para ver alguma alternativa que torne a situação menos onerosa para os produtores?
Eu vi algumas reportagens do Governo do Estado falando sobre o impacto para as pessoas, já que muita gente mora em um estado e trabalha no outro, mas o que realmente preocupa para o produtor, principalmente para o motorista que faz o transporte logístico, é se há algum tipo de benefício para quem leva a produção de um estado para o outro.
Então, quando falamos sobre levar a produção de um estado para o outro, há algum tipo de benefício que os produtores podem receber? E outra coisa que eu queria perguntar é se você tem pessoas que realmente temem muito prejuízo, que consideram até fechar as portas ou ir embora do estado, caso esse subsídio que você mencionou não seja trazido?
A nossa preocupação, como estamos diretamente ligados ao produtor, é justamente com ele. A operação de levar o produto do Tocantins para o Maranhão é feita por empresas de transporte, as tradings, que fazem esse transporte de um estado para o outro. Mas estamos muito preocupados, porque os custos de produção aqui no Tocantins são altos para o produtor, e isso precisa ser considerado. Além disso, estamos prevendo um ano desafiador. Pode ser que tenhamos chuva durante a colheita, e se o produto for colocado em caminhões e demorar para chegar ao destino final, podemos ter avarias nos grãos e problemas na qualidade do produto. Isso é uma preocupação constante.
Essa é uma das nossas maiores preocupações: o produtor ser prejudicado dessa forma. Antes, com a ponte, o produto chegava em um dia, mas agora, com a balsa, estamos na expectativa de quanto tempo vai demorar para esse produto chegar, e, se chegar, em que condições. Essa é a grande questão.
Hoje, estamos em estado de alerta, tentando avaliar se vamos sofrer com isso ou não. Vai que a situação mude, com menos chuva ou com rotas alternativas mais viáveis do que a balsa, permitindo que o produtor leve o seu produto com qualidade? Ou até mesmo as tradings, que são as empresas responsáveis pela logística, consigam dar uma alternativa para o produtor. Além disso, há a questão da balsa: será que o Governo do Estado vai entender que o produtor, quem faz a logística dos produtos, precisa desse apoio também? Era algo que não esperávamos e que não podíamos controlar. Estamos tentando ver o que pode ser feito para amenizar a situação.
Nós não somos responsáveis pela manutenção das estradas, nem pela ponte. A questão é como o governo do estado pode nos ajudar a cobrar isso do governo federal, que é o responsável pela ponte.
Há uma possibilidade de, ao invés de a carga subir, ela descer?
Mas isso é algo que, logisticamente falando, não costuma ser viável. Então, por isso, vamos esperar para ver como vai se desenrolar essa situação. Aqui, temos os portos secos em Palmeirante e em Porto Nacional, além do terminal de trem, que talvez sejam algumas alternativas. Mas, se isso acontecer, vai encarecer o frete, porque, ao invés de seguir diretamente para o destino, a carga terá que voltar para trás e subir de trem, o que também é caro.
E como você avalia o papel da Aprosoja nesse contexto?
Então, estamos tentando ouvir as dificuldades dos produtores, entender como podemos contribuir e, de forma construtiva, criar uma ponte, não com ironia, mas com o objetivo de estabelecer uma comunicação com o governo do estado para tentar minimizar esses custos e encontrar alternativas para que o produtor seja o menos prejudicado possível.
Sabemos que nem todos os associados serão diretamente afetados, mas como trabalhamos com empresas que atendem o estado todo, precisamos avaliar como isso vai impactar a todos. Esse é o nosso papel institucional, de representar o produtor de maneira geral, trazendo suas preocupações e tentando buscar as melhores soluções. Hoje, a Aprosoja tem 1.200 associados, que representam cerca de 800 mil hectares, o que equivale a aproximadamente 60% da área produtiva de soja do Tocantins. Quanto ao lucro do setor, é algo que podemos discutir, mas sabemos que é um número relevante para a economia do estado.
Esse total de hectares é responsável por quantos reais em rendimentos?
Não temos essa informação no nosso banco de dados. A Aprosoja hoje não representa todos os produtores de soja do Tocantins, mas gostaríamos de representar todos. Gostaríamos que todo produtor de soja nos procurasse para que pudéssemos demonstrar os benefícios de fazer parte da associação. Um dos principais benefícios é que, juntos, representamos mais. Temos mais força, mais encorajamento e conseguimos demonstrar o poder do setor quando todos os produtores estão alinhados e trabalhando na mesma direção.
Acreditamos que, dessa forma, podemos representar melhor os interesses de todos. Faço o convite, então, para todos os produtores que ainda não fazem parte: venham se associar! Se tiverem dúvidas, podem entrar em contato conosco. Nosso principal papel é representá-los, especialmente nas pautas políticas e institucionais, para que o produtor possa se concentrar em produzir com qualidade e dedicação, enquanto a associação cuida da sua representação e da segurança jurídica também.
Em relação ao processo de associação, temos um link no nosso Instagram que direciona para nossa Secretaria Executiva. Lá, fazemos o cadastro, explicamos os benefícios, o custo, o que oferecemos em contrapartida ao nosso associado, as conquistas que já conseguimos e qual é o tamanho da nossa representatividade perante os outros órgãos políticos e institucionais.
Além da representatividade institucional, nossa principal atuação é construir diálogos e desenvolver visões junto ao governo do estado e outras instituições. Estamos sempre envolvidos nas discussões das pautas ambientais e, dentro dessa área, temos representatividade significativa. Também temos um papel importante nas indicações ou sugestões que fazemos junto ao governo e outros órgãos. Além disso, a Aprosoja já entrou com várias ações judiciais para beneficiar o produtor de soja. Uma dessas ações foi contra o governo do estado, garantindo que os produtores associados à Aprosoja não precisem fazer o recolhimento do FAT (Fundo Estadual de Transporte). Também tivemos uma ação referente ao recolhimento de royalties de sementes, que já entendemos como vencidos, e outra ação garantindo que o produtor associado à Aprosoja não precise recolher ICMS sobre o frete interestadual.
Além da representatividade institucional, a Aprosoja também tem uma forte atuação junto ao Congresso, principalmente com a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA). Temos uma representação importante lá, o que nos permite obter benefícios para todos os produtores rurais. O mais importante, dentro do estado, é a nossa presença junto aos órgãos, para que o produtor não precise sair da sua fazenda para lutar por seus direitos, porque sabe que está sendo representado por pessoas que, como ele, são produtoras rurais.
Toda a nossa diretoria é composta por produtores, e isso faz com que a Aprosoja realmente entenda as dores do produtor e os gargalos que ele enfrenta, especialmente em relação à burocracia. Sabemos que a principal função do produtor é plantar e colher, mas muitas vezes ele não tem expertise nas questões burocráticas, e é para isso que estamos aqui: para representá-lo e ajudá-lo a navegar nessa parte.