José Eduardo de Azevedo é secretário municipal de Igualdade Racial e Direitos Humanos de Palmas. Jornalista, é pesquisador e militante dos direitos humanos. É doutorando em Ciências do Ambiente pela Universidade Federal do Tocantins (UFT), mestre em Comunicação e Sociedade e graduado em jornalismo pela mesma instituição. Possui especialização em Comunicação Jurídica Estratégica na Era Digital pela Escola Superior da Magistratura Tocantinense (Esmat).

Com ampla experiência na área de comunicação institucional e política, atuou como assessor de comunicação na Câmara dos Deputados, na Assembleia Legislativa do Tocantins e na Câmara Municipal de Palmas. É sindicalizado pelo Sindicato dos Jornalistas do Tocantins e integra o Movimento Negro Unificado (MNU) no estado.

José Eduardo também é membro do Coletivo SOMOS, o primeiro mandato coletivo da história do Tocantins, fundado em 2020. Ao lado de Thamires Lima, Elba Bruno, Luciely Oliveira, Natália Pimenta, Alexandre Peara e Ayrton Lopes, tem se dedicado à promoção da democracia participativa e da emancipação social em Palmas. O coletivo conquistou a segunda suplência na Câmara Municipal em 2020 com 877 votos e ampliou sua expressão política nas eleições de 2022, com candidaturas ao Legislativo estadual e federal que somaram milhares de votos.

No comando da secretaria, José Eduardo coordena iniciativas voltadas à promoção da equidade racial, defesa dos direitos da população LGBTQIA+, combate à intolerância religiosa e valorização de comunidades historicamente invisibilizadas, como os povos de matriz africana, o povo cigano e os grupos de capoeira em Palmas.

Em entrevista ao Jornal Opção Tocantins, o secretário destacou ações da gestão voltadas à valorização de manifestações culturais periféricas e ancestrais, ressaltando a importância do lazer como direito social e ferramenta de inclusão. José Eduardo também falou sobre a atuação do SOMOS dentro da base do governo Eduardo Siqueira Campos, reafirmando a independência crítica do mandato e o compromisso com pautas progressistas, como a defesa da população LGBTQIA+ e o combate à marginalização de minorias. 


A primeira dúvida que nos surge é: o nome correto é Secretaria Municipal de Políticas Sociais e Igualdade Racial ou Secretaria Extraordinária de Igualdade Racial e Direitos Humanos?

A segunda. Secretaria Extraordinária de Igualdade Racial e Direitos Humanos. É que essa Secretaria Municipal de Políticas Sociais era da gestão da Cinthia Ribeiro.  Com a nova gestão, ela foi desmembrada. A de Políticas Sociais virou Secretaria de Ação Social, e a nossa se tornou uma Secretaria Extraordinária de Igualdade Racial e Direitos Humanos.

E essa separação, em que ela beneficia o setor de igualdade racial e direitos humanos?

Quando você cria uma secretaria de primeiro escalão para cuidar de um tópico específico e importante, você dá mais visibilidade e capacidade de gestão às políticas públicas daquela área. Antes, essa pauta era uma superintendência. Agora, como secretaria de primeiro escalão, temos benefícios inclusive políticos e de articulação, o que facilita o acesso a ações voltadas para igualdade racial e direitos humanos.

Recursos, por exemplo?

Ainda não. A secretaria foi criada na atual gestão, e como você sabe, o planejamento orçamentário é feito bem antes da eleição — quando a LDO e a LOA são aprovadas. Como essa secretaria não estava prevista, porque nem se sabia quem seria o prefeito, ela foi criada sem orçamento próprio. Então, a busca por recursos, como emendas parlamentares, começa agora.

Esse primeiro ano é de muito planejamento, de levantamento de dados e informações. Nós, que somos pesquisadores, sabemos o quanto isso é importante. Inclusive, vou te mostrar alguns dados que acredito que vão te impactar. Tudo isso é fundamental para desenvolver políticas públicas voltadas ao nosso povo — e aqui me refiro ao povo negro, povo cigano, religiões de matriz africana, comunidade LGBT, pessoas com deficiência — todos os grupos que envolvem direitos humanos e igualdade racial.

Falando em orçamento, então hoje a secretaria não tem nenhum valor destinado?

Ainda não. Conseguimos uma emenda com o coletivo SOMOS, e estamos viabilizando para saber o valor, porque estamos desenvolvendo os projetos que serão apresentados. Também já temos boas conversas em Brasília com alguns parlamentares. Só estamos aguardando a finalização dos projetos, porque, como você sabe, precisamos apresentar os projetos para conseguir os recursos. Estamos nessa fase. 

Esses primeiros 100 dias foram de muito planejamento, de entender como funciona a gestão, de diagnosticar a situação da cidade nas pautas que nos atravessam. Tem sido um período de intensa articulação política. E alguns avanços já foram implementados na cidade.

E para você, que é jornalista, tem mestrado em comunicação e também estuda meio ambiente… Como está sendo essa transição de quem cobria políticos para agora ser parte da gestão?

Nossa, essa pergunta é boa. É como um “chá de revelação” a cada momento. Antes de ser gestor, eu fui jornalista político. Depois fui para assessoria política, onde permaneci quase dez anos. Mais tarde voltei de certo modo ao jornalismo político, fazendo alguns trabalhos.

A gente sabe que não é fácil. Nós, profissionais da comunicação, muitas vezes temos que nos desdobrar em dois, três, às vezes até quatro empregos para ter uma renda digna. Minha história é a história de muitos jornalistas do Tocantins. Estar agora nesse lugar de decisão é resultado de muito trabalho, mas não posso dizer que é um trabalho só do Eduardo. Eu não cheguei aqui sozinho.

Se eu estou hoje nessa pasta, foi porque lá atrás, em 2020, a gente iniciou um trabalho coletivo. Eu cito aqui o coletivo SOMOS, do qual eu faço parte. Através de muito trabalho e luta, conseguimos conquistar uma vaga no parlamento em 2024. Isso foi algo histórico no Tocantins — o primeiro mandato coletivo eleito na história do Estado.

Essa conquista gerou uma aproximação maior com o prefeito e, de forma política, ainda no ano passado, conseguimos articular a criação dessa secretaria. E, em comum acordo com os demais membros do coletivo, eu assumi essa função com muito respeito e vontade de fazer política e gestão. Nosso objetivo é trabalhar as pautas que sempre foram defendidas pelo coletivo SOMOS, por mim enquanto membro, jornalista, cidadão e pesquisador.

Como você se sente ao chegar em um lugar tão relevante vindo de uma cidade pequena, do interior? 

É muito simbólico. Quando estamos nesses espaços, muitas vezes não conseguimos compreender a grandiosidade que é representar. Ver pessoas como nós ocupando esses lugares mostra que outras também podem chegar. Eu estou aqui porque muitas pessoas acreditaram no meu potencial.

Vir de Barrolândia, uma cidade do interior do Tocantins, é algo que se conecta com a história de muitos palmenses. Sempre digo: precisamos falar das nossas raízes. Se não sabemos de onde viemos, não sabemos para onde vamos.

Hoje sou secretário municipal depois de já ter tido a orelha puxada pelo próprio Siqueira Campos, pai do nosso prefeito Eduardo. A história do Tocantins me abraçou. Sou grato à educação pública. Sou fruto da escola pública.

Se eu não tivesse passado em uma universidade federal, no curso de jornalismo — mesmo com todos os desafios —, eu não teria chegado onde estou. Foi o que me permitiu evoluir como pessoa, como cidadão, com uma visão mais ampla de mundo. E a gente ainda precisa ampliar mais. É essa visão que me permite hoje falar por tantas vozes que ainda são silenciadas.

Quando chegamos nesses espaços de poder, temos que mostrar nossa gratidão. Sempre digo: “não estamos aqui para dar voz, estamos aqui para erguer vozes”. Se não me engano, a própria Conceição Evaristo fala sobre isso.

Erguer vozes. Quando ocupamos esses espaços amplificadores, temos que ceder lugar para que pessoas e movimentos historicamente invisibilizados possam ser escutados de forma mais ampla e contínua.

E como você avalia esse cenário? De estar abrindo um novo capítulo para a política da população negra?

Olha, só faço uma correção importante: eu não dei o pontapé inicial. Eu sou parte de uma história construída por muitas pessoas, que vieram antes de mim, e que lutaram para que o Tocantins aderisse ao Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial.

Não posso falar de conquistas sem reconhecer quem veio antes, quem correu atrás. São muitas ancestralidades envolvidas. Inclusive, pessoas dentro da própria gestão que já vinham batalhando por isso há muito tempo. Nós conseguimos concluir uma parte de um trabalho que já vinha sendo construído. E eu fico muito grato por poder contribuir com essa luta.

Palmas é o primeiro município do Tocantins a aderir ao Sinapir. Qual a importância disso para a capital?   

O Sinapir é o Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial. De forma bem genérica, eu costumo dizer que ele é o “SUS da igualdade racial”. E Palmas é o primeiro município do Estado do Tocantins a aderir oficialmente ao Sinapir. A publicação já saiu no Diário Oficial da União — isso foi oficializado em março. Depois eu até te passo tudo direitinho.

A partir dessa adesão, agora fazemos parte de uma rede interligada de gestores da igualdade racial de todo o Brasil. Isso dá preferência a Palmas em termos de recursos para políticas públicas voltadas para igualdade racial. Temos prioridade na pontuação de editais e chamadas públicas do Ministério da Igualdade Racial. E estamos desenvolvendo mais políticas públicas para captar recursos.

Uma delas — vou até te adiantar — é a adesão ao Plano Juventude Negra Viva, que é um plano com mais de 400 páginas, construído de forma conjunta por diversos setores e movimentos sociais do Brasil. Ele defende o desenvolvimento de políticas públicas para garantir que nossa juventude negra se mantenha viva. No Ministério da Igualdade Racial, se não me engano, há mais de R$ 700 milhões disponíveis para essas políticas em todo o país. Queremos garantir uma fatia para aplicar aqui em Palmas.

E como tem sido o diálogo institucional para fortalecer a pasta? A gente vê o prefeito Eduardo Siqueira indo muito a Brasília em busca de apoio político. A secretaria também tem feito essa articulação?

Temos, sim. E não posso deixar de agradecer a sensibilidade do prefeito Eduardo Siqueira Campos. Ele compreendeu a importância dessa pauta e tem sido um grande aliado, dando liberdade para que a gente possa trabalhar nossos projetos e buscar recursos, independentemente da esfera de poder ou de qual político seja.

Inclusive, no último encontro que tivemos, ele foi muito claro comigo:  “Eduardo, vai atrás de recurso. Quem colocar vai receber o crédito. Eleição acaba na eleição. Daqui pra frente é todo mundo por Palmas.”

Essa fala dele nos dá segurança para atuar de forma técnica, articulada. É um reflexo direto do modo como ele tem conduzido a gestão. Nós buscamos seguir essa mesma construção.

Além do Juventude Negra Viva, quais são as outras ações planejadas pela secretaria neste primeiro ano?

O primeiro passo tem sido mapear onde estão os nossos grupos. Por exemplo, já identificamos 27 grupos de capoeira em Palmas, desde a região do Águas Frias até Taquaruçu. Até o momento, visitamos 21 grupos in loco. Nesses encontros, fazemos escuta ativa — ouvimos professores, mestres, contramestres, instrutores e capoeiristas para saber quais ações são necessárias.

Cada roda que visitamos tinha, no mínimo, 30 pessoas. Então, você imagina o alcance dessa manifestação cultural. Agora vamos realizar uma audiência pública no dia 24 de abril para debater o fortalecimento da capoeira em Palmas.

E essa metodologia que usamos com a capoeira — mapear, visitar, reunir, escutar e encaminhar — estamos replicando com outros grupos. Já mapeamos, por exemplo: 26 casas de religiões de matrizes africanas; sete grupos de batalhas de rima;  12 movimentos organizados que defendem os direitos da população LGBT+; 14 movimentos voltados à luta antirracista e à igualdade racial.

A partir dessas visitas, ouvimos as lideranças desses grupos, que muitas vezes foram invisibilizados. Não estamos aqui como salvadores da pátria — estamos aqui para ouvir quem vive essas realidades, para que as políticas públicas sejam construídas de forma real, concreta e com base na escuta da população.

A gente pega a questão da capoeira, por exemplo. Vamos entregar um projeto chamado “Palmas, Capital da Capoeira”, que será apresentado neste dia 24. Esse projeto traz uma série de ações da prefeitura para garantir a efetividade desse povo que trabalha, muitas vezes, de forma gratuita — resgatando nossa cultura ancestral, levando educação, conscientização, acolhimento de crianças e suas famílias. Eles fazem um trabalho completo.

E tem um ponto muito importante também: o lazer. As pessoas das camadas mais vulneráveis quase não têm acesso ao lazer. É só trabalho, trabalho, trabalho. Trabalha, come e dor. E o lazer? O lazer é essencial. 

As nossas manifestações culturais, principalmente as que têm origem afro-brasileira, são muito criminalizadas. Se você vai numa batalha cultural — onde tem 50 jovens — é um espaço de lazer, de expressão, onde colocam a cultura para fora, falam da própria realidade.

Aqui em Palmas, tem várias batalhas: Batalha da Vila, Batalha do Parque dos Indígenas, Batalha da Praça dos Girassóis, Batalha do Espaço Cultural, Batalha das Mil, Batalha do Ginásio e Batalha dos Cria (no Taquari).

Toda a cidade tem uma galera movimentando essa cultura de periferia que retrata como é a nossa realidade. E o mais importante: essas políticas públicas ajudam até as forças de segurança a olhar para esses espaços de forma diferente.

Eu estou presencialmente nesses lugares. E a presença do poder público leva institucionalidade. Quando a prefeitura está lá, passa a mensagem: “Isso aqui deve ser respeitado.”

E a própria guarda municipal tem um diálogo bacana com a nossa secretaria. A gente já oficializou os locais, informando que são manifestações culturais. Com isso, conseguimos um olhar mais cuidadoso, menos marginalizante. Isso garante direitos na prática, não só no papel.

E como é que fica a atuação do SOMOS dentro do governo Eduardo? Porque o SOMOS sempre foi um coletivo mais independente, né?

Hoje o SOMOS está na base da gestão do prefeito Eduardo Siqueira Campos. Essa construção aconteceu com muito diálogo e respeito. O prefeito tem dado liberdade política para que levemos nossas pautas, e isso tem funcionado.

Inclusive, um dos membros do SOMOS está hoje numa secretaria de primeiro escalão. Claro que há questões que precisam ser alinhadas, e estamos nesse processo. Mas neste momento, o SOMOS se coloca na base. Isso não impede que a gente siga nosso formato político: cobrar o que precisa ser cobrado, defender o que precisa ser defendido e elogiar quando for o caso.

Sabemos que, quando estamos na base, fazemos parte de um grupo, e estamos também aprendendo muito sobre política institucional. A gente vai até certo ponto sozinho, mas para avançar em pautas maiores, é preciso articulação.

Um exemplo disso é que, pela primeira vez na história da Câmara de Palmas, projetos de lei em defesa da população LGBT+ foram apresentados. Em 35 anos de Palmas, isso nunca tinha acontecido. E está acontecendo agora graças à boa articulação do SOMOS com vereadores de outros partidos. Essas matérias estão tramitando e há chances reais de aprovação.

E o mais importante: o SOMOS não tem problema em dialogar. Estamos ali para dialogar com todos os pares, mesmo com pensamentos diferentes. Nós temos nossa diretriz clara e firme, mas isso não nos impede de construir junto com outros vereadores quando os interesses são coletivos.

Esse jogo de troca política, essa política de dialogar, é fundamental. Porque eu tenho certeza que, dentro da Câmara, todos — de alguma forma — querem garantir dignidade para o cidadão de Palmas. E os projetos que estão em pauta hoje têm esse objetivo: garantir igualdade em direitos e proteção para minorias que antes nem eram ouvidas dentro do parlamento. Isso tem sido muito interessante, e um crescimento político enorme para nós, lá dentro. O Brasil é para ser democrático. 

Tem algo que eu não perguntei e você gostaria de acrescentar?

Olha, acho que a gente precisa reforçar: nossas minorias — e eu uso o termo no sentido de ocupação de espaços de poder, não de quantidade — precisam ser ouvidas. Somos minoria por estarmos em menos espaços de decisão. Como no Congresso, onde o “líder da minoria” é, na verdade, o líder da maior bancada de oposição. É nesse sentido.

Somos minoria, mas somos uma grande diversidade de pessoas: mulheres, o povo preto — que é maioria em Palmas —, a população LGBT, religiões de matriz africana, o povo da capoeira… Há uma gama cultural em Palmas que muitas vezes foi invisibilizada pelo poder público. Mas essa população está ali, existindo, resistindo e contribuindo para o crescimento da nossa cidade.

E ampliar voz a elas, respeitar sua cultura, tem sido gratificante. Quero continuar sendo um instrumento dentro do que é possível. Para erguer essas vozes, para fortalecer esses movimentos. Se eu puder ser bem utilizado nesse sentido, que assim seja. Claro, às vezes falhamos no meio do caminho. Somos humanos. Mas o importante é seguir ajustando, acertando, aprendendo. E seguir.