A historiadora e pesquisadora doutora Joana Maria Pedro, da Universidade Federal de Santa Catariana (UFSC), referência internacional em estudos de gênero, defende que a presença das mulheres no poder faz bem à sociedade. “Elas gastam mais com questões sociais do que os prefeitos costumam gastar. Isso não sou eu que estou dizendo, são pesquisas que já existem. Quando elas são prefeitas, existe mais escolas, mais creches, mais postos de saúde. Não importa o partido que elas venham, o que se observa é que, em geral, quando é uma mulher, aumenta o gasto com saúde e educação. Isso é diferente, e isso é uma coisa boa para as pessoas e para a cidade”, garante.

Joana Maria Pedro aponta que o que mais impede a mulher de ascender ao poder é a estrutura familiar que torna a atividade política um fardo pesado. “Além dessa cultura que faz com que elas tenham que dar conta da prefeitura, da casa, dos filhos, do marido, de tudo isso, elas contam que geralmente, o marido não colabora. Elas não têm aquilo que os homens que ocupam o cargo de poder têm, que é uma esposa. Porque ter uma esposa significa que a tua casa vai estar limpa, teus filhos vão estar cuidados, se eles têm um doente, é ela que vai levar, e ele não precisa se preocupar. Elas não têm isso, essa vantagem”, observa a pesquisadora.

Elas não têm aquilo que os homens que ocupam cargo de poder têm, que é uma esposa

Joana Maria Pedro, que coordena diversos grupos de pesquisa, veio ao Tocantins falar sobre o Projeto Mandonas, memórias, políticas e feminismos no Cone Sul, que estuda protagonismo das mulheres, ausente nas narrativas históricas. “As mulheres que assumem lideranças são costumeiramente chamadas de mandonas”, diz a professora ao explicar que a ideia do título é buscar qualificar palavras desqualificadoras, uma engenhosidade do feminismo que fez isso com o termo Bruxas. No caso, Mandonas é o regaste de um termo usado pejorativamente, inclusive com negação do feminismo, para “enquadrar” mulheres líderes, que tem poder, o que a pesquisa procura. 

Nesta entrevista exclusiva ao Jornal Opção Tocantins, a pesquisadora traçou um paralelo entre a desindustrialização e o surgimento de movimentos reacionários, um fenômeno mundial que chegou ao Brasil em 2018 com o bolsonarismo. A pesquisadora cobrou ainda que a sociedade precisa avançar no sentido de atribuir a todos os membros da família a responsabilidade pela qualidade da casa e não só à mulher. 

Na Paraíba, é sobre as sertanejas, em São Paulo, sobre cartunistas, e assim, cada lugar é uma pesquisa

Professora, a pesquisa Mandonas, por enquanto foi feita somente em Santa Catarina, que avaliação a sra. faz dessa amostragem?

Não, o Mandonas, ele é [um projeto] nacional. O que eu apresentei foi uma parte da pesquisa que eu estou fazendo, participando diretamente. Porque as demais equipes estão pesquisando, você vê, lá na Paraíba, é sobre as sertanejas. São Paulo, sobre cartunistas, e assim, cada lugar é uma pesquisa. E eu estou, em Santa Catarina, fazendo essa parte e, ao mesmo tempo, coordenando o projeto completo.  Compreende?


Elas gastam mais com questões sociais do que os prefeitos costumam gastar

Como a sra. avalia a participação da mulher na política a partir deste recorte de Santa Catarina? É possível falar em mudança com as mulheres no poder?

Não é muita mudança, não. É um avanço, sabe por quê? Elas gastam mais com questões sociais do que os prefeitos costumam gastar. Isso não sou eu que estou dizendo, são pesquisas que já existem. Quando elas são prefeitas, é quando fazem, existe mais escolas, mais creches, mais postos de saúde. Então, de qualquer maneira, não importa o partido que elas venham, o que se observa é que, em geral, não quer dizer que não tenha prefeitos que façam isso, mas se observa que, quando é uma mulher, aumenta o gasto com saúde e educação. Isso é diferente, e isso é uma coisa boa para as pessoas e para a cidade. Mas também tem prefeitos que falam que trouxeram novas indústrias, fizeram novas estradas, como os outros homens também fazem. Mas o que eu vejo de diferente, não importando o partido de onde elas venham, é essa preocupação com a saúde e com a educação.

Mesmo quando elas se tornam presidentes de partido, elas sozinhas não fazem muita coisa

A senhora mencionou claramente que o partido engessa, já cria um modelo de comportamento, de carreirismo, e a mulher termina se perdendo dentro dessa estrutura que é muito conservadora e patriarcal. A senhora vê a possibilidade das mulheres contribuírem também para o avanço da política partidária?

Eu acho que vai andar um bocado de tempo ainda pela frente. Eu estou sendo pessimista. Eu estou pessimista em relação a isso, porque mesmo quando elas se tornam presidentes de partido, elas sozinhas não fazem muita coisa, porque elas têm todo um grupo em torno, que está ali há muito tempo, que já tem seus colegas que são candidatos, pessoas que eles conhecem, sabe aquela coisa de manter o que já está? Sabe aquela história de time que está ganhando, ninguém mexe? Pois é isso que faz o partido. Eu entendi qual é a deles. Atualmente tem uma lei [cláusula de barreira] que quando um partido não consegue eleger uma determinada quantidade de pessoas, ele é fechado, fechado no sentido de ele não ter mais essa posição de partido, ele passa a ser, sei lá, tem um outro nome. Então, eles não querem isso, porque isso tira dinheiro deles, isso tira um monte de coisa. Então, eles não querem se arriscar. Eles não querem se arriscar com candidatas mulheres, porque acham que elas não vão ganhar.

As pessoas precisam perceber que a casa é de todo mundo, que, portanto, se sujou, limpa, seja lá quem for

A sociedade precisa mudar nessa direção, e as pessoas precisam perceber que a casa é de todo mundo, que, portanto, se sujou, limpa, seja lá quem for, e que todo mundo é responsável pelo bem-estar da casa, e que os filhos ela não fez sozinha. É de todo mundo, que eu digo, é do marido, da mulher, da família, e que as pessoas têm que cuidar. Isso é uma coisa muito séria, que impede, muitas vezes, as sobrecargas que elas têm, por continuar com essa questão de cuidar da casa, das crianças, e ainda ter a prefeitura pela frente, faz com que, no final do mandato, elas fiquem tão cansadas, que não querem continuar.

Então, tem uma mudança cultural que precisa acontecer

Então, elas dizem assim, ah, não, eu sou apenas uma dona de casa. Elas não dizem assim, eu sou, sim, uma prefeita, e se faz um bom trabalho, geralmente passa para ser deputada, sobe na carreira. Elas não seguem, porque é como carregar peso muito pesado. É muito difícil. Aquelas que já têm filhos criados, aquelas que são solteiras, viúvas, muitas vezes, às vezes, elas conseguem prosseguir, mas, em geral, é muito difícil para elas. Então, tem uma mudança cultural que precisa acontecer.

A mulher na política não encontra no parceiro solidário, mas um concorrente?

Eles, inclusive, ficam com ciúmes, ficam com inveja, ciúme. Uma delas [prefeitas] me disse assim, “eu tenho que ir à Brasília pedir dinheiro, eu tenho que ir à Florianópolis falar com o governador. E ele não diz nada, mas fica de cara amarrada, não quer mais colaborar com nada, sabe?” Tem jogos ali que continuam a existir, que é complicado

As pessoas estão ficando com trabalhos precarizados. Os poucos empregos que existem vão ser disputados fortemente.

Professora, a senhora falou da onda conservadora, direitista de Santa Catarina, que não é só Santa Catarina, o que está por trás desse fenômeno do afloramento da direita radical, como a senhora explica a relação com a desindustrialização?

Isso é internacional. Essa desindustrialização é internacional. Por quê? Está se concentrando aonde? Na China, em determinados lugares. Você vê, é o mesmo que aconteceu nos Estados Unidos, é o mesmo que está acontecendo na Argentina, é o mesmo que está acontecendo em todo lugar. Essa desindustrialização, ou seja, os empregos, em grande parte, estão desaparecendo. As pessoas estão ficando com trabalhos precarizados. Os poucos empregos que existem vão ser disputados fortemente. E aí vale qualquer coisa, inclusive o preconceito, para desqualificar o outro candidato ao mesmo trabalho qualificado. Eu estou vendo essa tensão muito séria lá em Santa Catarina.

O preconceito é buscado na hora da concorrência

Não tem nada a ver com a ancestralidade, ou seja, a ligação com a Europa, com a raça?

Tem tudo a ver, porque é isso que é buscado. Ou seja, há muito tempo que eles estão morando no Brasil, há muito tempo que eles não são alemães, não são italianos, não são coisa nenhuma. Nem sabem a língua, tá? Já perderam. Mas na hora de disputar com o outro, que é um rapaz negro, ou uma mulher negra, ou é uma pessoa parda, aí eles vão dizer, não, porque eu sou melhor. Porque eu sou de origem alemã. Uma origem que é lá de não sei quando, mas ele busca isso. Ou seja, o preconceito é buscado na hora da concorrência. Compreendes?