Paulo Xerente: “articular direitos aos povos indígenas e tradicionais é desafiador, mas me sinto preparado”
11 agosto 2024 às 00h00
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Paulo Waikarnãse Xerente, tem 50 anos, é casado e pai de quatro filhos. Nascido na aldeia Porteira, em Tocantínia, é indígena do povo Xerente e cacique da Aldeia Mraizase. É secretário de Povos Originários e Tradicionais do Estado do Tocantins. Formado em Administração pela Universidade Estadual do Tocantins (Unitins), é mestre em Ciência do Ambiente pela Universidade Federal do Tocantins (UFT). Atualmente cursa doutorado na mesma instituição.
Paulo já atuou na área da educação indígena como diretor escolar, foi chefe de Brigada de Incêndio na etnia Krahô pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama), gerente executivo do Programa de Compensação Ambiental Xerente (Procambix), projeto que buscava amenizar os impactos da construção da Usina Hidrelétrica de Lajeado. Além disso, trabalhou como técnico de enfermagem no Distrito Sanitário Indígena Tocantins (Dsei-TO).
Como secretário da Secretaria de Povos Originários e Tradicionais, primeira secretaria tocantinense voltada para a promoção de direitos desses povos, Paulo Xerente reforça seu compromisso de continuar promovendo e apoiando a cultura dos povos originários e tradicionais.
Em entrevista ao Jornal Opção Tocantins, em alusão ao Dia Internacional dos Povos Indígenas, celebrado nesta sexta-feira, 9, ele reforça o desenvolvimento de ações que fortaleçam a promoção, divulgação e articulação das culturas indígenas, incentivando o intercâmbio e a cooperação com entidades e instituições públicas ou privadas, tanto nacionais quanto internacionais, visando ao reconhecimento dos direitos e tradições dos povos originários e tradicionais.
Como foi o seu trabalho na saúde indígena?
Trabalhei muito na saúde indígena, tanto aqui em Palmas, na sede do Dsei, quanto nas aldeias, especialmente com o povo Xerente. É difícil encontrar profissionais que falam a linguagem dos pacientes, então o técnico pode ser fundamental para traduzir para o médico o que o paciente está sentindo.
Auxiliei muito o povo Xerente e outras etnias, embora muitas vezes só pudesse falar em português. Eu conversava com os pacientes antes do atendimento médico e depois repassava as informações ao médico.
O senhor tem uma trajetória marcada pela educação. Como o senhor enxergou, na época que ainda morava na aldeia, a importância de estudar e sair de seu território para enfrentar uma capital?
Foi uma trajetória dolorosa, porque sair do habitat para uma cultura diferente é sempre um desafio. Eu saí da aldeia aos 14 anos para estudar o ensino fundamental. Tive a oportunidade de estudar em um colégio particular, o Colégio Batista Tocantins, em Tocantínia, que era muito bom. Mais tarde, fiz um curso técnico de enfermagem, em Miracema do Tocantins, segui para a Unitins para cursar administração pública, também em Miracema, e depois fiz mestrado na Universidade Federal do Tocantins e mestrado na UFT, em Palmas. Agora faço doutorado lá também na mesma área do mestrado, que é Ciências do Ambiente.
Antigamente os pais tinham que correr atrás das escolas para os filhos. Hoje, a escola vai atrás dos alunos nas aldeias, com ônibus disponibilizados pelo governo federal. Na época, tínhamos que alugar uma casa na cidade, mas agora as coisas são diferentes, embora ainda haja desafios para quem quer cursar faculdade.
Hoje existem casas indígenas, mas ainda é complicado. As casas de estudante precisam de mais apoio, reformas, e segurança, especialmente em Palmas.
Fale um pouco da sua trajetória também de vida.
Sou casado e tenho quatro filhos, todos formados ou estudando. Tenho 50 anos e uma trajetória marcada por muita experiência, tanto cultural quanto administrativa, o que me preparou para os desafios atuais. Sou do povo Xerente, da aldeia Porteira, mas hoje minha família e eu residimos em uma nova aldeia, chamada Mraizase. O papel de um cacique é administrar a aldeia, resolver problemas internos, e buscar políticas públicas para a comunidade.
Hoje, enfrentamos um problema em nossa aldeia, localizada no limite da região de Pedro Afonso e Rio Sono. Temos um córrego chamado Piabanha, onde, às vezes, precisamos fiscalizar a atividade de caçadores. Além disso, há uma demanda crescente que o cacique precisa resolver internamente. Também estamos correndo atrás de projetos e políticas públicas que possam nos ajudar.
As discussões familiares são uma parte significativa do nosso cotidiano. Muitas vezes, precisamos intervir para apaziguar as situações, pois lidar com pessoas não é fácil.
Na Terra Indígena, a situação é mais complicada. Resolvemos as questões principalmente através de conversas com os anciãos e dentro dos princípios da nossa cultura. Ainda encontramos a melhor solução possível dessa forma. Isso é muito bom.
Como tem sido o trabalho do senhor na Sepot?
É um trabalho desafiador, mas sinto-me à vontade por causa da minha formação em administração. A Sepot é um laboratório onde estou aprendendo e construindo um bom trabalho na gestão. Já trabalhei como diretor em um centro de ensino médio em Xerente, fui chefe no programa de queimadas do Ibama, e trabalhei no programa de compensação ambiental Procambix, que foi um convênio entre a Funai e a Investco por conta da barragem de Lajeado. Esse projeto foi fundamental para a comunidade, mas também apresentou desafios, especialmente em relação ao impacto ambiental.
Quais foram os principais desafios na compensação ambiental?
A compensação da barragem foi limitada a 8 anos, o que afetou a sustentabilidade do projeto. O impacto no meio ambiente foi significativo, com rios secando e a agricultura indígena sendo prejudicada. Hoje em dia, pescar no Rio Tocantins exige muita paciência, pois os peixes são escassos devido à poluição e outros fatores ambientais.
O senhor mencionou que seu mestrado foi na área do Capim Dourado. Pode falar sobre esse trabalho?
Sim, meu mestrado foi focado no Capim Dourado, um recurso que sustenta muitas famílias do povo Xerente. Estudei o impacto e a importância dessa atividade para a comunidade e a necessidade de se adequar à legislação que regula a colheita.
Há uma história de que um indígena Xerente levou o Capim Dourado para o Jalapão. Qual a sua opinião sobre isso?
Existe um estudo científico que aponta que um casal Xerente levou essa prática para a comunidade do Jalapão, mas é um assunto polêmico. É um assunto controverso, com várias interpretações.
Quais são as principais ações da Sepot atualmente?
A Secretaria de Povos Originários e Tradicionais foi criada pelo governo Wanderlei Barbosa e é uma referência para os grupos indígenas e tradicionais no Tocantins. Estamos trabalhando para desenvolver políticas públicas que atendam às necessidades dessas comunidades.
A Secretaria de Estado dos Povos Originários e Tradicionais do Tocantins (Sepot) desenvolveu diversas ações importantes. Entre os acordos de cooperação técnica, destacam-se as parcerias com a Secretaria de Indústria e Comércio (Sics), visando à instalação de agroindústrias e casas de farinha em territórios quilombolas e indígenas; com a Agência Tocantinense de Saneamento (ATS) e Instituto de Desenvolvimento Rural do Tocantins (Ruraltins), para a implantação de sistemas de abastecimento de água em comunidades tradicionais; e com Instituto de Terras do Tocantins (Itertins), Tocantins Parcerias (Topar), Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e Tribunal de Justiça do Tocantins (TJTO), focando na regularização fundiária de quilombos. Além disso, a Sepot firmou um acordo com o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) para fomentar o empreendedorismo e a certificação de artesanatos tradicionais, e está em processo de assinatura de um acordo com a Secretaria da Mulher para a participação na Caravana Todas Fortes Por Elas.
Entre as iniciativas destacam-se a criação da Rede de Enfrentamento da Violência contra a Mulher Indígena, o desenvolvimento de um aplicativo voltado para essa causa e a elaboração de uma cartilha de prevenção ao abuso sexual de menores indígenas. Também foi aprovada a Lei de Cotas e lançado o Programa Aquilomba Tocantins. Propostas para a criação dos Conselhos dos Povos Originários e Quilombolas estão em análise na Casa Civil.
A Sepot também apoiou diversos projetos culturais e esportivos em várias aldeias e comunidades indígenas, além de começar um mapeamento situacional nos territórios.
O senhor quer acrescentar algo que não perguntamos?
Quero agradecer pela oportunidade do Jornal Opção Tocantins e falar que seguimos no trabalho em prol dos nossos povos. Obrigado.