Em março do ano passado aportou no Ministério Público do Tocantins uma Notícia Fato sobre o Convênio nº 16/2022, firmado entre o Governo do Tocantins e o Banco de Brasília (BRB) para a antecipação dos passivos retroativos reconhecidos pela Lei 3.901/2022, após representação de um empresário de Belém (PA).

A investigação, conduzida pela 9ª Promotoria de Justiça de Palmas, sob a análise do promotor Vinícius de Oliveira e Silva, busca esclarecer se houve tratamento privilegiado ao BRB na operacionalização das cessões de crédito oferecidas a servidores públicos estaduais.

A denúncia, inicialmente protocolada no Ministério Público Federal e remetida ao MPE, sustenta que a Secretaria de Administração (SECAD) teria facilitado operações para o BRB em detrimento de outros bancos, o que, segundo o autor, poderia resultar na anulação dos contratos e gerar prejuízo ao erário. Em janeiro deste ano, o MPTO instaurou o Procedimento Preparatório nº 2024.0003108 com o objetivo de confirmar a legalidade do processo, coletar documentos e analisar a forma como as antecipações foram implementadas.

Leis e Decretos

O procedimento do MPTO tomou como referência a Lei nº 3.901/2022, que reconheceu os passivos retroativos devidos a servidores públicos civis e militares, e autorizou a antecipação dos valores mediante cessão de crédito a instituições financeiras. O Decreto nº 6.473/2022 regulamentou o modelo, autorizando consignação facultativa sobre as parcelas a vencer e permitindo que a margem consignável atingisse até 100% da base de cálculo no momento da contratação.

Em novembro daquele ano, o Decreto nº 6.538/2022 atualizou o dispositivo, substituindo o termo “Aceite, Desistência e Renúncia” pelo “Termo de Adesão/Transação”, mas mantendo a lógica de operacionalização e a necessidade de autorização expressa do servidor.

O denunciante afirma que, apesar desse arcabouço legal, o BRB teria classificado as operações como empréstimo consignado, não como cessão de crédito, o que violaria a legislação e colocaria em risco a regularidade das antecipações.

Diligências

Após autuar a Notícia de Fato, o Ministério Público considerou que os elementos apresentados exigiam aprofundamento. O promotor Vinicius de Oliveira e Silva requisitou à Secad:

• cópia integral do Processo Administrativo que deu origem ao convênio;
• cópia do Convênio nº 16/2022;
• número total de servidores que aderiram aos termos previstos no decreto;
• quantitativo dos que anteciparam com o BRB;
• quantitativo dos que contrataram com outros bancos.

A decisão que determinou nova coleta de elementos destacou que era preciso analisar exaustivamente a documentação e complementar a instrução antes de deliberar sobre instauração de inquérito civil.

Secad

Em resposta enviada em 13 de fevereiro de 2025, por meio do Ofício n.º 608/2025, o então secretário de Administração, Paulo César Benfica Filho, apresentou documentos, números e uma manifestação técnica afirmando que não haveria irregularidades no processo.

A pasta destacou que o convênio foi firmado com base na Lei 3.901/2022 e no Decreto 6.473/2022, com plena validade jurídica. Segundo a Secad, as antecipações, seja por empréstimo consignado ou por cessão de crédito, são modalidades de consignação facultativa e podem conviver sem ilegalidade.

O estado afirmou na época que todas as instituições financeiras tiveram tratamento isonômico, receberam acesso ao sistema “Viabilize”, que exibe os valores de cada servidor, e puderam aderir ao credenciamento nas mesmas condições. O BRB não teria recebido privilégio, segundo o documento.

A manifestação também registra que duas denúncias anteriores apresentadas pelo mesmo cidadão foram arquivadas no MPE, uma por ausência de lesão a interesse público e outra por inexistência de conduta fraudulenta. Há ainda referência a uma ação popular extinta sem julgamento do mérito, o que, para a pasta, evidencia que o denunciante age movido por interesses alheios ao controle de legalidade.

Predominância do BRB

A SECAD apresentou os números consolidados até 12 de fevereiro deste ano:

• 11.927 servidores anteciparam o passivo retroativo pelo BRB;
• 3.777 servidores aderiram à antecipação por outras instituições conveniadas;
• 17.404 servidores assinaram Termo de Aceite, Desistência e Renúncia sem demanda judicial;
• 1.110 assinaram os termos com demanda judicial.

A pasta também apresentou as taxas de juros praticadas pelas instituições, indicando variações entre 1,55% e 3,50% ao mês. O BRB cobrou 1,59% ao mês, valor próximo ao ofertado pelo Sicoob (1,55% ao mês a partir de abril de 2024). Para o governo, essa dispersão demonstra concorrência real, e a preferência dos servidores pelo BRB decorreu de estratégia comercial, não de favorecimento.

Resposta

Após a resposta da Secad, o denunciante protocolou nova manifestação no MPTO ainda em fevereiro. O documento sustenta que o estado omitiu informações e que houve quebra da ordem cronológica de pagamentos, já que o BRB teria recebido valores antes de instituições financeiras que ingressaram posteriormente. Também argumenta que os contratos configurariam consignação e não cessão de crédito, o que poderia violar o marco jurídico definido pela Lei 3.901/2022.

Ele lista uma série de operações formalizadas em 2022 e 2023, valores, números de contratos e datas de transferências, para reforçar que o banco teria sido beneficiado.

A peça tenta demonstrar que o BRB estaria “no topo da fila”,e recebeu repasses enquanto outros bancos, mesmo conveniados, não teriam sido pagos nas mesmas datas. Segundo o denunciante, isso revelaria privilégio e afrontaria o decreto regulamentador.

Estado devedor

Em outubro desta ano, após rumores de que servidores do Tocantins estariam aparecendo como devedores de empréstimos no BRB, a Secad divulgou nota com esclarecimento que não haveria qualquer dívida individual dos servidores.

Segundo a pasta, as operações com o BRB se tratam de cessão de crédito do Estado, prevista na Lei Estadual nº 3.901/2022, no Decreto nº 6.473/2022 e no Convênio nº 16/2022. Isso significa que o estado seria o devedor, assumindo integralmente as obrigações de repasse e eventuais inadimplementos. Os servidores, portanto, não possuem registro de dívida junto ao Banco Central.

Próximos passos

O Procedimento Preparatório permanece em curso. A 9ª Promotoria de Justiça avalia as informações enviadas pela Secad, a documentação do processo administrativo, os dados de adesão e os novos argumentos apresentados pelo denunciante. Em julho deste ano, o promotor do que analisa o caso prorrogou o prazo para conclusão do PP.

Denúncia anexada

Em agosto, uma nova manifestação, registrada na Notícia de Fato nº 2025.0007110, foi anexada ao Procedimento Preparatório e ampliou o conjunto de questionamentos analisados pelo Ministério Público. Nesse documento, um servidor procurou a Ouvidoria da instituição para relatar dúvidas e inconsistências percebidas após a transferência da folha de pagamento do estado para o BRB.

Segundo o denunciante, representantes do banco estiveram na repartição em que trabalha e apresentaram orientações que, na avaliação dele, não coincidiam com as informações divulgadas pelo governo. A queixa menciona incertezas sobre eventuais custos, forma de movimentação dos salários e a suposta obrigatoriedade de abertura de conta corrente, mesmo com a previsão de criação automática de conta salário. O servidor pediu que o Ministério Público esclareça como o Estado tem conduzido o processo.

Folha de Pagamento

No final de 2024, o Governo do Tocantins, por meio da Secretaria da Fazenda (Sefaz), firmou um contrato no valor de R$255 milhões com o Banco de Brasília (BRB) para a gestão da folha de pagamento dos servidores públicos estaduais. O acordo também incluiu a centralização e processamento de pagamentos e a gestão da Conta Única do Tesouro do Estado.

O contrato, assinado pelo governador Wanderlei Barbosa (Republicanos) e representantes do BRB, definiu vigência de 60 meses a partir do início do processamento da folha de pagamento, que começou em junho deste ano.

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