Três meses após o início da Operação Fames-19, conduzida pela Polícia Federal (PF), as investigações seguem apurando o suposto desvio de recursos públicos destinados à aquisição de cestas básicas para famílias em situação de vulnerabilidade durante a pandemia de Covid-19. Relembre os detalhes do caso e confira os principais desdobramentos até agora.

A operação, que teve início no dia 21 de agosto de 2024, revelou um esquema que teria favorecido empresas com contratos irregulares, resultando na entrega parcial ou inexistente de produtos pagos integralmente pelos cofres públicos. As compras de alimentos e aluguel de caminhões que fizeram a distribuição em todo estado foram feitas sem licitação, considerando o decreto de emergência estadual. 

Entre os investigados estão o governador Wanderlei Barbosa (Repu), seus filhos Léo Barbosa (Repu), deputado estadual, e Rérison Castro, superintendente do Sebrae no Tocantins, além da primeira-dama Karynne Sotero, que ocupa o cargo de secretária extraordinária de Participações Sociais. Ao todo, 42 pessoas foram citadas na investigação, incluindo empresários e servidores públicos.

Mandados de busca e apreensão foram cumpridos em 41 endereços, incluindo o gabinete do governador no Palácio Araguaia, onde foram encontrados R$32,2 mil em espécie, além de carimbos com nomes de Wanderlei e de seu então chefe de gabinete, Marcos Martins Camilo. Também foram apreendidos outras quantias de dinheiro, incluindo euros, na casa do governador, somando um total de R$67 mil. O chefe de gabinete e outros servidores envolvidos foram exonerados após a operação.

Investigado movimentou R$ 12 milhões, mas andava de moto na chuva | Foto: TV Anhanguera

Um dos contratos investigados, revelou que um dos supostos laranjas no esquema, Diego Oliveira Coimbra, movimentou R$12 milhões em contratos de cestas básicas com o governo, mas levava uma vida simples, andando de moto até mesmo em dias de chuva. As investigações apontam que Diego emprestou seu nome para Welber Guedes, considerado o verdadeiro beneficiário do esquema. 

As empresas ligadas a Guedes teriam fraudado a entrega de alimentos essenciais, como arroz, óleo de soja, café e frangos, resultando em um prejuízo de mais de R$1,8 milhão aos cofres públicos apenas em produtos não entregues. Além disso, o esquema utilizava um mercado como fachada para lavar dinheiro, com práticas suspeitas, como a venda de carne bovina Angus, uma das mais caras, com cortes comuns ou até transformada em linguiça para mascarar os fluxos financeiros.

O ponto de ligação

Um ponto central da investigação, e que liga diretamente o governador nas investigações é uma transferência registrada como “consórcio entre amigos”, no valor de R$5 mil, feita por Welber diretamente para a conta do governador Wanderlei Barbosa, em novembro de 2020. Transferências no mesmo valor também foram realizadas para os filhos do governador, o deputado Léo Barbosa, e Rérison Castro. 

A defesa da família do governador e o próprio governador (notas ao final da matéria) inclusive argumentam que essa é a única ligação entre eles. Para os investigadores, no entanto, “o pagamento da quantia não possuiria causa legítima, representando verdadeira vantagem indevida documentada por descuido pelos próprios investigados”.

O senador, Irajá Abreu (PSD), ironizou a nota dizendo: “Para o governador Wanderlei Barbosa, ‘propina’ mudou de nome e se chama ‘consórcio entre amigos’, para justificar os R$5 mil que recebeu na conta pessoal do empresário que vendeu as cestas básicas usadas para desviar dinheiro público do governo”, finalizou Irajá.

Contratos controversos seguem ativos

Mesmo após os desdobramentos da operação, contratos com empresas ligadas a investigados continuam sendo prorrogados. A empresa Jorima Segurança Privada Ltda., de propriedade de Joseph Ribamar Madeira, um dos alvos da investigação, teve contratos renovados tanto pela Assembleia Legislativa do Tocantins (Aleto) quanto pelo governo estadual. O empresário, inclusive, foi preso, durante as investigações.

A Aleto prorrogou um contrato anual de R$4,46 milhões com a Jorima, enquanto o governo renovou um contrato de R$367,5 mil para prestação de serviços de vigilância. Ambas as renovações foram feitas sem nova licitação.

O que a Operação Fames-19 revelou

De acordo com a Polícia Federal, o esquema investigado teria ocorrido entre 2020 e 2021, durante o período mais crítico da pandemia. Empresas contratadas para fornecer cerca de 1,6 milhão de cestas básicas, com um custo estimado em quase R$5 milhões, teriam entregado apenas uma parte dos produtos, apesar de terem recebido integralmente os valores contratados.

A operação, autorizada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), apontou indícios de fraudes em processos de contratação emergencial, lavagem de dinheiro e formação de organização criminosa. A investigação é um desdobramento da Operação Phoenix, realizada em 2022, que já havia identificado irregularidades semelhantes na compra de cestas básicas.

No dia em que se contam três meses das investigações, outro dado preocupante, mostra que o Tocantins é um dos piores do Brasil no quesito transparência

Próximos passos

A Operação Fames-19 segue em andamento e ainda pode gerar novos desdobramentos. O Ministério Público Federal e a Polícia Federal continuam investigando a extensão do esquema, e novas medidas judiciais podem ser tomadas contra os envolvidos.

O que dizem os investigados:

Na época das investigações, diversos envolvidos mencionados na lista da Operação Fames-19 emitiram notas públicas sobre o caso. Seguem abaixo as declarações fornecidas por eles:

Nota do Governo do Tocantins

“O Governo do Estado Tocantins informa que colabora com a Polícia Federal no cumprimento dos mandados de busca e apreensão realizados na manhã desta quarta-feira, 21 (no mês de agosto), referente à Operação Fames-19, que investiga supostos desvios na compra de cestas básicas nos anos de 2020 a 2021. É do interesse do Governo do Estado que tais fatos sejam devidamente esclarecidos.”


Nota do Governador Wanderlei Barbosa

“Recebi com surpresa, porém com tranquilidade, a operação ocorrida nesta manhã de quarta-feira, sobretudo porque na época dos fatos era vice-governador e não era ordenador de nenhuma despesa relacionada ao programa de cestas básicas no período da pandemia. Como todos já sabem, a única alusão ao meu nome em toda essa investigação foi a participação num grupo de consórcio informal de R$5 mil com outras 11 pessoas, no qual uma delas era investigada. Ressalto que desejo uma apuração célere e imparcial dos fatos, pois estou confiante na minha inocência e na Justiça, estando sempre à disposição para colaborar com as investigações.”

Nota da primeira-dama Karynne Sotero

A Primeira-Dama e secretária extraordinária de Participações Sociais Karynne Sotero recebeu com espanto e perplexidade a notícia de que é alvo de busca e apreensão uma vez que não faz parte do processo investigatório e sequer é citada.

Esclarece ainda que não era sequer primeira-dama do estado à época dos fatos investigados. Ressalta que está tranquila em relação ao desenrolar da investigação e confiante na Justiça.


Nota do Sebrae Tocantins

“O Sebrae Tocantins esclarece que não está medindo esforços com intuito de apresentar todas as informações de forma transparente a respeito da Operação Fames-19. Importante destacar que no período investigado o atual superintendente, Rérison Antônio Castro, não fazia parte do corpo técnico do Sebrae.”


Nota de Rérison Castro

“Recebi com absoluto espanto a notícia que esta manhã fui alvo de um mandado de busca e apreensão em relação ao suposto desvio de cestas básicas. Na época eu era presidente da Agência Estadual de Metrologia e nunca tive qualquer relação com aquisição, licitação ou distribuição de cestas básicas. Assim como meu pai, o governador Wanderlei Barbosa, a minha única relação como qualquer pessoa citada neste processo é um consórcio informal de R$5.000,00 e que absolutamente nada tem a ver com o caso investigado. Sigo à disposição da Justiça e das autoridades para prestar quaisquer esclarecimentos sobre o assunto e permaneço confiante que a verdade virá à tona.”


Nota do deputado Léo Barbosa

“Sobre a operação da Polícia Federal desta quarta-feira, 21, informo que prestei todos os esclarecimentos necessários e sigo colaborando com as investigações. Nunca imaginei que uma modalidade de consórcio informal de R$5.000,00, do qual eu fazia parte com outras 11 pessoas, poderia gerar tamanho transtorno e embaraço jurídico. Já forneci à Justiça todos os elementos que demonstram a minha inocência. Tenho certeza que no transcorrer do processo isso ficará provado. Sigo confiante na Justiça e nas instituições democráticas e desempenhando normalmente o meu trabalho como deputado estadual mais votado do Tocantins.”