Nas margens dos rios Tocantins e Araguaia, famílias se reúnem para aproveitar a temporada de praia, que começa no mês de julho e se estende muitas vezes até setembro com barracas, redes, churrasqueiras e barcos de todos os tipos se espalhando pelas mais de 80 praias oficiais, e centenas de áreas não regularizadas, que atraem milhares de pessoas em busca de lazer

Mas por trás da alegria de meses tão aguardados pelo tocantinenses, existe um cenário preocupante: o Estado ocupa o quinto lugar no ranking nacional de mortes por afogamento.

Segundo o tenente-coronel do Corpo de Bombeiros Militar do Estado (CBMTO), Antônio Luiz Soares, especialista em salvamento aquático e mestre pela Universidade Federal do Tocantins (UFT), com um trabalho dedicado justamente ao tema: “Riscos de Incidentes Aquáticos nas Áreas Balneares do Estado do Tocantins’’,  o estado registra uma média de 67 mortes por afogamento por ano. 

O que torna as praias tocantinenses tão perigosas?

Não se trata de mar aberto, ondas gigantes ou ressacas. Aqui, o perigo são os rios largos, as correntes traiçoeiras, o comportamento de risco e a falta de equipamentos de segurança que criam um ambiente perigoso mesmo em águas aparentemente calmas e cristalinas.

O Corpo de Bombeiros elenca fatores de risco presentes nas praias locais, incluindo desde a presença de obstáculos como rochas, troncos e bombas d’água até o histórico de ataques de arraias e piranhas. Outro risco pouco lembrado, mas constante, é o aumento súbito de profundidade em áreas próximas à faixa demarcada para banho, também conhecidos como bancos ocultos de areia.

Além disso, outra característica particular do estado que aumenta os riscos são as famosas travessias com voadeiras.

“Temos praias que ficam em ilhas, acessíveis apenas por embarcação e o transporte é feito, muitas vezes, por barcos de borda baixa, com excesso de passageiros e sem coletes salva-vidas. Isso, somado à correnteza dos rios, resulta em uma média de 13 afogamentos fatais por naufrágios por ano”, explica o coronel Soares.

Voadeira para travessia que dá acesso à Ilha Canela, em Palmas – Foto: Tripadvisor

O coronel não usa o termo “praias mais perigosas”. Segundo ele, risco é diferente de perigo e o que determina o nível de risco é o que se faz para diminuí-lo.

“Devemos levar em consideração as implementações que os gestores fazem para mitigar esses riscos, como a contratação de guarda-vidas, demarcação de área de banho com profundidade máxima de 1,20 m, marcação de área de embarcações, alocação de placas com alertas e orientações na área principal da praia e nos acampamentos, isso reduz de forma significativa o risco de incidentes nessas praias.”

Mesmo assim, ele alerta: “Tanto é verdade que são raras as tragédias nessas praias regularizadas. Se desconsiderássemos essas implementações para a mitigação dos riscos, as praias com maior risco seriam as mais vultuosas.”

Ele cita algumas: “Temos como exemplos a Praia da Tartaruga em Peixe, a Praia da Raposa em Tupiratins, a Praia da Gaivota em Araguacema, Praia do Funil em Miracema, Praia da Ponta em Araguatins, a Praia de Araguanã, dentre outras praias grandes aqui no estado do Tocantins.”

Praia da Tartaruga, no município de Peixe – Foto: Governo do Tocantins

Entre os anos de 2019 e 2023, o Tocantins registrou 335 mortes por afogamento, segundo levantamento apresentado pelo tenente-coronel Antonio Luiz Soares, com base em dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), do Corpo de Bombeiros Militar do Tocantins (CBMTO) e da Secretaria de Estado da Saúde do Tocantins (SESTO). O município com maior número de óbitos foi Porto Nacional, com 29 casos, seguido por Palmas (24) e Araguaína (15).

Os perfis das vítimas: quem mais morre?

Com base nos dados do Boletim Mensal de Afogamentos Fatais no Tocantins – 2025, elaborado pelo Corpo de Bombeiros e pela Secretaria de Estado da Saúde 38 pessoas morreram por afogamento apenas no primeiro semestre deste ano.

Um dado que chama atenção é que o maior número de vítimas de afogamento no Tocantins são de adultos que sabiam nadar, mas estavam alcoolizados. Quase metade dos óbitos ocorre com esse perfil.

“Os índices mais elevados são de adultos alcoolizados que sabiam nadar. Chega a quase 50% dos casos”, afirma. Segundo ele, o efeito do álcool é tão nocivo quanto invisível. “No primeiro momento, uma pessoa alcoolizada fica mais eufórica e reduz sua capacidade de avaliar os riscos, superestimando sua competência aquática, tornando-se momentaneamente um banhista mais radical e com baixa percepção das hostilidades dos perigos do ambiente.”

O consumo de álcool aumenta o risco de afogamento porque compromete a coordenação motora, os reflexos e o equilíbrio.

Crianças, pessoas com epilepsia e transtornos mentais também requerem atenção especial. A recomendação é clara: “Devem sempre tomar banho em um local com profundidade segura e sempre acompanhadas por um responsável.”

Durante a transmissão ao vivo intitulada “Praias: beleza e lazer, perigos e precauções”, promovida pelo Grupo de Estudos e Pesquisas da Literatura Tocantinense (Geplit) da Universidade Estadual do Tocantins (Unitins), o Tenente-Coronel fez uma análise sobre essa problemática envolvendo álcool e praia: 

‘’Na Austrália, em algumas praias, é proibida a bebida alcoólica. Então, se fizermos uma análise de dados sem muito aprofundamento, poderíamos chegar à ideia de que ‘olha, a solução’. Já que  47% das que morrem estavam alcoolizadas, vamos proibir a bebida alcoólica na praia. A primeira coisa que iria acontecer é que o turismo no Estado iria colapsar. E aí, a quantidade de pessoas que morrem afogadas em praias oficiais, que tem uma segurança maior é de apenas 5%. Então, os dados nos mostram que, realmente, se tomássemos essa medida da proibição, não resolveria o problema e ainda colapsaria o turismo. O que a gente pode fazer com a praia é encontrar outras medidas, como investir mais na prevenção’’.

O custo do afogamento: quem paga a conta?

Um levantamento feito pela Sociedade Brasileira de Salvamento Aquático chama atenção: cada morte por afogamento custa, em média, R$ 210 mil ao país, valor que inclui principalmente despesas previdenciárias. No Tocantins, as 67 mortes anuais geram um impacto financeiro superior a R$ 14 milhões.

‘’Aí vem uma pergunta, né? Se nós gastamos 14 milhões por ano com as mortes por afogamento, quanto que nós estamos gastando com a prevenção? Já garanto que é bem menos do que esse valor.’’, diz o coronel.

Bombeiros localizam corpo de vítima de afogamento no Rio Araguaia – Foto: Divulgação

Norma técnica

Desde julho de 2022, a última atualização da Norma Técnica nº 34, elaborada pelo Corpo de Bombeiros do Tocantins está em vigor estabelecendo critérios rígidos de segurança para balneários públicos e privados. Para obter o alvará de funcionamento, as praias devem implantar sinalização visível, delimitar áreas de banho com profundidade máxima de 1,20m, reservar faixas exclusivas para navegação e manter guarda-vidas treinados durante toda a temporada.

No entanto, o próprio Corpo de Bombeiros reconhece a limitação: o esforço se concentra quase exclusivamente em julho, deixando os demais onze meses do ano com ações tímidas ou inexistentes. 

Com mais de 500 balneários espalhados pelo estado, é impossível cobrir tudo com os recursos disponíveis. A descentralização das ações, com envolvimento efetivo das Defesas Civis municipais, é vista como saída viável pelo coronel. 

Dicas do Corpo de Bombeiros podem salvar vidas – Foto: Governo do Tocantins

Fauna aquática

Além dos fatores humanos, a fauna aquática também representa um risco real. Em 2020, a Secretaria Estadual de Saúde registrou 511 incidentes com arraias no Tocantins e em cerca de 40% das praias oficiais, há histórico de casos envolvendo arraias e piranhas.

Vítima atacada por piranha em Palmas – Foto: Divulgação/Corpo de Bombeiros

Para minimizar esse risco, é recomendada a instalação de cercados com telas submersas e a retirada periódica desses animais com redes de pesca. Sem esse tipo de manejo, os ataques continuam frequentes, especialmente nas praias menos estruturadas.

Acidentes com arraias aumentam durante temporada de praias — Foto: Divulgação/Governo do Tocantins

O que fazer em caso de afogamento?

Parte dos afogamentos ocorre a poucos metros da margem, o que permite que pessoas próximas possam ajudar, desde que com segurança. A orientação do Corpo de Bombeiros é clara: nunca entre na água para tentar salvar alguém sem preparo. 

Uma opção  é lançar um objeto flutuante, como uma galhada, ou boia, conforme sugeriu o Tenente-Coronel durante a transmissão ao vivo da Unitins. O CBMTO também elaborou um flayer contendo orientações que podem salvar vidas: 

Fonte: Corpo de Bombeiros Millitar do Tocantins

A temporada de praias no Tocantins, marcada por beleza e diversão, esconde desafios que exigem responsabilidade e consciência coletiva. Prevenção, fiscalização e educação são caminhos apontados por especialistas como o tenente-coronel Antonio Luiz Soares para reduzir os altos índices de afogamento no estado. É preciso equilibrar o lazer com a segurança, investindo não apenas em infraestrutura, mas também na mudança de comportamento dos frequentadores.