Quilombola Grotão reivindica ponte, água, energia e escola preservada em Filadélfia
14 novembro 2025 às 15h13

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A Comunidade Quilombola Grotão, em Filadélfia, reconhecida como território quilombola e formada por famílias descendentes de pessoas escravizadas que fugiram do Maranhão, apresentou nesta terça e quarta-feira (12 e 13) uma série de demandas ao Ministério Público do Tocantins (MPTO). O objetivo foi mapear as necessidades da comunidade em áreas como infraestrutura, educação, saúde, assistência social e regularização fundiária.
As informações levantadas durante a visita irão compor um relatório estratégico para orientar a atuação da Promotoria de Justiça de Filadélfia. A ação foi solicitada pelo promotor de Justiça Pedro Jainer.
A visita foi conduzida por uma equipe multidisciplinar do Centro de Apoio Operacional do Consumidor, da Cidadania, dos Direitos Humanos e da Mulher (Caoccid) e do Centro de Apoio Operacional da Infância, Juventude e Educação (Caopije). Participaram o assistente social José Augusto e o geógrafo Bruno Carneiro, do Caoccid, e a especialista em Gestão Pública Ilana Gomes, do Caopije.
Para o levantamento das informações, a equipe realizou uma roda de conversa e entrevistas individuais, adotando uma escuta ativa que captasse não apenas dados formais, mas também narrativas e o impacto humano da ausência de serviços.
Para o assistente social José Augusto, a experiência no campo é essencial para ir além dos documentos e mapas. Ele explica que “você não consegue ter uma noção tão rica se você não sentir o cheiro, não sentir o gosto, se você não vir, não usar os seus sentidos ali”. Segundo ele, o contato direto revela a realidade para além dos papéis, mostrando que muitas vezes as pessoas possuem direitos sem sequer perceberem.
José Augusto destacou que estar no local permite à equipe sentir na pele as dificuldades. Ele citou que uma coisa é olhar um mapa e ver a distância entre dois pontos, bem diferente de “você pegar o carro e você passar naquelas estradas, sentir o solavanco do carro numa freada ou num buraco”.
Urgência da regularização fundiária
A regularização fundiária é um dos pontos mais críticos. A área de 2.400 hectares foi reconhecida como território quilombola, mas cerca de 2.000 hectares ainda estão ocupados por outros fazendeiros. O território total precisa ser desapropriado e indenizado para que o estado devolva a posse à comunidade.
O MPTO também avaliou o status da titulação no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), além das dificuldades enfrentadas com o Cadastro Ambiental Rural (CAR) e a necessidade de incorporar o Lote 183 às áreas de uso tradicional.
Atualmente, os quilombolas ocupam cerca de 400 hectares. O geógrafo Bruno Carneiro explica que o planejamento geoespacial realizado pelo MPTO revelou que a comunidade tem realocado as novas famílias em pontos estratégicos do território, formando um “cordão de monitoramento” próximo a rios e divisas, com o objetivo de proteger o território contra novas invasões.
Infraestrutura, educação e preservação da identidade
Os moradores solicitam a instalação de uma ponte sobre o Rio Gameleira para facilitar o acesso ao distrito de Bielândia, o que reduziria significativamente o trajeto diário. Apesar de uma ponte metálica já estar disponível no local há cerca de sete anos, ela nunca foi instalada, e a comunidade segue enfrentando dificuldades.
Em relação à educação, o Caopije concentrou-se na situação da Escola Municipal Criança Alegre. A especialista Ilana Gomes detalhou que a escola atende nove alunos do 1º ao 5º ano em uma única sala multisseriada. Embora apresente estrutura física adequada, usada pela comunidade para velórios, missas e festas, há necessidade de reparos pontuais, como troca de portas, forro do teto e instalação de cortinas. O MPTO também busca garantir atendimento adequado a alunos neurodivergentes.
A comunidade se preocupa com a ameaça de fechamento da escola. Ilana Gomes explicou que o motivo central da resistência é que “aquela escola conta a história deles”, sendo um espaço de preservação da identidade. Há temor de que, ao frequentarem a escola rural em Bielândia, as crianças percam essa conexão. A comunidade também reivindica a renomeação da escola para “Mãe Lunarda”, em homenagem a uma personalidade histórica do território.
Água, energia e saúde
Entre as demandas urgentes levantadas estão:
- Água e saneamento: preocupação com a qualidade da água do Rio João Ayres devido ao risco de contaminação por agrotóxicos, e necessidade de manutenção do poço artesiano;
- Energia: algumas famílias ainda não possuem energia elétrica; o MPTO também destacou a necessidade de manutenção das estradas de acesso e da ponte sobre o Rio Gameleira;
- Assistência social e saúde: demandas incluem atualização do CadÚnico, garantia de acesso ao Bolsa Família e regularidade das visitas dos agentes comunitários de Saúde.
O Caoccid realizou um levantamento detalhado utilizando geotecnologias, incluindo imagens de satélite e o aplicativo KoboToolbox, para coleta de dados georreferenciados mesmo offline.
Bruno Carneiro afirmou que o objetivo do MPTO é capacitar futuramente os jovens quilombolas para manter o mapeamento e a coleta de dados do território de forma autônoma, dando continuidade à cartografia social da comunidade.
Localizada entre 82 e 94 quilômetros da sede urbana de Filadélfia, a Comunidade Quilombola Grotão já enfrentou pressões fundiárias desde a década de 1970, incluindo um despejo judicial em 2008, que permitiu o retorno de apenas 5% do território original 60 dias depois. Desde 2022, uma nova decisão judicial devolveu 350 hectares à comunidade, que reocupou a área retomando suas roças tradicionais, especialmente de mandioca.
