O planeta ultrapassa uma fase crítica do aquecimento global, prestes a exceder o limite de 1,5 °C estabelecido no Acordo de Paris. Segundo o segundo Relatório Global sobre Pontos de Inflexão, divulgado nesta segunda-feira, 13, pela Universidade de Exeter e parceiros internacionais, o mundo enfrenta uma “nova realidade”: o primeiro de vários pontos de inflexão do sistema terrestre foi atingido, o que pode resultar em danos graves e duradouros caso não haja resposta imediata. O Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia) participou da elaboração do capítulo que analisa os efeitos do ponto de não retorno na Amazônia.

“O que mostramos no estudo de caso para a Amazônia é que sem ação imediata, os riscos em cascata podem gerar perdas irreversíveis para ecossistemas e comunidades, comprometendo a sustentabilidade regional e global. Mas reconhecer e fortalecer os territórios coletivos — onde a floresta ainda resiste — é o caminho para transformar pontos de inflexão negativos em forças de regeneração e justiça climática”, afirmou Patrícia Pinho, diretora adjunta de Pesquisa do Ipam e coautora do estudo.

Produzido por 160 cientistas de 87 instituições em 23 países, o relatório alerta que os recifes de corais de águas quentes, dos quais dependem quase um bilhão de pessoas e um quarto da vida marinha, já estão ultrapassando seu ponto de inflexão. O documento aponta uma mortalidade em larga escala e indica que, caso o aquecimento global não seja revertido, os grandes recifes podem desaparecer, restando apenas pequenos refúgios que devem ser protegidos.

O estudo reforça a necessidade de conter o aumento da temperatura global para evitar que novos pontos de inflexão sejam atingidos. Os cientistas destacam que “cada fração de grau e cada ano acima de 1,5 °C são relevantes”.

“Estamos nos aproximando rapidamente de vários pontos de inflexão do sistema terrestre que podem transformar nosso mundo, com consequências devastadoras para as pessoas e a natureza. Isso exige uma ação imediata e sem precedentes dos líderes da COP30 e dos formuladores de políticas em todo o mundo”, alertou o professor Tim Lenton, do Instituto de Sistemas Globais da Universidade de Exeter.

O relatório também observa que a natureza abrupta e irreversível dos pontos de inflexão representa um tipo distinto de ameaça em comparação a outros desafios ambientais. Segundo o texto, as políticas atuais não são adequadas para responder a esses riscos, e a ação global deve incluir a aceleração da redução de emissões e o aumento da remoção de carbono. Os impactos esperados desses processos devem ser incorporados às políticas de adaptação, avaliações de risco, mecanismos de perdas e danos e litígios relacionados a direitos humanos.

De acordo com Manjana Milkoreit, da Universidade de Oslo e uma das autoras, o pensamento político atual raramente considera os pontos de inflexão. “Os pontos de inflexão apresentam desafios de governança distintos em comparação com outros aspectos das mudanças climáticas ou do declínio ambiental, exigindo tanto inovações na governança quanto reformas das instituições existentes”, disse. “Prevenir pontos de não retorno requer medidas de mitigação antecipadas que minimizem o pico da temperatura global, a duração do período acima de 1,5 °C e o tempo de retorno abaixo de 1,5 °C. Abordagens sustentáveis de remoção de dióxido de carbono precisam ser rapidamente ampliadas para alcançar esse objetivo”.

COP30: pontos de virada positivos

O estudo também propõe ações voltadas a desencadear “pontos de inflexão positivos”, como a adoção de tecnologias verdes. Desde a publicação do primeiro relatório, há dois anos, os pesquisadores observam avanços em setores como energia solar e veículos elétricos.

Segundo o documento, esses pontos de inflexão positivos representam uma via viável para um futuro mais seguro e sustentável. Os autores informam que estão colaborando com a Presidência da COP30, no Brasil, para incluir o tema na agenda da cúpula climática.

“Precisamos fazer mais e agir mais rapidamente para aproveitar as oportunidades positivas dos pontos de virada. Ao fazer isso, podemos reduzir drasticamente as emissões de gases de efeito estufa e afastar o mundo de pontos de não retorno catastróficos, rumo a um futuro próspero e sustentável”, reforçou Tim Lenton.

Os pesquisadores trabalham com a Presidência da COP30 na criação da “Agenda de Ação”, plataforma que busca acelerar planos de transição climática e estimular mudanças em diferentes setores, como agricultura, energia, florestas e cidades, rumo a uma economia de baixo carbono e resiliente ao clima.

“Como parte de uma mobilização global contra as mudanças climáticas, nosso ‘Mutirão Global’, a Presidência da COP30 convidou líderes comunitários, acadêmicos e cientistas para explorar o melhor da ciência disponível e da sabedoria ancestral sobre como nossas instituições podem ganhar exponencialidade na implantação de soluções e versatilidade na resposta à crise climática, inclusive por meio de capacidades ágeis, iterativas e adaptativas. Acolho o Relatório Global Tipping Points como uma resposta positiva e oportuna ao nosso convite. O relatório é uma evidência esperançosa e sóbria de que a humanidade ainda pode optar por mudar e evoluir em direção a um futuro seguro, próspero e equitativo”, afirmou o embaixador André Corrêa do Lago, presidente da COP30 no Brasil.

Povos e comunidades tradicionais da Amazônia 

O relatório também chama atenção para os pontos de inflexão sociais negativos, como deslocamento, impactos à saúde e perda cultural, que acompanham as transformações ecológicas na Amazônia, principalmente entre povos indígenas e comunidades tradicionais. Esses riscos, segundo o estudo, ainda são pouco considerados nas políticas climáticas e se agravam em contextos de fragilidade na governança e ausência de garantias territoriais. Patrícia Pinho enfatiza que as soluções estão ligadas à própria floresta, mas dependem de ações concretas do Poder Público.

“Terras Indígenas e Unidades de Conservação demonstram alto potencial de mitigação climática, sendo fundamentais para manter estoques de carbono e evitar o colapso dos ecossistemas. Em contraste, as Florestas Públicas Não Destinadas concentram a maior parte das perdas de carbono por degradação, reflexo direto da fragilidade na governança e da insegurança fundiária”, alertou.

Impactos positivos

O relatório também apresenta avanços observados em pontos de inflexão positivos e destaca oportunidades de transformação em diferentes setores.

De acordo com o estudo, transições já ocorrem nas áreas de energia solar e eólica, adoção de veículos elétricos, armazenamento em baterias e bombas de calor. Essas mudanças podem ser aceleradas por meio de ação política coordenada em “pontos de superalavancagem”, capazes de gerar efeitos em cadeia nos setores de energia, transporte e aquecimento. Uma vez substituídas, as tecnologias poluentes tendem a não retornar, já que as alternativas sustentáveis são mais acessíveis e eficientes.

O texto também ressalta a mudança nas atitudes sociais: a preocupação com o clima cresce em escala global, e até mesmo grupos reduzidos podem influenciar a maioria.

Novos pontos de virada positivos estão se aproximando em setores como transporte de cargas. O Brasil, país-sede da COP30, tem potencial para se destacar na produção de aço, hidrogênio e amônia verdes, impulsionando tecnologias sustentáveis em escala mundial. Esses pontos de inflexão positivos também podem promover a recuperação da natureza e da biodiversidade, restaurar ecossistemas degradados e incentivar padrões de consumo e produção mais sustentáveis, contribuindo para eliminar o desmatamento e a conversão de ecossistemas.

O relatório aponta que é necessário identificar e estimular um número maior de pontos de inflexão positivos, com indicadores que permitam compreender seu potencial. Segundo o texto, governos, empresas, sociedade civil e cidadãos têm papel essencial nesse processo. “As pessoas compreendem a necessidade de mudança e apoiam a transição para um mundo mais limpo e saudável, desde que seja feita de forma justa”, destaca o documento. A Presidência da COP30 lançou o Mutirão Global, iniciativa voltada a mobilizar ações climáticas em escala mundial.

Estudos de caso

Entre os estudos de caso apresentados, o relatório destaca os impactos sobre os recifes de corais de águas quentes, que sofrem mortalidade sem precedentes por eventos recorrentes de branqueamento. Com o aquecimento atual em torno de 1,4 °C, os recifes já ultrapassam seu limite térmico estimado entre 1 °C e 1,5 °C. Mesmo estabilizando o aquecimento em 1,5 °C, é praticamente certo (probabilidade superior a 99%) que esses ecossistemas atinjam o ponto de inflexão. O documento ressalta que apenas fragmentos poderão ser preservados com medidas de conservação que reduzam a pesca excessiva e a poluição.

O estudo indica ainda que o aumento de temperatura capaz de causar o declínio da floresta amazônica é menor do que se estimava, situando-se em torno de 1,5 °C. A análise destaca que mais de cem milhões de pessoas dependem do bioma, mas que a governança local inclusiva, o reconhecimento do conhecimento tradicional e os investimentos em conservação e restauração podem fortalecer a resiliência socioambiental da região.

Outro ponto abordado é o risco de colapso da Circulação Meridional de Retorno do Atlântico (AMOC), caso o aquecimento global ultrapasse 2 °C. A interrupção desse sistema poderia causar invernos mais rigorosos na Europa Ocidental, alterar monções na África e na Índia e reduzir a produtividade agrícola em diversas regiões, afetando a segurança alimentar mundial.

“Somente com uma combinação de políticas decisivas e ações da sociedade civil o mundo poderá mudar sua trajetória de enfrentar riscos existenciais de pontos de inflexão do sistema terrestre para aproveitar oportunidades positivas de pontos de inflexão”, conclui Tim Lenton.