Nesta terça-feira, 17, uma semana após ter sido repatriado para o Brasil, em um avião da Força Aérea Brasileira (FAB), o pastor Francisco Bueno Júnior, de Araguaína, região norte do Tocantins, revelou as impressões e sentimentos que ainda permanecem em seu imaginário, depois de chegar de Israel, que passa por intensos conflitos armados contra o Hamas.

Repatriado no último dia 10 com mais quatro tocantinenses, o religioso estava em Israel desde o final de setembro, comandando uma caravana de 36 pessoas, que visitava o país, no momento em que começou os embates

Pastor Francisco Bueno Júnior durante o vôo de volta para o Brasil, vindo de Israel | Foto: arquivo pessoal

O pastor relatou que não teve medo de nada enquanto esteve em Israel, mesmo escutando todo o bombardeio, enquanto estava alojado em bunkers. “Eu não senti medo. Eu me senti extremamente responsável pelas vidas que estavam confiadas a mim. Então o sentimento de responsabilidade, de dever, o senso de proteção para trazê-las em segurança às suas famílias, aos seus territórios era o que estava na minha mente o tempo inteiro”, pontuou.

No Brasil, já em segurança, é que Bueno Júnior percebeu o quanto aquela tensão o marcou. “Coisas simples como um barulho que se assemelha a um avião, drone ou foguetes, por exemplo, me trazem uma apreensão. Coisas que não imaginava que me marcariam, me marcaram. Isso realmente pra mim foi surpreendente. Mas, também como psicólogo, eu já estou ressignificando isso e trabalhando terapeuticamente de maneira a superar todas essas marcas”, contou.

Segundo o pastor, quando chegou ao Brasil o primeiro sentimento foi de gratidão e satisfação por ter chegado. “Me impressionou o número de pessoas que estavam preocupadas com o nosso retorno. Milhares de pessoas as quais a gente nem imaginava que tinha tanto apreço pela nossa pessoa e se mostraram muito preocupadas. Então, o sentimento é de que a gente é muito amado. De que a gente é muito querido e isso tem um sentimento de gratidão muito muito grande”, disse.

Sobre a realidade dos brasileiros que ainda estão em Israel e na Faixa de Gaza aguardando a repatriação, o pastor afirmou que é muito heterogênea, pois depende da região em que a pessoa se encontra. “É muito difícil você considerar o estado dos que ficaram, dos que ainda estão por lá, porque depende muito da situação em que ele foi para Israel, se foi com caravana, se está morando, onde ele está”, comentou.

“Os que estão próximos à Faixa de Gaza, por exemplo, estão numa situação mais delicada. Porque para eles saírem de lá com segurança terão que ir para o Egito. Pra depois atravessarem a fronteira e irem pro Cairo. E aí a partir daí pegarem o voo para o Brasil. Essa é inclusive a recomendação que a Embaixada e a Força Aérea Brasileira estão dando aos que estão na região sul, exatamente por causa do conflito com o grupo Hezbollah e por Israel não ter aeroporto de grande porte nessa região. Então é uma situação bem tensa obviamente, e hoje é mais complicado essa repatriação. E fica então à mercê dos países vizinhos que possam ajudar”, lamentou.

Cenário

O professor Carlos Frederico Gama, do curso de relações internacionais da Universidade Federal do Tocantins (UFT), é doutor e mestre em Relações Internacionais pela PUC-Rio, com dois pós-doutorados na área. Foi também pesquisador visitante da Al Akhawayn University in Ifrane, no Marrocos. Ele comentou sobre o cenário desse conflito no Oriente Médio, que já conta com mais de 4.200 mortos e mais de 1 milhão de pessoas deslocadas.

Segundo Gama, a segurança de estrangeiros num país vítima de ataques armados é sempre algo frágil. “Depois do ataque do Hamas, Israel declarou estado de guerra. Fechou o espaço aéreo e os acessos por mar e terra. Então o acesso dos aviões da FAB teve que ser negociado com o governo de Israel”, explica.

O professor explicou que no caso dos brasileiros na Faixa de Gaza, a dificuldade é outra. “Israel mantém aquele território sitiado desde 2007. A única saída por terra é uma ponte rumo ao Egito que mantém a fronteira fechada. Os aeroportos e a infraestrutura em Gaza foram destruídos por bombardeios de Israel. Por isso que o governo brasileiro pediu autorização ao Egito para deixar o avião da FAB lá esperando os brasileiros atravessarem os 40km entre Gaza e aquele país. Não havia como fazer o resgate nessa situação. A comunidade internacional está dividida sobre o conflito”, completou.

Professor Carlos Frederico Gama: “conflito não tem previsão de acabar” | Foto: arquivo pessoal

Sobre as dimensões do conflito, o professor doutor reforçou que trata-se de um conflito antigo e de difícil resolução. “Não temos previsão de quando vai acabar. Parte acha que Israel bloqueia a criação de um estado para a nação palestina. Parte vê um ataque terrorista contra Israel. É difícil negociar nessas condições, quando as pessoas não veem a mesma situação. Dificulta a comunicação”, detalhou.

Questionado sobre se é do interesse das grandes potências evitar que o conflito entre Israel e Hamas escale para uma guerra maior na região, o professor lembrou que o mundo já tem lidado com a guerra da Rússia contra a Ucrânia. “Duas guerras ao mesmo tempo seria algo bem perigoso. Ainda assim, não é do interesse das grandes potências resolver o conflito. São muitas dimensões, um conflito antigo. Não depende apenas das potências. E elas também se beneficiam do conflito ao ganhar aliados e dependentes. Então a situação é de impasse. Tentar diminuir a tensão sem resolver o problema de fundo. Um meio termo”, comentou.

Gama afirmou ainda que a divisão na comunidade internacional cresceu com a invasão russa na Ucrânia, considerando que os Estados Unidos e União Europeia estão sustentando a resistência militar da Ucrânia e a Rússia por hora tem apoio do Irã. “Essas mesmas divisões são vistas no Oriente Médio. EUA e UE com Israel, Rússia e Irã com os palestinos (e o Irã financia o Hamas). Ao mesmo tempo, uma série de países emergentes não quiseram se posicionar na guerra da Ucrânia. E estão pressionados para fazer isso na Palestina. China e Brasil são cautelosos, por exemplo”, finalizou.