Histórias de Palmas contadas por seus moradores
20 maio 2024 às 08h33
COMPARTILHAR
Reunimos aqui três histórias de moradores de Palmas: José Filho, que veio pra capital tocantinense em 1991, para trabalhar em um banco e acabou sendo sequestrado. Idglan Bob Maia, que veio para Palmas nos anos 2000 e sua saga para conseguir uma kitnet para morar. Welcton Oliveira, que veio para cá na época da construção da cidade, com apenas dezesseis anos. Essas três histórias contam um pouco de como foi o começo de Palmas: as dificuldades e oportunidades de uma cidade em construção.
Um banco e dois relógios
José Filho veio para o Tocantins em 1990, aconselhado pelo irmão que já estava aqui. No ano seguinte ele foi contratado por um banco e veio morar em Palmas. Antes disso, percorreu diversas cidades do estado em busca de emprego: Pedro Afonso, Araguaína, Miracema.
“Em 1991, consegui um emprego em um banco e me mudei para Palmas. No começo, trabalhei no centro na cidade. Fui transferido para abrir uma agência bancária em Taquaralto, onde morei em uma quitinete por um ano e meio.”
Ele conta que trabalhava no banco e fazia trocas de moedas, inclusive para o Expresso Miracema (empresa de transporte municipal) e Caçulinha, o maior supermercado da época.
Nesse período, ele passou por três assaltos, um no centro e dois na nova agência, sendo que no último foi sequestrado.
Em outubro de 1997, a agência onde trabalhava foi alvo de um assalto durante o período de pagamento de salários. Quatro meses depois, os mesmos assaltantes voltaram e sequestraram José. Ele conta, que lembra que eram os mesmos assaltantes porque, no banco de trás do carro os assaltantes disseram:
“Baixinho, tu escapou daquela vez, mas dessa vez tu não escapa não!”
“Lembro-me bem do dia em que fui sequestrado. Eu estava entrando no meu carro quando fui abordado pelos assaltantes. Eles me agrediram, levaram-me para um local isolado e me deixaram algemado no meio do mato”.
Os assaltantes procuravam por dinheiro e chegaram a ameaçar sua vida. Felizmente, ele escapou da morte quando foi deixado algemado a uma árvore no mato.
“Consegui me soltar e caminhei até encontrar ajuda em uma fazenda. O caseiro me levou para a delegacia, onde fui recebido por muitos colegas e pela imprensa”.
José Filho disse que depois do sequestro ficou dias trancado dentro de casa, com medo de sair. A agência fechou pouco tempo depois, justamente por conta do número crescente de assaltos na região e José Filho decidiu se dedicar ao jornalismo.
Hoje, brincando, ele relembra que, após os primeiros assaltos em que seu relógio foi levado, o banco o reembolsou. Com o dinheiro, ele comprou outro relógio, exatamente da mesma marca e modelo. Ironicamente, os mesmos assaltantes voltaram e levaram o mesmo relógio.
“Eles me ressarciram. Eu comprei o mesmo relógio, da mesma marca e os caras roubaram meu relógio, desse dia em diante eu nunca mais usei relógio”.
Aluga-se cantineta
O texto a seguir conta a história de Idglan Bob Maia, servidor da Universidade Federal do Tocantins. O texto foi completamente narrado por ele mesmo, com pequenas modificações.
“Eram tempos difíceis, meados dos anos 2000. Todo forasteiro, filho de pobre, estudante de Humanas que se aventura na cidade de Palmas, tem praticamente a mesma sina: morar na casa de algum parente, geralmente uma tia chata, um tio cachaceiro ou até um irmão ou irmã casados com alguém que não vai gostar de você.
Também era possível morar na casa de algum conhecido que há pouco tempo também era um forasteiro e, com muita luta, comprou uma casa no Taquari, no final das Arnos, ou de uns tempos para cá, no eldorado chamado Luzimangues. Excluídas essas possibilidades, também era possível que o estudante forasteiro alugasse um quarto apertado, com um banheiro cuja porta estava bem na direção do fogão de duas bocas e da geladeira com a borracha danificada, ou da cama comprada em um pregão das Arnos ou da Quadra 122, próxima à Rodoviária.
Vim do Pará, em um ônibus Transbrasiliana sem ar-condicionado, vendendo o almoço para comprar a janta e trazendo na bagagem uma bicicleta Caloi de 21 velocidades. Meus primeiros cinco dias foram em uma pequena pousada próxima à rodoviária. Era o único lugar possível de se ficar por R$10 a diária até encontrar um inferno particular chamado kitnet. Montei na Caloi, levando três sacos de farinha de puba que meu pai fazia na roça, vendia na feira e mandava para mim.
Foram dias difíceis, abaixo de um sol que todos mentem, que só faz 40°C. Eu precisava urgentemente encontrar algum cafofo barato próximo da UFT. E nem era por causa do ônibus gratuito. Naquela época, nem se falava na linha 9. Era porque eu tinha de ir de bicicleta à noite para lá e o pior era a volta.
Cada plaquinha que eu encontrava com o nome de “aluga-se”, eu dizia:
— Bom dia, quanto é o aluguel?
— Bom dia, são R$200 com água inclusa.
— Obrigado. Estou procurando algo mais em conta.
— Boa tarde, quanto é o aluguel?
— Fica R$200 com água inclusa.
— Obrigado. Vou continuar procurando.
— A energia vem baratinho se você não colocar ar, mas tem que passar para o seu nome.
Eu fiquei imaginando quando poderia ter um ar-condicionado. — Obrigado.
Meio desolado, já pensando em desistir, encontrei um senhor de meia-idade pintando uma sala que não tinha cara de kitnet, mas com algumas adaptações, dava para viver bem.
— Boa tarde, essa salinha está para alugar?
— Sim, você pretende mexer com o quê?
Olhei o espaço, desconfiado, e disse: — Eu queria morar aqui.
— Não, meu filho. Aqui é uma sala só para escritório. Não tem pia para fazer comida, essas coisas. Não é para morar. Eu tenho várias cantinetas. Quer dar uma olhada?
Cantineta, era assim que seu João chamava. — Quanto é o aluguel?
— Olha, a cantineta mais barata é R$200, não paga água e a energia vem baratinho se não tiver ar.
— Seu moço, eu queria ver o valor desta aqui.
— Esta daqui não é só uma sala de escritório.
— Sim. Eu moro uns dias e depois monto o escritório.
Na verdade, eu estava interessado na localização, era o mais próximo da UFT possível.
— Olha, eu faço por R$180, mas não vou colocar pia porque é uma sala de escritório.
— Fechado. Já vou buscar minhas coisas.
— Não, ainda não dá para morar, estou pintando.
— Eu te ajudo a pintar e lavar. A gente termina antes das 2 da tarde e à noite eu já venho morar.
Seu João me olhou desconfiado e, antes que ele mudasse de ideia, já fui pegando o dinheiro, paguei, peguei uma lixa, ajudei a terminar o serviço. Peguei minhas bagagens no hotel próximo da rodoviária e já fui para morar na kitnet. Naquele dia, cheguei atrasado na universidade, bebi muita água gelada, trouxe um pouquinho em uma garrafa, porque daquele dia em diante, eu que já não tinha nem TV, nem fogão, agora também não tinha geladeira, nem cama.
Dormi ali por alguns dias, no papelão que seu João usava para não estragar a cerâmica da salinha.
Vinte anos se passaram e agora estou escrevendo este texto no meu próprio cafofo, cuja última prestação será paga em agosto deste ano. Viva as cantinetas da vida! Viva os R$200 com água inclusa e energia baratinha se não tiver ar-condicionado. E por falar nisso, deixa eu desligar o meu”.
O surgimento de uma capital
Hoje, Palmas, a capital do Tocantins, comemora 35 anos de fundação, e com ela surgem histórias que revelam a essência dessa cidade planejada. Entre essas narrativas está a de Welcton Oliveira, jornalista. Um morador de Taquaruçu, que compartilhou conosco suas memórias sobre os primeiros dias de Palmas.
Em 1989, aos dezesseis anos, Welcton vivia em Taquaruçu, na época apenas uma pequena comunidade sem grandes expectativas. “Naquela época, nossa perspectiva era que a cidade se tornasse algo grandioso. Eu tinha conseguido meu primeiro emprego em uma das duas mercearias locais,” relembra ele.
A fundação de Palmas foi um evento marcante. “No dia 20 de maio, meu tio apareceu com um caminhão três quartos e chamou meu pai: ‘Vamos ver essa história de cidade nova’. Subimos no caminhão e viemos para o local onde seria construída a nova cidade,” conta ele, destacando a curiosidade e ceticismo que o dominavam na época.
Welcton já conhecia a região que se tornaria Palmas, pois era um caminho frequente em suas viagens familiares. “Descíamos um quilômetro à frente da rodoviária e íamos até a beira do rio Tocantins, atravessando de canoa. Era uma viagem longa, especialmente com areia no meio da estrada,” descreve, lembrando a dificuldade do trajeto.
A chegada ao local foi surpreendente. “Foi assustador ver o movimento de construção, aviões pousando e helicópteros chegando. Para nós, que nunca tínhamos visto algo assim, foi uma novidade impressionante,” afirma ele.
No dia da primeira missa, celebrada pelo Dom Celso, Welcton e sua família estavam presentes. “Foi um marco. Voltamos para Taquaruçu com a sensação de que algo grande estava realmente acontecendo,” diz ele. Com o tempo, os reflexos dessa transformação começaram a ser sentidos no comércio local. “As pessoas vinham perguntar por produtos, e a cidade começou a crescer rapidamente.”
A expansão de Taquaralto é um exemplo claro desse crescimento. “Taquaralto era apenas uma vilazinha com poucas casas. De repente, estava repleta de construções por todos os lados,” recorda ele, impressionado com a rápida transformação.
Welcton também lembra como a criação de Palmas trouxe oportunidades inesperadas. “Quando a capital foi criada, surgiram escolas de ensino médio e até uma universidade. Eu fiz vestibular, passei e cursei jornalismo,” conta ele. “Antes, se quiséssemos continuar os estudos, teríamos que ir para Porto Nacional ou Goiânia.”
Ele destaca como a chegada de Palmas mudou a vida de muitas pessoas, inclusive a sua própria família. “Nós somos quatorze irmãos e, pelo menos dez de nós, hoje somos funcionários públicos graças aos concursos que surgiram com a nova capital. Isso mudou a nossa realidade,” afirma.
Welcton reflete sobre o impacto positivo que a criação de Palmas teve para os moradores de Taquaruçu. “Deixar de ser um pequeno município para se tornar parte da capital foi uma grande transformação. Hoje, temos acesso a educação de qualidade, saúde e oportunidades de lazer que antes eram inimagináveis,” diz ele com orgulho.
Finalizando, Welcton expressa sua gratidão e visão otimista para o futuro. “Palmas é uma realidade hoje. Tenho orgulho de dizer que ajudei a construir essa cidade. É um lugar próspero e cheio de potencial. Trinta e cinco anos é pouco para tanto progresso, mas é apenas o começo de um futuro brilhante,” conclui.
Essa história, entre tantas outras, ilustra como Palmas cresceu e se desenvolveu ao longo de três décadas e meia, se tornando uma capital vibrante e cheia de vida. E para quem viu tudo acontecer de perto, a sensação é de orgulho e realização. “Vimos Palmas nascer e crescer,” conclui Welcton, com emoção.
Leia também:
Palmas 35 anos: conheça os principais pontos turísticos da capital
Palmas comemora 35 anos com novos recomeços para quem escolhe permanecer
Palmas, a ‘Princesinha do Cerrado’ celebra 35 anos de progresso e cultura no coração do Brasil