Instituto deixa milhões sem prestação de contas em meio a cenário comum de quase 700 convênios pendentes no Tocantins
22 novembro 2025 às 08h05

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Carnaval em Palmas e em Gurupi, shows do I Rodeio Show de Combinado e a estrutura para o aniversário de Sucupira movimentaram quase R$ 1,5 milhão em convênios firmados no início de 2023 entre o governo do Tocantins e o Instituto Escola da Vida (CNPJ 16.915.749/0001-07). Novembro de 2025 chegou sem que o estado saiba como os recursos foram aplicados nesses quatro eventos: as prestações de contas continuam ausentes na plataforma oficial.
Os dados aparecem no Transfere.to e mostram que a situação não se restringe aos grandes eventos de 2023. O Instituto Escola da Vida firmou outros 17 convênios com o estado entre 2022 e 2023, todos registrados sem prestação de contas concluída. Pelo sistema, sete prestações foram devolvidas para ajustes, etapa que exige nova entrega pelo instituto, e outras dez aguardam análise técnica na Secretaria da Cultura.
No total, o Instituto recebeu R$ 4.283.179,80 por meio de 21 convênios, todos com vigências encerradas em 31/12/2022 ou 31/12/2023. À época das assinaturas, o responsável que aparecia nos termos era Bryan Benvindo Almeida Morais. O cadastro federal registra que, desde março de 2023, o presidente da entidade é Pablo Caldeira Gomes Monteiro.
Embora tenha como atividade principal “outras atividades de ensino”, o Instituto concentrou convênios para realização de shows, montagem de estruturas, temporadas de praia, festas municipais e produção audiovisual. A lista inclui eventos em Palmas, Gurupi, Pedro Afonso, Paraíso, Divinópolis, Itacajá, Sandolândia, Sucupira, Araguacema, Combinado, Paranã e outros municípios.
A partir de 2024, o instituto não aparece mais entre os conveniados do estado. As quatro prestações de contas em atraso impedem a celebração de novos instrumentos, já que a pendência documental trava a emissão de novos repasses. O status atual do Instituto no sistema é “irregular”.
Mesmo sem firmar novos convênios, o Instituto Escola da Vida mantém ligação com outra entidade que, a partir de 2024, passou a receber repasses do governo: o Instituto Visão.
Instituto Visão
Também sediado em Tocantínia e inscrito no CNPJ 10.015.713/0001-82, o Instituto Visão firmou 13 convênios entre 2024 e 2025, sendo 12 com a Secretaria do Turismo e um com a Secretaria da Mulher, somando R$ 2.170.052,96.
Entre os instrumentos assinados, apenas a prestação de contas referente ao evento do Dia das Mães de 2024, em Colméia, teve análise concluída. Os demais seguem em avaliação pelos órgãos concedentes.
O Instituto Visão é presidido por Pablo Pereira da Cruz e possui atividades declaradas semelhantes às do Instituto Escola da Vida: ações educacionais, pesquisa, assistência social, promoção cultural e organização de eventos. Operam na mesma cidade, atuam em áreas equivalentes e utilizam o mesmo número de telefone.
A ligação entre as duas entidades se tornou mais clara quando, na checagem em bases públicas, a reportagem identificou que o telefone cadastrado na Redesim para o Instituto Visão é o mesmo usado pelo Instituto Escola da Vida. Ao fazer contato, a reportagem foi atendida por uma pessoa que se identificou apenas como Pablo, que não respondeu pela falta de prestação de contas do Instituto Escola da Vida e nem se era o mesmo presidente do Instituto Visão.
Pendência milionária em diversos setores
O caso do Instituto Escola da Vida aparece dentro de um cenário mais amplo de atrasos ou ausência de prestações de contas no Tocantins. Entre 2020 e agosto de 2025, o estado acumulou 61 convênios classificados como “em atraso”, em um total de R$ 22 milhões já repassados e ainda sem comprovação de uso. Há pendências envolvendo prefeituras, associações, institutos, agências e federações.
Um dos casos é o da Prefeitura de Carmolândia, que aguarda liberação de novos recursos, mas não apresentou, desde 2022, a prestação referente a R$ 320 mil destinados à pavimentação urbana. O atual prefeito divulgou vídeo nas redes sociais com questionamentos ao antigo gestor sobre a documentação não localizada.
Passivo entre 2023 e 2025 revela acúmulo sistêmico
Ao analisar dados entre 2023 e 2025, o Jornal Opção Tocantins identificou pelo menos 688 convênios sem encerramento definitivo no Transfere.to, quem somam R$ 189,2 milhões. É o retrato do passivo de prestações de contas ainda sem desfecho.
A maior parte desse montante, 598 convênios, equivalentes a R$ 163,9 milhões, está registrada como “Prestação de Contas em Análise”, ou seja, a documentação chegou até a órgão concedente, mas aguarda checagem. A Secretaria do Turismo concentra 375 desses processos, seguida por Cultura (94), Esporte e Juventude (84), Saúde (14) e Fundação de Amparo à Pesquisa (11). Outras secretarias também possuem pendências em menor volume.
Outros 58 convênios, somados em torno R$ 18,5 milhões, estão classificados como “em andamento”, com documentação parcialmente entregue. Já 32 casos, R$ 6,7 milhões, ultrapassaram o prazo e aparecem como “em atraso”. Nesse filtro, a Secretaria de Juventude e Esporte lidera com 12 convênios, seguida por Cultura (6), Turismo (7), Agricultura (3) e processos isolados na Educação, Saúde, Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento Social e Polícia Militar.
Análise é atribuição dos órgãos concedentes
A Secretaria do Planejamento e Orçamento (Seplan), administradora do Transfere.to, confirmou a plataforma é atualizada diariamente de acordo com a renovação ou vencimento da documentação apresentada por municípios e instituições sem fins lucrativos, ou seja, quando alimentada com as informações de prestação o status é atualizado.
A pasta afirmou ainda que não cabe a Seplan analisar prestações de contas. A responsabilidade recai sobre as secretarias e entidades que concedem os recursos.
Segundo a pasta chefiada por Ronaldo Dimas, a demora pode ocorrer por três razões principais: documentação incompleta, devoluções para ajustes e acúmulo de demanda técnica. A Seplan reforça que a legislação estabelece prazo apenas para o convenente enviar a prestação; o estado não possui prazo legal para concluir a análise.
Esse cenário permite que entidades e prefeituras continuem aptas a firmar novos convênios mesmo com processos antigos pendentes, desde que tenham entregue a documentação no período determinado.
Um exemplo é o Instituto Palmas Brasil, que possui 21 convênios com prestações ainda não analisadas, totalizando R$ 3,03 milhões, todos com vigências encerradas entre o fim de 2023 e 2024. Apesar disso, a entidade assinou 11 novos convênios em 2025, que somam R$ 1.085.000. A entrega dentro do prazo mantém o instituto regular, embora a falta de análise impeça saber se houve aprovação ou necessidade de devolução.
Posicionamento
A reportagem procurou o governo do Tocantins para entender os motivos da demorar para análise nas prestações de contas e aguarda posição oficial.
