Na manhã de 17 de junho de 1975, Pedro Afonso seguia seu compasso pacato até que o barulho seco de um avião rompendo os céus mudou tudo. Um bimotor da Varig, modelo Avro HS-748, prefixo PP-VDN, tentou voltar ao aeroporto após decolar, mas não conseguiu. A tentativa de pouso terminou em desastre. A aeronave ultrapassou os limites da pista, atravessou uma rua e atingiu uma casa no encontro das ruas Constâncio Gomes e 26 de Julho. Quatro pessoas morreram, incluindo duas crianças. Meio século depois, o episódio ainda é ferida aberta na memória coletiva da cidade.

Nos anos 1970, Pedro Afonso ocupava posição de destaque na malha aérea do norte goiano, atual Tocantins. Desde 1936, fazia parte das rotas do Correio Aéreo Nacional, recebendo aeronaves de empresas como a Panair, Real Aerovias e Varig. O aeroporto, bem no meio da cidade, era símbolo de status.

“O aeroporto era o principal meio de transporte da cidade. Daqui se ia ao Rio, a Belém, era o ponto de conexão com o Brasil”, relembra o historiador Fabrício Rocha de Sousa.

Pedro Afonso tinha protagonismo na aviação da região

Tragédia em minutos

O voo RG-236 vinha de São Paulo rumo a Belém, com paradas previstas em Porto Nacional e Pedro Afonso. Após decolar do aeroporto local, algo saiu errado. A volta foi imediata, e fatal. O avião só tocou o solo nos últimos 300 metros da pista, já em velocidade acima do limite. Sem espaço para frear, atravessou a via e colidiu com a casa da família Moura.

Morreram no impacto Hawillsa (1 ano e 5 meses), Hawillson Moura Coelho (2 anos e 6 meses), a tia deles, Iraídes Emília de Moura (30 anos), e o copiloto da aeronave, Nilo Sérgio Lemos (29). O piloto sobreviveu com uma fratura; os demais tripulantes e 12 passageiros escaparam com vida.

“Ouvi aquele estrondo como se o mundo estivesse caindo”, relembra Maria do Socorro Sousa Moura, irmã de Iraídes e tia das crianças. “Não tive coragem de ir na hora. Quando cheguei, estava tudo destruído,” comenta.

O tempo congelou

O acidente virou marco definitivo. “Todo mundo lembra onde estava naquele dia”, diz Fabrício. “Foi o trauma mais lembrado da história de Pedro Afonso”, prossegue. O comerciante José Janner Pacheco, que testemunhou tudo, ainda relembra detalhes: “O avião desceu numa velocidade espantosa”, explica.

Luiz Cláudio Benício, então com 10 anos e hoje coronel da reserva da Polícia Militar do Tocantins, também não esquece. “Era um dia normal de escola. Quando cheguei, o avião estava dentro da casa. Nunca vou esquecer o desespero da filha da Dona Maria Emília descendo a rua descabelada. Foi devastador”, afirma.

Até hoje, existem dúvidas sobre o que realmente levou à colisão com a residência. “Dizem que o piloto tentou evitar atingir outras casas, mas a asa bateu num pé de amêndoa e ele perdeu o controle”, relata Luiz Cláudio. “Se não fosse isso, talvez tivesse atingido outras construções. Ou nenhuma”, indaga.

Fim da pista — e de uma era

A consequência mais imediata foi o fim das operações comerciais no centro urbano. “A pista foi desativada, o aeroporto transferido para longe”, diz Fabrício. A frequência de voos caiu, e a cidade deixou de ser referência no tráfego aéreo. O símbolo de modernidade virou lembrança amarga.

A casa destruída foi reconstruída, mas nenhum monumento marca o local da tragédia. “É como se a cidade tivesse apagado da paisagem algo que permanece na alma”, aponta o historiador.

Memória viva

Hoje, parte dessa história está preservada no Museu Histórico de Pedro Afonso, inaugurado em 2015. Um dos painéis trata justamente da queda do avião. “Tem um painel que mostra o acidente. As crianças se impressionam, fazem perguntas. É uma história que atravessa gerações”, diz Fabrício.

Mais que um acidente aéreo, aquele 17 de junho virou divisor de águas para a cidade. “A cidade pacata se viu no centro de uma dor coletiva. E o avião, que antes simbolizava progresso, virou um fantasma”, afirma Maria do Socorro.

Já Glória Lúcia Moura, hoje com 70 anos, que também perdeu a irmã e os dois sobrinhos.

Fomos marcados para sempre. Tudo que tínhamos, fotos, lembranças, ficou nos escombros

Voz do jornalismo local

“O acidente de 1975 não é apenas um marco trágico. Ele revela como uma cidade inteira foi atravessada pelo impacto da aviação e pela dor de uma perda coletiva”, avalia o jornalista Fred Alves, editor-chefe do Jornal Centro-Norte Notícias, que há décadas acompanha o tema. “Desde que comecei no jornalismo, essa história sempre esteve presente nas páginas do impresso e agora também no nosso site.

Não é apenas uma lembrança, é uma ferida histórica que ajudou a moldar a identidade de Pedro Afonso”, explica, lembrando ainda que o Centro-Norte Notícias mantém um acervo sobre o tema, tanto no site, quanto nas suas edições imprensas e disponibilizou parte do acervo para a pesquisa do Jornal Opção Tocantins.

Pedro Afonso já havia enfrentado enchentes, isolamento, conflitos locais. Mas nada como aquilo.