Desatino de uma mente inquieta

02 maio 2025 às 17h48

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Por Ives Marcelo Pinheiro Gonçalves
A não lucidez, como uma experiência da mente e da interioridade, teima em me acompanhar; alguns me julgam por isso, dizem: um boêmio dado a muito vinho, que procura desculpas para cometer infrações. De verdade, quisera eu que de fato estivessem certos; não que me agradaria desse meu comportamento, mas, ao menos, aproveitaria o momento.
Essa inquietação mental parece como as ondas revoltas do mar, que podem até se acalmar, mas nunca, nunca cessam! Ou será que melhor dizer como um dia com fortes tempestades, com raios e trovões, quedas de árvores, alagamentos, escuridão? No dia seguinte um silêncio ensurdecedor ao amanhecer e, por volta do mais depois, máquinas, caminhões, buzinas e muito falatório de homens na rua tentando amenizar o estrago que já fora feito.
Um dia tranquilo de paz que te deixa inquieto, achando que algo de ruim vai acontecer a qualquer momento, com você ou com um dos seus, o que é ainda pior. O dia passa, e você esperando uma notícia ruim, que não se concretiza; mas, ao final, você está esgotado, e a tal notícia ruim não veio – ah, graças a Deus!
À noite, ao deitar-se, novamente um silêncio que te incomoda, o som da geladeira trabalhando intensamente, grilos e corujas cantarolando – tudo isso e, apenas isso, é o suficiente para afugentar o sono.
Os conselhos daqueles que te amam é: relaxa, isso vai passar! Você apenas está fatigado de tanto trabalhar; tira umas férias e tudo ficará bem. Mal sabem eles que isso não vai passar – oh, pai, perdoa-lhes, pois não sabem o que dizem! Não sabem que você está transbordando o excesso de tudo que sempre se acumulou e, como um balde que nunca, mas nunca mesmo, jamais, se secará: continuará a transbordar.
Continuam eles: procure ajuda profissional, vá ao psiquiatra e, também ao psicólogo, mas tem que ser um psicólogo comportamental. Como os agradeço por tais conselhos! Mas o que eles não sabem é que já convivo com isso desde a infância, como se fosse algo genético, que eu trouxe comigo ao nascer. Terá sido desde sempre?
E sim, só agora entendo que aquilo que atribuía a uma timidez crônica, nada mais era do que inquietação introspectiva, com a qual teria que lutar por toda a vida. Se tenho momento de alegria na vida? Sim, muitos, mas são como as chuvas do caju em meio as longas estiagens, porque a inquietação teima em aparecer quando estou desprevenido, sem ao menos avisar. E nesse momento prefiro a solidão, do que a mais agradável companhia – por isso lhe peço perdão, porque o problema não é você, como companhia, mas minha alma desassossegada pouco receptiva a inter-relações.
Engraçado, parece-me um contrassenso este comportamento, pois sou amante, desde sempre, das relações humanas, inclusive grande apreciador da comunicação humana; mas, de fato, sempre gostei também de ser um observador das conversas alheias, talvez com a intenção de entender o comportamento humano e, suas inquietudes.
Nunca fui atrevido ao ponto de ser protagonista de alguma conversa, de seduzir para a conversa gratuita, fortuita, ou apresentação pomposa de trabalhos, pouco importa se barroco ou rococó linguageiro. Sempre gostei de estar nos bastidores; com isso talvez tenha perdido os bondes de oportunidades que se reservam aos aventureiros.
Será que a palavra que não vai, então ressentida, ressequida, se vinga cá por desatino? Atormenta a alma e espezinha a mente? Enquanto escrevo, não é lá fora a calmaria, é aqui, olha, aqui dentro!
Ives Marcelo Pinheiro Gonçalves é fonoaudiólogo e escritor. Mestre em Ensino em Ciências e Saúde. Autor de Sobreviventes, que em breve está disponível na Amazon.