Primitivo Contemporâneo*

Eu poderia começar este texto exaltando a forma quase indiferente, para não dizer fria, com que a capital do Tocantins trata o carnaval. Mas não. Hoje eu vou falar daquelas e daqueles que fazem arder a chama da folia em Palmas, mesmo sem financiamento público. Eu poderia falar também sobre as diversas iniciativas políticas, religiosas e até culturais que tentaram impedir esse e outros carnavais de acontecerem na cidade. Mas me nego! Vou falar das insistentes e resistentes, das que não aceitam o não e lutam pelo sim com alegria, diversidade, ritmo e organização. 

Eu poderia recordar que já chamaram a gente de “gueto, do gueto, do gueto” só por fazer um carnaval imenso em que uma multidão de pessoas que decidiram se divertir tomou a rua da cidade. Mas não! Hoje, vou falar do glitter, do glitter, do glitterrrr!!!. Vou falar da diversidade de todos os corpos, gêneros, desejos, orientações, beijos e lambidas diversas que coloriram as ruas opacas de Palmas nos últimos dias. 

Eu até poderia falar, se a minha amnésia carnavalesca deixasse, da surpresa de alguns amigos palmenses ao saberem que haveria carnaval, e que sim, haviam baterias ensaiando semanalmente, produtores organizando festas para bancar a folia, trabalhando duro e articulando diferentes frentes para que o carnaval acontecesse. Mas não falarei dessas pessoas surpreendidas, nem daqueles graciosos que em cima da hora desistiram de fazer acontecer a festa de Momo em seus salões. Hoje, nesse texto, juro que só falarei de sussambas e catiraxés e de pessoas que por amor e por convicção política (porque carnaval também é política sim!), fizeram o carnaval deste ano ferver a cidade em uma programação intensa de cinco dias, alternando festas fechadas com eventos gratuitos. 

Organizadas pela Fenty Ampla, um coletivo de blocos que luta pela dignidade e pela existência do carnaval na cidade, as festas aconteceram no Lanterna Lounge Bar, no Infinity Hall que recebeu a lendária festa (do agora bloco) “Na Doida”, no Bar do Torresmo e no hostel e bar Bee Cool. Deixo aqui o registro da satisfação de ter esses estabelecimentos ao lado daqueles que acreditam no carnaval, esperando claro que outros sigam esse exemplar compromisso com a garantia da diversão para quem quiser curtir. 

Agradeço e insisto que não vou falar do silêncio que tomou as ruas da cidade no feriadão, porque meu corpo está completamente tomado pelo barulho estridente do Meu Bloco e sua bateria Boto Fé Nesse Carna, que ecoaram ritmos pelas noites de ensaios nas terças e quintas de janeiro e fevereiro. Vou falar da criatividade cultural do povo tocantinense dos quilombos, das aldeias, dos quintais e dos terreiros que inventaram a Sussa e a Catira, ritmos inseridos no repertório da bateria pelo Mestre Márcio Belo, dos Tambores do Tocantins, que os remixou com os ritmos tradicionais do carnaval, como o samba carioca e o afoxé baiano. 

Foi essa riqueza cultural e uma força fenomenal que o bloco e a bateria desfilaram em apresentações diversas, desde o esquenta de carnaval no TK (novo espaço cultural da city, procure saber…), passando por uma incrível e estrondosa apresentação no Shopping Capim Dourado, até aquela sexta-feira chuvosa em que, em cima de um “balada bus” lotado de foliões animadíssimos, circulou pelos principais locais da noite de Palmas, convidando as pessoas para as festas que se seguiram naqueles dias e que só se encerrariam na terça, com o show das bandas Móia Cumbia e Tô Pagodeira, no Be Cool. 

Mas antes de chegar na terça, quero falar que o auge da folia, pelo menos da perspectiva desse folião que vos fala, aconteceu no domingo de carnaval, quando o destino foi caprichoso com os seguidores de Momo, criando um enorme drink coletivo em que na mesma coqueteleira estavam combinados toda a animação do carnaval com o primeiro Oscar brasileiro, com o filme “Ainda Estou Aqui”. 

E aqui, cabe um agradecimento especial ao coletivo da Fenty Ampla que despejou esse drink maravilhoso em uma taça perfeita, gratuita, com cerveja gelada e petiscos deliciosos a preços justos (salve Bar do Torresmo!) e música animada (salve Tô Pagodeira!), além de uma enorme estátua do Oscar e concurso de sósia da Fernanda Torres e, óbvio, uma multidão dançante e desejante. Tudo isso com direito a telão e a transmissão ao vivo da cerimônia e até nisso o destino conspirou a favor, pois as máquinas funcionaram perfeitamente, garantindo uma explosão de emoção quando a estatueta foi anunciada em um espetáculo muito melhor do que copa do mundo, porque nessa experiência o Brasil ganhou muito mais, voltou a sorrir e Palmas, talvez ainda sem saber totalmente, ganhou um carnaval para chamar de seu. 

Era sobre essas conquistas que eu queria falar e sobre as muitas outras que ainda virão, por que “a vida presta” e é muito melhor com glitter. 

Viva o Carnaval! E viva a luta pelo Carnaval!!!

* Também conhecido como André Demarchi, é tocador de caixa na bateria Boto Fé Nesse Carna e de tambor de congo na banda Móia Cumbia! Nas horas cheias é professor e nas vagas, um eterno folião.