Por Thiago Barbosa Soares


O que se pode dizer sobre a leitura hoje? Dizia-se muito sobre a leitura e sobre seu hábito, porém, isso quando a leitura, como uma prática capaz de interpretar, mediante a complexidade do uso da língua, era empregada em um sentido mais restrito, isto é, voltada ao livro ou pelo menos a materiais escritos. Somando-se a esse fator limitador, encontram-se a avalanche de produtos digitais capazes de dispersar a atenção e a própria desvalorização da leitura como um hábito a ser construído sob a pena da introspecção voluntária. Independentemente da classe social à qual o sujeito pertença, a leitura deveria ser considerada parte integrante de sua formação continuada e, sobretudo, uma forma necessária de aquisição de conhecimentos. Todavia, não se pretende aqui advogar por uma concepção tradicional de leitura, muito embora uma das interpretações deste artigo seja justamente essa, mas, sim, apresentar, mesmo que sinteticamente, uma correlação entre uma nova visão de leitura e um de seus eventuais perigos.

Se antes a leitura de textos era tida como decodificação, mesmo que esse processo já implicasse uma série de operações cognitivas, após o ingresso do construtivismo na compreensão pedagógica de ensino-aprendizagem, a concepção de leitura recebeu alto investimento teórico para tornar-se uma construção socio interacional. Nesse contexto, conforme aponta Libâneo (1989), as pedagogias que adotam essa concepção priorizam o processo de aquisição do conhecimento em detrimento do conhecimento em si. Saviani (1985) ao explicar que com o escolanovismo, iniciado na década de 1930, as escolas passaram de lugares sombrios para escolas coloridas, alegres, movimentadas e bem equipadas, também traz o germe da nova visão de leitura.

Segundo uma vertente da sociologia do conhecimento, tal tipo de projeto interpretativo do construtivismo escolanovismo é uma das manifestações da construção social da realidade, voltada à área educacional. É no interior da implantação dessa corrente pedagógica que a concepção de leitura ganha novas tonalidades para, desse modo, deixar de ser um ato solitário, isolado e difícil. Um exemplo de transformação do entendimento da leitura encontra-se nas ideias de Chartier (1999), que declara que o texto é socioconstrutivo, ou seja, o leitor deve dialogar com o texto percebendo as intenções que ali são trazidas para, a partir daí, construir significado. Desse mirante, leitor e texto, que pode ser qualquer objeto semiótico, precisam participar de uma mesma esfera de cultura, precisam dialogar sobre aquilo que se construam mutuamente. 

Outro ponto problemático sobre a nova acepção de leitura é a generalização da leitura como fenômeno exclusivamente social. Embora a leitura de fato ocorra em um contexto social e seja influenciada por fatores culturais, a ênfase na construção coletiva do significado pode minimizar aspectos individuais e técnicos do processo de leitura, como habilidades cognitivas específicas e o domínio de códigos linguísticos, uma vez que sem esses a leitura de textos escritos fica inviabilizada. Esse viés sociológico pode obscurecer a distinção entre leitura como prática cultural e leitura como competência técnica. Por fim, a nova concepção de leitura parece não considerar de forma crítica as implicações dessa ampliação conceitual. Se toda forma de interação simbólica pode ser classificada como leitura, a necessidade de métodos específicos para seu ensino e aprimoramento fica profundamente comprometida. Assim, o percurso apresentado, ao buscar incluir as múltiplas formas da nova noção de leitura, acaba por demonstrar a fragilidade de sua definição por tornar o conceito excessivamente difuso para aplicações pedagógicas e acadêmicas rigorosas.

Portanto, de acordo com o que foi dito, ainda que a concepção da leitura deva considerar os aspectos interacionais e sociais que a permeiam e a constituem, a experiência da leitura solitária mantém-se essencial, não apenas como um processo de decodificação, mas, sobretudo, como um exercício intelectual autônomo, que fortalece a capacidade crítica e reflexiva do sujeito leitor. Assim, a leitura ativa, logo, representa uma interação dinâmica entre texto e leitor, na qual este último assume um papel de coautor na produção de significados, reafirmando a indissociabilidade entre a construção social do hábito leitor e a vivência individual que o sustenta, porém, que se consolida na autonomia do sujeito leitor.

O conjunto de matérias recentes que afirmam, baseado em pesquisas, que a leitura é cada vez menor no país, em boa medida, parece dizer que a leitura, tal como preconizada por teóricos construtivistas, vem perdendo espaço ou, por outro lado, mais periclitante, quer dizer que mesmo diante de uma noção tão elástica de leitura, que pode ser um mero gesto interpretativo, sendo esse jamais isolado de suas condições de emergência, não se pode abarcar a vontade de ler do sujeito, quando essa não é devidamente premiada socialmente. Ora, por mais que se modele o entendimento da leitura, mesmo que seus meandros permitam tamanha disposição e novos arranjos argumentativos acerca de seu funcionamento fisiológico, subjetivo e interacional, ela precisa ser realizada a partir de certos critérios, de início, relativamente simples: o emprego do conhecimento da língua sobre o funcionamento de um determinado texto escrito.

Assim, ao se considerar a leitura como uma construção social, não se deve perder de vista que essa concepção não anula sua faceta autônoma e interiorizada. O que se percebe é que a crescente ênfase na leitura como uma prática mediada por interações sociais pode, paradoxalmente, ocultar ou relativizar sua dimensão solitária e reflexiva, na qual o sujeito se depara consigo mesmo e com a materialidade textual em um exercício de compreensão e elaboração pessoal do sentido. Dessa forma, como não é possível estabelecer, de maneira categórica, uma relação causal entre a concepção da leitura como um fenômeno essencialmente social e seu possível declínio no circuito coletivo brasileiro atual, o que se pode conjecturar é que um dos desafios da leitura reside justamente no equilíbrio entre esses dois polos: o interativo e o introspectivo.

Nesse direcionamento, é possível levantar a hipótese de que um dos riscos enfrentados pela leitura na contemporaneidade seja sua associação crescente com a necessidade de correlação, de compartilhamento e de validação do cenário externo, o que, paradoxalmente, pode comprometer sua permanência como experiência subjetiva e autônoma. Se a leitura insere-se em um circuito predominantemente interacional e sua legitimidade passa a depender da adesão a práticas de socialização, corre-se o risco de enfraquecer a percepção de sua relevância enquanto experiência individual, profunda e transformadora. Em outras palavras, é o que se deve dizer sobre a leitura hoje.


Referências
CHARTIER, Roger. A aventura do livro: do leitor ao navegador. Tradução. Carmello
Corrêa de Moraes. São Paulo: Editora UNESP/ Imprensa Oficial do Estado. 1999.
LIBÂNEO, José Carlos. Democratização da escola pública: a pedagogia crítico-social
dos conteúdos. São Paulo: Loyola, 1989. Versão online. Disponível em: <
https://docs.google.com/file/d/0B8jeXMvFHiD-c3FtRFRnd1lMN00/edit>. Acessado
em: 12 abr. 2025.
SAVIANI, Dermeval. Tendências e correntes da educação brasileira. In: MENOES, D.
T. (Org.). Filosofia da Educação Brasileira. 2. ed. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1985.