Como em poucas vezes ocorre – uma vez que a maioria dos deputados sempre defendem os mesmos propósitos por interesses comuns – um pitoresco debate foi travado no plenário da Assembleia Legislativa do Tocantins, durante a sessão ordinária de terça-feira, 23. Aprovado por unanimidade por duas Comissões, a de Finanças e a de Constituição, Justiça e Redação, o Projeto de Lei nº 18/2023, que dispunha sobre a vedação da concessão de benefícios fiscais às pessoas físicas ou jurídicas condenadas por corrupção ou ato de improbidade administrativa – de autoria do deputado estadual Professor Junior Geo (PSDB) – finalmente entrou na pauta de votação.

Inicialmente, o presidente da Casa Legislativa, Amélio Cayres (REPU), questionou se estava explícito no texto do projeto de lei que a regra só valeria para condenações com trânsito em julgado. A Mesa Diretora confirmou que sim, iniciando-se os debates. Contudo, por mais que o autor do projeto insistisse em demonstrar aos seus pares que apenas aqueles com decisões transitadas em seu desfavor, não teriam acesso aos benefícios fiscais, suas argumentações foram solenemente ignoradas.

Nilton Franco (REPU), Fabion Gomes (PL), Luciano Oliveira (PSD) – ex-gestores municipais de suas cidades, diga-se de passagem – como também, Ivory de Lira (PCdB), que pretende ser prefeito de Miracema a partir de 2025, proferiram discursos efusivos e contrários ao projeto. Alegaram em suma que, principalmente os gestores municipais, sofrem perseguições e abusos de poder por parte do Ministério Público e do poder judiciário. Pareceu mais, na verdade, defesas em causas próprias, a partir dos exemplos de supostas punições que foram citadas em plenário.

Proselitismo político em desfavor da sociedade

O que precisa ficar claro é que os parlamentares não foram eleitos para defenderem seus próprios interesses – em que pese terem direito de ter suas próprias convicções. Eles foram alçados aos cargos para proteger e defender os interesses da coletividade. Estava claro no texto do projeto de lei que os benefícios fiscais só não seriam concedidos àqueles que tivessem “decisões com trânsito em julgado” em seu desfavor. Ou seja, a regra não atingiria ninguém que ainda estivesse discutindo o tema ou se defendendo perante o judiciário.

Nesta linha de raciocínio, um princípio do direito poderia aqui ser aqui invocado: “ninguém pode se beneficiar da própria torpeza”, utilizado frequentemente pelos doutrinadores para explicar que, no direito brasileiro, é vedado fazer algo incorreto e/ou em desacordo com as normas legais e depois alegar tal conduta em proveito próprio. No presente caso, parecia mais fácil rejeitar o projeto e engavetá-lo do que – mesmo que hipoteticamente no futuro – enfrentar ou permitir que seus correligionários enfrentassem esse dispositivo de lei.

Foto: Talita Gregório

O deputado Professor Junior Geo, antes da votação, ainda tentou fazer seus pares enxergarem o óbvio, conclamando-os a lucidez: “São em cima das ações que nós fazemos, enquanto cidadãos, que nós somos julgados pela sociedade. Será que a votação que estamos promovendo agora, representa de fato, os interesses daqueles que nos elegeram?”, questionou. Contudo, como ocorre em quase todas as vezes que os próprios interesses estão em jogo, o fato é que a insana tese tomou corpo e se fez maioria em plenário. Ao ser colocado em votação, o projeto de lei foi rejeitado e remetido ao arquivo.

A quem interessa o arquivamento? E mais: porque as entidades de classe se omitem?

Caso fôssemos discutir a natureza jurídica e as consequências desse arquivamento, iríamos concluir facilmente que essa ação beneficia diretamente os infratores. Aqueles maus pagadores, corruptos ou administrativamente improbos no trato com a coisa pública, continuarão obtendo eventuais benefícios fiscais oferecidos pelo governo estadual – mesmo que tenham contra si – sentenças condenatórias sem possibilidade de recursos. Em contrapartida, os empresários que trazem propulsão e fazem investimentos no Estado acabarão não recebendo os incentivos fiscais, uma vez que os verdadeiros beneficiários – muitas vezes favorecidos pelo tráfico de influências – acabam sendo políticos ou ex-gestores condenados por improbidade.

Apesar do absurdo que se solidificou nessa sessão ordinária, as entidades representativas de classe dos empresários mantiveram-se inertes. Nenhuma delas se propôs a falar, discutir o tema ou serem vozes dissonantes nesse contexto. A bem da verdade, o fato é que questionar e debater dá trabalho e exige tempo.