O ego é um mal secular ou é necessário para a sobrevivência?

27 janeiro 2024 às 12h03

COMPARTILHAR
*Cynthia Pastor (editora do Jornal Opção Entorno)
Existem “adultos” que sofrem de um egoísmo latente e crônico, que se traduz muitas vezes em falta de responsabilidade com os outros, falta de maturidade, além de uma arrogância (que os protege) quase sem limites. Lidar com um adulto “egoico” significa dar de cara, sobretudo, com a falta de empatia. É um desafio para poucos, talvez, para domadores de leões, psicólogos, psiquiatras ou, até quem sabe, exorcistas!
O egoico sempre vai priorizar a sua agenda e suas opiniões em praticamente tudo: na vida pessoal e afetiva, na vida profissional, nas amizades, na família. Pirão? É sempre o dele primeiro e a decisão final também. Não é uma pessoa democrática, não é uma pessoa empática, não é uma pessoa com abordagem antropológica sobre os outros mundos e pessoas. Não é uma pessoa aberta ao diálogo colaborativo, mas, sim, uma espécie de “colonizador” que chega atirando suas prioridades e regras bem definidas em qualquer território que adentre.
E há os codependentes tolos (aquelas pessoas que topam desempenhar o papel de salvadores ou ajudadores dos egoicos) e que se sentem capazes de transformar os seres egoicos em gatos mansos e até mesmo idealizam uma relação perfeita com eles, sonham com ela, avessos à real impossibilidade de construir um castelo com areia movediça. Uma relação com um egoico é forjada numa estrutura em que o outro acaba submetido a abusos morais comuns no discurso e nas atitudes do egoico.
Em geral, o termo “egóico” carrega em sua essência uma conotação negativa. O ego um dia descrito por Sigmund Freud é frequentemente observado de fato como uma fonte resultante de problemas psicológicos, que vão da ansiedade à depressão e à baixa autoestima. Porém, Jacques Lacan, discípulo de Freud que discordava do “mestre” e que, a partir daí, desenvolveu sua própria teoria psicanalítica, explica que o inconsciente é estruturado como uma linguagem e, por isso, o egoico é resultado de uma estrutura alienada.
Como assim? Lacan descreve que, neste caso, a estrutura da pessoa egoica não é construída a partir da identificação com o outro, mas sim como algo que é imposto à criança por uma cultura, por uma sociedade ou por uma família. Ou seja, o comportamento do egoico é, sobretudo, resultado de uma estrutura psíquica que se forma a partir do desenvolvimento da criança e da sua relação com seu primeiro “Outro”, que geralmente é a mãe ou alguém que cumpra este papel. O que a criança leva para a vida são as normas e valores internalizados a partir dessa relação inicial para que se sinta segura e, a partir daí, formam-se os sintomas neuróticos.
Há que se observar ainda que existem dois pesos e duas medidas, ou seja, uma pessoa com um lado egoico muito fraco pode ser tímida demais e, talvez, tenha dificuldade em se afirmar, além de ser muito dependente de outras pessoas. Já um egoico master pode ser extremante ditador. Contudo, existem também aqueles egoicos que se comportam de acordo com situações, ou seja, aquela pessoa que pode ter um ego muito forte no trabalho, mas ser um gatinho manso e fraco em casa.
Lendo essa pequena tentativa de esclarecimento filosófico sobre o assunto que não tem nenhuma pretensão de caráter médico e apenas se baseia na diversificada literatura psicanalítica, você, leitor, talvez rememore pessoas e situações descritas neste script, ou até se “enxergue” em alguma “cena” citada. Mas saiba que, para explicar ainda melhor o ego, o pai da Psicanálise afirmou em seus tratados que os mecanismos de defesa existem conforme a organização do Ego e podem gerar reações mais conscientes e racionais. Mas aí já é outro assunto para outro papo!