Gedeon Pitaluga: “a OAB tem um compromisso social com os vulneráveis”

02 março 2025 às 08h41

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Gedeon Pitaluga preside a Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional Tocantins (OAB-TO) pela terceira vez. Com uma trajetória de defesa das prerrogativas da advocacia, foi fundador e presidente da Associação dos Advogados Tocantinenses (ATA) de 2006 a 2012 e atuou como Conselheiro Federal da Ordem entre 2012 e 2015.
Graduado em Direito pela Universidade Católica de Goiás (2001), construiu sua carreira profissional em Palmas, com serviços prestados no ramo do direito privado e corporativo. Atualmente, lidera o Escritório Gedeon Pitaluga S/S, que conta com uma equipe de advogados responsáveis pelos departamentos jurídicos de empresas e instituições no Estado.
Sua formação acadêmica inclui especializações em Direito Tributário pela Universidade Católica de Goiás (UCG), em Direito Processual Civil e Direito Civil pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), e em Direito Eleitoral pelo Centro Universitário de Brasília (CEUB).
Na entrevista desta semana, Gedeon Pitaluga falou ao Jornal Opção Tocantins sobre sua gestão à frente da OAB no Tocantins, destacando as prioridades do triênio 2025-2027, como a qualificação do ensino jurídico e a ampliação da atuação das comissões em todo o estado. Ele também abordou o impacto do aumento das custas judiciais, a importância da inclusão e representação feminina na OAB, e o papel da instituição na defesa das prerrogativas da advocacia e dos direitos fundamentais. Gedeon ressaltou o compromisso da Ordem em garantir o acesso à justiça e a defesa dos direitos da sociedade, destacando o trabalho contínuo da OAB para atender aos advogados e à população tocantinense.

Quais são as prioridades da nova gestão da OAB para o próximo triênio? Ontem tivemos algumas informações, mas gostaríamos de reforçar esses pontos.
Essa nova gestão se inicia mantendo os princípios e valores das duas administrações anteriores, como a defesa das prerrogativas da advocacia, a austeridade administrativa e a proximidade com advogados e advogadas em todo o estado. Contudo, temos uma nova perspectiva com prioridade na qualificação do ensino jurídico no Tocantins. Nosso compromisso é forte com a inovação e modernização, especialmente por meio da Escola Superior de Advocacia (ESA).
Atualmente, vivemos uma realidade marcada por novas tecnologias, inteligência artificial, criptomoedas e processos eletrônicos em um nível mais avançado. A advocacia precisa se adaptar a esse cenário pós-pandemia, e a OAB tem como prioridade capacitar os profissionais para essa nova realidade.
Como essa ampliação da qualificação funcionará para os municípios do interior? Sabemos que muitas atividades se concentram em Palmas, Araguaína e Gurupi. Como garantir que o interior também seja beneficiado?
Nosso objetivo é transformar a Escola Superior de Advocacia de forma disruptiva, ampliando sua estrutura e interiorizando suas atividades. Contamos com o apoio da Caixa de Assistência, que atuará em 15 subseções prioritárias e, pelo menos, em mais 10 comarcas que possuem um número significativo de advogados.
Com essa estrutura ampliada, queremos garantir qualificação jurídica em pelo menos 30 localidades entre subseções e comarcas do estado. Além disso, adotaremos uma abordagem telepresencial para levar cursos e capacitação a todos os 139 municípios do Tocantins, utilizando tecnologia e inovação para democratizar o acesso ao conhecimento.
E como a OAB tem defendido as prerrogativas dos advogados e fortalecido as condições de trabalho, especialmente para aqueles que estão iniciando na profissão? Vimos uma movimentação da Jovem Advocacia. O senhor poderia destacar esse ponto?
Nosso compromisso com a Jovem Advocacia é prioritário, tanto por uma questão de representação quanto por entender que a OAB tem a missão de apoiar aqueles que mais precisam. Temos desenvolvido projetos e iniciativas voltados para o fortalecimento das condições de trabalho dos advogados em início de carreira, garantindo que tenham suporte adequado para sua atuação profissional. Nossa gestão continuará atenta e comprometida com essa causa.

A Ordem tem um compromisso social com os vulneráveis, com aqueles que precisam de assistência jurídica gratuita e que, muitas vezes, têm dificuldade em ter voz. Esse compromisso se estende à Jovem Advocacia e aos advogados em situação de vulnerabilidade. A valorização e o apoio são aspectos fundamentais.
A atuação da OAB ocorre em diversas frentes, desde o acolhimento dos novos advogados no momento da inscrição. Na verdade, essa aproximação ocorre antes mesmo da inscrição, por meio de visitas às universidades e do projeto “OAB na Escola”. No dia do Exame de Ordem, por exemplo, eu pessoalmente, junto com os presidentes de subseções, comparecemos aos locais de prova para desejar sucesso aos candidatos e realizar esse acolhimento institucional. Nosso objetivo é estar presente em todas as etapas, desde a formação até o ingresso e permanência na profissão.
A OAB também tem um papel crucial na defesa do Estado Democrático de Direito no Tocantins. Não temos vinculação política ou partidária, o que garante nossa independência institucional. Mantemos um diálogo respeitoso com os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, mas sempre mantendo a autonomia necessária para fazer críticas quando necessário e reconhecer avanços quando pertinentes.
Um exemplo disso é a nossa posição contra o aumento das custas judiciais no Tocantins. A OAB foi a única instituição a se manifestar contra esse aumento, que impacta diretamente toda a sociedade, dificultando ou até impossibilitando o acesso à justiça, especialmente para a população de baixa renda.
O aumento das custas não apenas atualiza uma tabela defasada desde 2001, mas também altera a forma de cobrança. Antes, a taxa judiciária era cobrada no início e no final do processo. Agora, a cobrança ocorre em cada fase do processo, ignorando a natureza única do trâmite judicial. Isso gera um impacto financeiro significativo, restringindo o acesso à justiça e prejudicando especialmente aqueles que mais precisam do sistema judicial para garantir seus direitos.
Agora, há uma cobrança na inicial, depois no recurso, na impugnação, na execução e até mesmo em agravos e outros atos recursais, sendo aplicadas taxas em cada etapa do processo. O impacto é significativo. Um dos casos mais alarmantes é o de uma apelação, que antes tinha uma taxa fixa de R$ 96 e agora pode atingir um teto aproximado de mais de R$ 18.000.
Na prática, esse aumento não apenas onera, mas inviabiliza o acesso à justiça para muitos cidadãos, especialmente nas fases recursais. Trata-se de um mecanismo que exclui a classe média baixa e a população mais carente do sistema judicial tocantinense. Para a maioria dos tocantinenses, R$ 18.000 é um valor completamente inacessível.
Cerca de 90% da população do Tocantins não tem condições de arcar com esse valor. Em muitos municípios, esse percentual é ainda maior. É um montante exorbitante e incompreensível, que na prática impede qualquer possibilidade de acesso à justiça para grande parte da população.
Como a OAB está atuando para reverter essa situação?
Estamos atuando com firmeza e respeito, mas com uma posição muito clara. Ingressamos com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) no Supremo Tribunal Federal (STF). Solicitamos uma liminar devido à urgência da questão, já que a nova regra já está em vigor.
No ano passado, conseguimos suspender a entrada em vigor dessa legislação por mais de um ano, graças a uma forte mobilização da OAB junto ao Tribunal de Justiça, à Assembleia Legislativa e ao governador. Agora, estamos novamente manifestando nossa posição contrária e buscando alternativas legislativas para ajustar esses valores de forma mais justa.
Já tivemos um primeiro diálogo com a nova gestão do Tribunal de Justiça e estamos esperançosos de que possamos encontrar uma solução consensual ou, pelo menos, uma nova proposta que adeque essas custas ao contexto social e econômico do Tocantins.
Esses 60 dias desde o início do ano já impactaram o serviço da advocacia?
Com certeza. Já é possível perceber o impacto. Como se trata, especialmente, de cobranças e aumentos de custos em diferentes fases do processo, aqueles que iniciaram a ação ainda não têm plena consciência desse impacto. Porém, ao longo do processo, especialmente nas matérias relacionadas a recursos, o impacto se torna muito forte e perceptível para todos. Por exemplo, quem pagava uma apelação de até R$ 96 reais, agora terá que pagar uma quantia proporcional, que pode chegar a R$ 18 mil reais ou mais. Esse é um impacto significativo, que exclui muitas parcelas da sociedade do acesso à justiça, especialmente no que diz respeito ao sistema recursal judicial.
O discurso da vice-presidente Larissa Rosenda na posse da nova gestão foi muito emocionante. Gostaria que o senhor falasse sobre a importância de ter uma mulher negra na vice-presidência da OAB, um marco histórico.
A atuação de Larissa, e de Priscila Madruga, que a antecedeu como vice-presidente presidente da Ordem, é um reflexo desse momento histórico na OAB. Larissa traz valores muito importantes para a sociedade e para a Ordem, entre eles a representatividade feminina, que é fundamental dentro da nossa entidade. Neste momento, ela também agrega o valor da inclusão racial, algo essencial, promovendo a igualdade racial dentro da Ordem. Ela traz isso com competência, qualidade, sensibilidade política e institucional, o que nos honra muito. Considero esse momento histórico e vejo a representação de Larissa na Ordem como um divisor de águas na história da nossa instituição.
Além disso, temos um conselheiro quilombola, o Domingos, e a Larissa tem uma forte militância social. Ela é de Almas, na região Sudeste, e tem familiares quilombolas. Ela também tem mestrado nessa área, o que a torna uma pesquisadora da atuação social.
Como o senhor vê a importância dessa representatividade?
Larissa tem uma atuação marcante na militância social, sendo não apenas uma pesquisadora, mas também uma líder nessa área. Sua contribuição é muito relevante para a nossa Ordem, e sua representatividade sindical tem sido uma grande fonte de orgulho para todos nós. Sua presença fortalece a diversidade e a inclusão dentro da nossa instituição, o que é um avanço significativo para a OAB.
E também vimos muitas mulheres compondo as mesas e comissões da OAB. Como o senhor reforça a participação feminina na Ordem?
A OAB é uma instituição de vanguarda, que quebra paradigmas e reflete os anseios da sociedade. Isso é um princípio que nos guia. A Ordem é a única entidade dentro da estrutura democrática brasileira que garante 50% de representação para cada gênero, por determinação regulamentar. Não há outra instituição que reserve essa paridade entre os gêneros em sua representação. No Tocantins, mesmo antes dessa regulamentação, sempre tivemos uma forte presença feminina entre nossos dirigentes, pois a maioria dos advogados inscritos na OAB são mulheres. Portanto, nada mais justo que a maioria dos nossos representantes sejam mulheres advogadas.
Temos um grande compromisso com essa pauta. Ontem, por exemplo, lançamos, por meio da Escola Superior de Advocacia, uma pós-graduação em Direito da Mulher. Assim, teremos especialistas pós-graduados e advogados qualificados em Direito da Mulher no estado de Tocantins. Esse é um fato inédito na nossa instituição e em todo o sistema OAB, demonstrando o nosso compromisso com a representação feminina, algo que é uma realidade única no Tocantins.

Como a população em geral pode acessar as comissões e os serviços da OAB?
A OAB conta com quase 50 comissões temáticas, especializadas em diversas áreas e setores, com advogados e advogadas especialistas em várias disciplinas. Essas comissões estão disponíveis em todas as subseções do estado, nas 15 subseções, dentro de suas sedes. Cada uma delas possui um espaço destinado para as comissões temáticas atenderem a sociedade em geral. Além disso, disponibilizamos as ouvidorias. Atualmente, contamos com três ouvidorias: a ouvidoria geral, a ouvidoria da mulher, especializada no atendimento e acolhimento de demandas relacionadas às mulheres, e a ouvidoria jovem, que se dedica a atender as demandas da população jovem, uma parceria importante entre a advocacia e a sociedade.
O Tocantins foi incluído no mapa internacional de corrupção, principalmente devido a investigações no judiciário que afastaram alguns desembargadores e servidores públicos. Como a OAB tem atuado nesse contexto?
A OAB desempenha um papel fundamental em todas essas discussões, com uma atuação dupla. Primeiro, a OAB trabalha contra qualquer ato de ilegalidade, como corrupção, abuso de autoridade e criminalidade em geral. Por outro lado, temos um papel importante, que é garantir o direito de defesa, a presunção de inocência e o contraditório, princípios que são inerentes à nossa instituição. Não há como a OAB se posicionar de maneira contrária ao direito de defesa. O advogado é, por natureza, o defensor, e isso é a essência da nossa profissão. A OAB acompanha todas as investigações, que são de competência da polícia, e é essencial que a polícia cumpra seu papel. A Ordem acompanha com cautela e atenção todas as operações, sempre primando pela observância das garantias constitucionais, especialmente o direito de defesa de todos os investigados.
A OAB, como disse, tem uma atuação duplamente comprometida: de um lado, contra a ilegalidade e a criminalidade, especialmente a corrupção; de outro, é vigilante em relação a qualquer abuso de autoridade que possa ocorrer durante as investigações e ações das autoridades no estado do Tocantins.
Existe algo que o senhor gostaria de acrescentar, que eu não tenha perguntado?
O compromisso da OAB é sempre estar ao lado da sociedade, de maneira propositiva, apoiando cada advogado e advogada tocantinense em seus desafios, dificuldades e conquistas. Porém, sem nunca perder de vista nosso grande compromisso com a sociedade, na defesa da democracia e na promoção do bem-estar social. A OAB do Tocantins, como sempre tem feito nos últimos anos, estará ao lado de seus profissionais, sem deixar de lado o compromisso com a população. Estamos sempre de portas abertas, de forma acessível, oferecendo um trabalho voluntário realizado por todos nós, dirigentes da Ordem, com disposição e vontade de atender e servir a sociedade tocantinense.
Perfeito. Obrigada, presidente.
Obrigado. Sucesso para vocês. A imprensa tem um papel muito importante na conscientização, na orientação e nas discussões sociais e democráticas. Precisamos do apoio e da participação de todos. Contem sempre com a OAB, estamos à disposição para qualquer pauta.