Após a divulgação de vídeos que mostram sua atuação sendo interrompida em audiências da Comarca de Augustinópolis, a advogada Cássia Cayres decidiu tornar pública sua experiência profissional naquela unidade judicial. Em entrevista ao Jornal Opção Tocantins, a defensora afirma que a situação vai além de um episódio isolado e denuncia o que classifica como um padrão de desrespeito, silenciamento e misoginia praticado dentro da 2ª Vara da comarca, sob a condução do juiz Alan Ide Ribeiro da Silva.

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“Dói ter que admitir, mas está insustentável trabalhar na 2ª Vara da Comarca de Augustinópolis”, escreveu Cássia. “Não digo isso movida por vaidade ou capricho, mas pelo peso real de quem, diariamente, vê sua voz calada e seus direitos profissionais atropelados – apenas por ousar defender, com ética e firmeza, as garantias fundamentais de todo cidadão.”

Nos vídeos, o juiz impede perguntas da defesa e afirma: “quem manda aqui sou eu”. A reação da advogada, também gravada, registra: “O senhor sempre faz isso. O senhor não permite que a defesa faça as perguntas.”

Segundo Cássia, a postura do magistrado se repetiu em duas audiências criminais e em uma sessão do Tribunal do Júri, com condutas que, segundo a advogada, não apenas interromperam seu trabalho, mas o tornaram emocionalmente insustentável. “Cada audiência se transforma num teste psicológico. Nunca sabemos a que tipo de arroubo autoritário estaremos expostas.”

Ela afirma ainda que a situação atinge sua atuação e reflete um problema que tem afetado outras profissionais da região. “Hoje, lamento dizer, cada afronta como essa é também uma agressão a toda a advocacia, particularmente para nós, mulheres, que encaramos, além dos obstáculos normais da profissão, o desafio histórico de ter a palavra cortada e o espaço profissional diminuído.”

“O drama é contínuo”, diz. “A injustiça não é dirigida apenas contra minha pessoa, mas contra todas as advogadas e advogados que resistem, muitas vezes sozinhos, diante dos que confundem autoridade com autocracia.”

A advogada refuta ainda as insinuações feitas na audiência de que ela estaria “culpando a vítima” de um caso de violência doméstica. “Não defendo o crime, defendo direitos, inclusive o de questionar, investigar e buscar tudo o que for pertinente para garantir um julgamento justo”, afirma. “Quando calaram minha voz, calaram simbolicamente o direito de qualquer cidadão de, um dia, ser ouvido e defendido – inclusive você, leitor.”

Cássia relata que está em acompanhamento psicológico e que sua decisão de expor publicamente a situação foi motivada não por vaidade, mas pela necessidade de proteger colegas mais jovens que também se sentem intimidados. “Se algo me acontecer em virtude disso, que seja. Mas se servir para que meus colegas que estão com medo sejam respeitados, eu me coloco ao sacrifício.”

Ela também registra o impacto mais amplo da situação: advogados deixando a comarca ou mudando de área profissional, por não suportarem mais o ambiente. “Tem uns que abriram comércio, outros mudaram de profissão. O psicológico da gente fica extremamente abalado.”

“A toga não é manto de impunidade, nem escudo contra a responsabilização por condutas incompatíveis com a dignidade do cargo”, diz. “A verdadeira independência judicial se exerce com responsabilidade, equilíbrio e respeito – valores que parecem ter se perdido nos corredores da 2ª Vara da Comarca de Augustinópolis.”

Repercussão institucional

Diante da repercussão do caso, a Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional Tocantins (OAB/TO) confirmou, na quinta-feira (24), que acompanha o caso de perto. A entidade incluiu a denúncia na pauta da próxima reunião do Conselho Estadual, marcada para esta sexta-feira, 26 de abril, às 9h.

A OAB/TO também recebeu relatos de outros profissionais da região do Bico do Papagaio que relataram condutas semelhantes do magistrado.

Posições aguardadas

O Jornal Opção Tocantins procurou o Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins (TJTO), a advogada Cássia Cayres e a OAB Tocantins para comentar o caso. Até o fechamento desta reportagem, o TJTO ainda não havia se manifestado.