Especialistas refletem sobre impacto na aprendizagem após sanção da lei que proíbe uso de celulares na educação básica

15 janeiro 2025 às 09h45

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Nesta segunda-feira, 13, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sancionou o projeto de lei 104/15, que proíbe o uso de celulares em escolas da educação básica, desde a pré-escola até o ensino médio, exceto em situações pedagógicas ou para acessibilidade de estudantes com deficiência. O governo planeja que as novas regras sejam aplicadas já no início do próximo ano letivo, em fevereiro de 2025.
A nova lei já gerou amplo debate entre educadores, pais e especialistas em educação sobre os impactos dessa medida no ambiente escolar e na relação dos jovens com a tecnologia. “A aprovação dessa lei é um passo importante para garantir que as escolas priorizem a educação e a saúde mental dos nossos jovens, ao mesmo tempo em que oferecem ferramentas necessárias para um aprendizado mais focado e inclusivo”, disse o ministro da Educação Camilo Santana.
O Jornal Opção Tocantins conversou com a professora Elizabeth Oliveira, da rede estadual de educação básica, e com o pesquisador José Lauro Martins, doutor em Ciência da Educação pela Universidade do Minho (Portugal) e professor de jornalismo da Universidade Federal do Tocantins (UFT). Ambos trouxeram perspectivas distintas sobre a aplicação da medida e seus possíveis efeitos na aprendizagem e na dinâmica escolar.
A visão da professora em sala de aula
Com quase três décadas de experiência em sala de aula, Elizabeth Oliveira é categórica ao afirmar que a proibição do uso recreativo de celulares nas escolas é necessária. Para ela, o uso excessivo de smartphones nas mãos dos estudantes prejudicou habilidades essenciais, como a socialização, a concentração e até mesmo o desenvolvimento motor.
“Estamos vivendo um caos, porque não nos preparamos para essa transformação tecnológica. Perdemos a oportunidade de ensinar as novas gerações a usarem esse recurso de forma saudável e produtiva”, afirma a professora.
Segundo Elizabeth, a chegada do celular nas escolas, sem controle ou orientação, criou desafios para educadores, que precisaram lidar com alunos cada vez mais distraídos e, muitas vezes, dependentes das telas. “Como professora, vejo jovens mergulhados em jogos, redes sociais e até conteúdos inadequados, como pornografia. Isso precisa ser freado, porque estamos perdendo a conexão humana e muitas habilidades importantes”, completa.
A docente também acredita que a lei exigirá adaptações tanto por parte das famílias quanto das próprias escolas. “Os alunos terão que reaprender a socializar, a buscar outras atividades no recreio, algo que para minha geração era natural. Mas será um impacto forte, com muita resistência, e as escolas precisam estar preparadas para lidar com isso”.
O olhar do especialista
Para José Lauro Martins, pesquisador e professor da UFT, o debate sobre a proibição do celular vai além do simples “sim ou não” ao uso do aparelho. Ele ressalta que o problema está profundamente ligado ao modelo tradicional de ensino, que, segundo ele, não foi reformulado para integrar as novas tecnologias de forma eficiente.
“As escolas e os professores não mudaram. Nosso sistema educacional é o mesmo de antes do celular, e isso torna a tecnologia incompatível com o modelo atual. Para este tipo de aula tradicional, faz sentido proibir o celular, porque ele só interfere”, explica.
José Lauro acredita que a medida pode até melhorar o processo de aprendizagem no curto prazo, mas destaca que, a longo prazo, é essencial repensar o modelo pedagógico. “Precisamos focar na gestão da aprendizagem, e não na gestão do ensino. A tecnologia deve ser usada como ferramenta para personalizar e melhorar o aprendizado, mas o nosso sistema de ensino tradicional não permite isso”.
Ele também comentou que é importante discutir a diferença entre o uso puramente recreativo e um possível uso pedagógico do aparelho.
“Um ponto importante que não foi suficientemente debatido é a diferença entre o uso recreativo e o uso pedagógico do celular. A normatização atual não interfere no uso pedagógico, mas busca limitar o uso recreativo. Isso pode facilitar para o professor, que, de forma consciente e organizada, queira integrar o celular no seu plano pedagógico”.
Ele também aponta que a proibição pode trazer benefícios ao devolver ao professor o controle sobre as práticas pedagógicas. “O celular passou a ocupar o espaço da atenção dos alunos, muitas vezes sendo usado para atividades recreativas que atrapalham as aulas. Com a normatização, o professor pode utilizá-lo de forma planejada, apenas para fins pedagógicos”.
A experiência como mãe
Além de seu papel como professora, Elizabeth Oliveira também vive o desafio do uso de celulares em casa, como mãe. Ela compartilha como lida com a questão no dia a dia com sua filha, destacando a dificuldade de equilibrar o uso responsável da tecnologia.
“Eu sempre busquei ensinar minha filha a aproveitar a internet para ampliar o conhecimento, mas, mesmo assim, foge do nosso controle. De repente, você percebe que ela está consumindo algo que não é interessante. É um grande desafio, principalmente em períodos de férias, quando eles não conseguem se entreter com outras atividades, como brincar de bola ou jogos que faziam parte da nossa juventude”, desabafa.
Para Elizabeth, a palavra-chave é disciplina. Ela acredita que cabe aos pais e educadores ajudar os jovens a desenvolver uma relação saudável com a tecnologia, mesmo que isso signifique estabelecer limites rígidos. “Não gosto da palavra ‘proibir’. Prefiro ensinar e conscientizar sobre o uso responsável, mas, em muitos casos, é preciso impor limites para evitar o exagero”.
Com a lei sancionada, a implementação da medida promete mudar a dinâmica das escolas brasileiras, exigindo adaptações não apenas dos alunos, mas também de professores e famílias. Enquanto educadores como Elizabeth veem a proibição como um passo necessário, especialistas como José Lauro Martins ressaltam que o debate precisa ir além, apontando para a necessidade de uma reforma no modelo de ensino, que permita o uso consciente da tecnologia como aliada no aprendizado.