Falta de registros de homofobia pode distorcer dados sobre violência contra LGBTQIAPN+
18 agosto 2024 às 10h00
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Desde 2019 a homofobia é crime no Brasil, mas apenas em 2023 foi determinado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) que crimes de homofobia contra indivíduos sejam classificados como crimes de injúria racial, considerado um crime inafiançável. O termo “homofobia”, que era direcionado somente aos homossexuais, atualmente engloba crimes contra qualquer pessoa da comunidade LGBTQIAPN+, entretanto, uma grande dificuldade de catalogar esses crimes como tal é pela falta de estatísticas oficiais no país, pois embora crimes aconteçam com pessoas LGBT, geralmente são classificados com outras nomenclaturas, onde muitas vezes a orientação sexual da vítima é ignorada.
Localmente, existe um painel de monitoramento de incidência criminal no estado do Tocantins no site da Secretaria de Segurança Pública, que é atualizado diariamente, mas que também não constam registros envolvendo este grupo minoritário. Na plataforma Justiça em Números, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), por serem classificados judicialmente como racismo, também não existem registros de processos judiciais especificamente nominados como homofobia. Apesar disso, existem delegacias específicas para públicos vulneráveis no Tocantins.
O caso do cabeleireiro Wanderson Menezes, assassinado na última terça-feira, 13, em Porto Nacional, se enquadra neste limbo. Apesar do crime ser classificado como latrocínio, ou seja, roubo seguido de morte, a vítima era abertamente homossexual, fato que foi utilizado pelos criminosos ao abordá-lo, com o pretexto de um encontro marcado por redes sociais. Além disso, a forma como a vítima foi encontrada, com as partes íntimas decepadas, contribui com a hipótese de familiares e amigos da vítima de que a homofobia foi um fator determinante na execução do crime. A Secretaria Estadual de Segurança Pública (SSP-TO), no entanto, negou sumariamente a motivação homofóbica do caso.
Este não foi o primeiro caso de violência contra pessoas LGBTQIAPN+ no Tocantins. Recentemente, no último mês de junho, um jovem de 18 anos, também abertamente homossexual, foi assassinado a facadas no distrito de Buritirana, extremo sul de Palmas. De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, 214 pessoas pertencentes à comunidade foram assassinadas no Brasil no ano passado. No Tocantins, apenas um homicídio desta natureza foi registrado em 2023.
Estes números são obtidos pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública através das SSPs estaduais, embora nem todas forneçam estes dados, como é o caso dos estados do Acre e Rio de Janeiro, o que contribui para a margem de erro das estatísticas relacionadas ao assunto. Na falta de números oficiais de entidades governamentais, associações e organizações não-governamentais são quem trazem resultados mais concretos de homicídios e outros tipos de violência que utilizam da vulnerabilidade de pessoas LGBTQIAPN+ através de consultas de boletins de ocorrência.
População invisível
Para o advogado Landri Alves Carvalho Neto, presidente da Comissão De Diversidade Sexual da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) – Seccional Tocantins e Presidente da Comissão de Diversidade Sexual e de Gênero do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM-TO), a dificuldade em coletar dados oficiais acerca da violência contra a população LGBT ocorre porque, a priori e a princípio, ela não é tratada como deveria ser pelo poder público e pelas forças policiais.
“Não deveria haver dúvida entre um latrocínio e um assassinato, nem entre uma simples agressão física e um ato de homofobia. No entanto, ainda insistem em afirmar que o que é não é o que parece. Enquanto o Estado e as forças policiais não implementarem efetivamente uma política pública de promoção e proteção à comunidade LGBT, será necessário enfrentar muitos desafios e obstáculos para obter dados concretos e reais, em vez de fictícios. A homofobia no estado do Tocantins é, sim, presente e gritante, e ela mata, como aconteceu neste caso”, disse o jurista.