“Foi muito constrangedor e humilhante ouvir aquelas palavras e saber que todos estavam escutando e sabiam que eram direcionadas a mim.” O relato é da atleta Heitora Beatriz Freire Santos, jogadora trans que denunciou ter sido vítima de ofensas transfóbicas durante a partida entre AABB Palmas e Alpha de Formoso, válida pela Copa Matrix 2025, em Gurupi, na noite de sábado, 25. 

O susposto agressor, identificado como Giovani Fonseca de Miranda, advogado de 65 anos e marido de uma jogadora de uma das equipes participantes, foi preso em flagrante pela Polícia Civil após o término da partida. Segundo testemunhas, ele teria feito comentários transfóbicos e debochado do corpo da atleta ao longo do jogo, conduta enquadrada como crime de racismo (transfobia), previsto no artigo 20 da Lei nº 7.716/1989.

Heitora contou que, mesmo diante dos policiais, o homem continuou se referindo a ela com pronomes masculinos, sendo corrigido diversas vezes. “Foi muito humilhante. Ele insistiu em me desrespeitar o tempo todo, mesmo depois de ser advertido”, relatou.

A jogadora explicou ainda que havia outra atleta trans na equipe adversária, o que, para ela, reforça o caráter discriminatório do episódio. “No outro time também tinha uma mulher trans jogando, mas ele direcionou tudo a mim. Isso mostra que não foi uma dúvida sobre regulamento, foi transfobia mesmo”, afirmou.

Heitora também destacou que cumpre todas as exigências dos órgãos esportivos para atuar na categoria feminina. “Eu sigo as regras do Comitê Olímpico Internacional, da Federação Internacional de Vôlei e da Confederação Brasileira de Voleibol. Tenho tudo que é exigido para jogar no feminino. Questionar o corpo de uma mulher — cis, trans ou lésbica — é inaceitável.”

A atleta, que é mineira, disse que está retornando à sua cidade natal para ficar com a família após o episódio. “Não é a primeira vez que acontece, mas prometi a mim mesma que não deixaria mais essas situações passarem sem acionar meus direitos. Agradeço o apoio que tenho recebido”, disse.

Liberdade provisória e medidas cautelares

O caso foi registrado na Central de Atendimento da Polícia Civil de Gurupi, e o auto de prisão foi homologado pela juíza Keyla Suely Silva da Silva, plantonista do Tribunal de Justiça do Tocantins.

Na decisão, a magistrada reconheceu a legalidade da prisão em flagrante, mas seguiu o parecer do Ministério Público do Tocantins (MPTO) e concedeu liberdade provisória ao acusado, sob medidas cautelares. Entre elas, a proibição de frequentar qualquer evento esportivo no território nacional, de manter contato com a vítima e a obrigação de manter endereço atualizado e comparecer a todos os atos do processo.

A juíza considerou que, embora haja fortes indícios de autoria e materialidade do crime, não estavam presentes os requisitos para a prisão preventiva, como risco à ordem pública ou à investigação.

Organização não puniu equipe, afirma atleta

Heitora criticou a postura da organização da Copa Matrix, que, segundo ela, não aplicou punição à equipe da jogadora esposa do agressor. “A única medida foi impedir que ele voltasse a assistir aos jogos, mas isso já foi determinado pela Justiça. Não houve retratação nem por parte dele, nem da organização até agora”, afirmou.

A OAB Tocantins confirmou que o caso está sendo acompanhado pela Subseção de Gurupi, por meio do conselheiro suplente Massaru Coracine Okada, membro do Conselho Federal da Ordem. O alvará de soltura foi expedido às 14h10 deste domingo, 26, e o caso será encaminhado ao Tribunal de Ética da instituição para apuração.

Organização da Copa Matrix diz que não presenciou ofensas e afirma ter banido torcedor da competição

Ao Jornal Opção Tocantins, a organização da Copa Matrix 2025 informou que nenhum integrante da comissão ou da equipe de arbitragem presenciou as ofensas relatadas pela jogadora durante a partida.

Segundo o coordenador do evento, Mateus Silveira, o protocolo previsto para casos de discriminação, que orienta a interrupção imediata da partida e acionamento da polícia, não foi aplicado porque o fato não foi comunicado à arbitragem ou à organização durante o jogo.

“Nós não ouvimos as ofensas, a arbitragem também não, e a atleta não nos notificou durante a partida. Quando ela relatou o ocorrido na súmula, já após o fim do jogo, orientamos que registrasse boletim de ocorrência e nos colocamos à disposição para prestar apoio”, afirmou Silveira.

A organização informou ainda que, após o registro da ocorrência e a prisão em flagrante do advogado Giovani Fonseca de Miranda, o torcedor foi banido da competição, ficando proibido de acessar o ginásio ou assistir a qualquer partida da Copa Matrix 2025.

“Mesmo que ele não tivesse sido preso, já estava impedido de frequentar o evento. Essa foi a penalidade aplicada pela comissão organizadora”, explicou o coordenador.

Em relação à equipe envolvida, a AABB Palmas, o comitê disciplinar decidiu não aplicar punição, argumentando que o regulamento prevê sanções apenas a atletas, técnicos ou dirigentes, e não a torcedores.

“A situação relatada se trata de um torcedor; deste modo, a equipe participante AABB Palmas não sofrerá nenhuma punição. Já o torcedor não poderá assistir a nenhum jogo da Copa Matrix 2025”, diz o trecho da nota.

A organização afirmou ainda que pretende publicar uma manifestação pública de apoio à atleta e reforçar os protocolos de combate à discriminação em eventos futuros.