Problema das bets no Brasil: regulamentação expõe fragilidades econômicas e mentais

03 outubro 2024 às 08h35

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A crescente popularidade das apostas esportivas online, conhecidas como “bets” ou “Jogo do Tigrinho”, tem levantado discussões sobre seus impactos econômicos e sociais no Brasil. A regulamentação do setor, iniciada em 2023, trouxe benefícios financeiros para o governo, com a arrecadação de bilhões de reais que podem ser destinados a áreas como saúde, educação e segurança pública. Contudo, essa prática também apresenta riscos, como o aumento do endividamento das famílias, especialmente entre os mais vulneráveis, como os beneficiários do Bolsa Família.
Dados do Ministério da Fazenda mostraram que 5 milhões dos apostadores de bets são beneficiários do programa e já gastaram mais de R$3 bilhões nessas apostas. Fora isso, ainda existem os impactos sobre a saúde mental, com muitos apostadores desenvolvendo dependência patológica.
O Jornal Opção Tocantins fez duas entrevistas exclusivas para esmiuçar o assunto: um economista e uma psicóloga analisaram o crescente fenômeno das apostas esportivas. O economista explora o impacto financeiro e as promessas de dinheiro fácil que atraem apostadores, enquanto a psicóloga alerta para os riscos de vício e isolamento social associados a essa prática. Ambos destacam a importância de uma rede de apoio e da presença ativa dos pais no caso de jovens, enfatizando que, apesar das promessas de lucro, os riscos à saúde mental e financeira são evidentes.
O economista Francisco Viana, doutor em economia e professor do Instituto Federal do Tocantins (IFTO), que discutiu os possíveis impactos econômicos da regulamentação das apostas esportivas no Brasil. Embora ele reconheça que a regulamentação traz benefícios econômicos no curto prazo, como um aumento significativo na arrecadação tributária, Francisco alerta para os riscos que essas práticas podem trazer a longo prazo.

“O governo pode arrecadar bilhões de reais com a regulamentação das apostas esportivas, o que seria uma importante fonte de receita para o país. Para se ter uma ideia, em 2023, havia estimativas indicando que o governo poderia arrecadar bilhões com a regulamentação desse mercado. Essa receita é, sem dúvida, um benefício a curto prazo, podendo ser usada em áreas como saúde, educação ou segurança pública”, destacou o economista.
No entanto, ele também fez uma ressalva importante. “Essas apostas podem causar sérios impactos sociais, como o aumento do endividamento das famílias, principalmente as mais pobres, o que pode comprometer o consumo e ampliar as desigualdades. Portanto, embora a regulamentação tenha benefícios econômicos claros no curto prazo, os custos sociais e econômicos a longo prazo podem ser mais severos. Assim, o sucesso da regulamentação dependerá de políticas que mitiguem esses impactos, como limitação de apostas, programas de conscientização e suporte para tratamento de vício. Sem essas medidas, os contras podem superar os prós”.
O economista também falou sobre o projeto de lei, de relatoria do senador Irajá Abreu (PSD), que regulamenta cassinos e bingos no Brasil. Ele destacou os pontos positivos como o desenvolvimento do turismo, por exemplo. “A discussão sobre a regulamentação de cassinos e bingos no Brasil, levanta importantes questões sobre os benefícios econômicos versus os riscos sociais e econômicos. A regulamentação pode gerar benefícios como aumento de arrecadação, desenvolvimento do turismo e criação de empregos.”
Apesar disso, Francisco Viana destaca os possíveis custos sociais a longo prazo. “O vício em apostas pode se tornar um problema de saúde pública, gerando uma demanda maior por programas de saúde mental e assistência social”, alertou o economista, ressaltando a necessidade de se criar políticas públicas que ajudem a mitigar esses efeitos negativos.
Outros aspectos negativos da regulamentação podem incluir a lavagem de dinheiro e a concentração de riquezas que estabelecimentos como cassinos podem gerar.
“Há riscos significativos, como o aumento do vício em jogos, endividamento, efeitos negativos sobre as famílias e possível lavagem de dinheiro. Para que essa regulamentação seja vantajosa, seria essencial adotar políticas rigorosas de controle e prevenção, incluindo medidas contra criminalidade e apoio aos viciados em jogos, para minimizar os impactos sociais e econômicos negativos. Assim, do ponto de vista econômico e social, embora cassinos possam gerar receita e empregos, há o risco de que esses estabelecimentos se concentrem em regiões específicas, criando desigualdades regionais e beneficiando majoritariamente grandes grupos empresariais, enquanto pequenos negócios locais podem ser prejudicados”, apontou Francisco.
Em relação às medidas de mitigação, ele afirmou: “É importante que haja um controle rigoroso sobre as apostas, além de campanhas de conscientização e suporte para quem desenvolve o vício”. Segundo ele, apenas com essas medidas será possível equilibrar os benefícios econômicos da regulamentação com os potenciais riscos sociais.
Impactos mentais
A redação também conversou sobre esse assunto com a psicóloga Eulália Anne Rodrigues, especialista em Gestalt – Terapia, que abordou sobre as diversas nuances do vício em jogos e apostas, destacando a importância da autopercepção na identificação do comportamento. Segundo ela, “a autopercepção é algo construído a partir da experiência da pessoa, do que é você é do que é o outro”. Para Eulália, prestar atenção em si mesmo é fundamental, pois “se a pessoa tem dificuldades nessa atenção, provavelmente vai ser mais difícil identificar essa percepção de que está viciada ou não”.
Ela explica que o vício se caracteriza pelo prazer a curto prazo. “No início, você sente que está tendo uma recompensa muito rápida daquele comportamento”, destaca. A psicóloga enfatiza a importância do tempo dedicado e dos bens gastos nesta atividade. “Se você tem uma intensidade e uma frequência médias ou altas nessa atividade, pode ser considerado que você tem, sim, uma tendência ao vício em relação ao jogo, conhecido como patológico ou ludomania”.
A profissional também aponta que os viciados em jogos costumam priorizar essa atividade em detrimento de responsabilidades pessoais e profissionais, afirmando que “pessoas que priorizam esses jogos deixam de lado suas vivências pessoais e profissionais para estar nessa outra experiência”. Além disso, ela menciona o isolamento social como uma consequência comum desse comportamento. “Não tem como você ter tempo para jogar e manter uma interação social. É como se fosse uma escolha, e, mesmo que não seja consciente, esse isolamento social existe”.
Os impactos financeiros também são significativos. “Se forem jogos de aposta, há uma propensão para que os bens materiais sejam, cada vez mais, diminuídos, podendo até levar à falência”, alerta Eulália. Para ela, a psicologia reforça que “todo excesso é uma falta”, indicando que o vício pode ser um reflexo de necessidades não atendidas.
Outro ponto de destaque para a psicóloga é o cuidado que se deve ter com crianças e adolescentes e que é essencial que pais e responsáveis fiquem atentos. “Eles precisam estar ativos na convivência, pois, se a criança não tem interação e tem fácil acesso a dispositivos digitais, é provável que se interesse por esse tipo de atividade”. Ela observa que a população infantojuvenil ainda não têm total capacidade para entender plenamente seus processos mentais, emocionais e psicológicos.
Outro ponto que a psicóloga destaca é a influência das redes sociais. “Hoje, com o acesso facilitado, vemos uma divulgação constante de jogos e apostas. Muitas pessoas podem acreditar que aquilo é uma experiência de vida válida, quando, na verdade, é uma vivência momentânea e superficial.” Eulália alerta que a comparação, especialmente entre adolescentes, pode ser prejudicial: “É essencial que as famílias estejam presentes para que eles não confundam o que está sendo mostrado superficialmente nas redes sociais com uma realidade”.
A psicóloga conclui com uma mensagem de esperança e apoio: “A rede de apoio é de suma importância para as pessoas que estão viciadas. Essa rede não pode ser de julgamentos, mas sim de acolhimento. A terapia também é essencial para que a pessoa possa se conhecer dentro do vício e entender o que está faltando em sua vida.” Eulália acredita que “a terapia pode ajudar a olhar para todos esses aspectos e identificar o que precisa de mais atenção”, ressaltando que, como seres humanos, somos uma combinação de fatores sociais, culturais, biológicos e espirituais.