Em 22 de dezembro de 2024, a queda da Ponte Juscelino Kubitschek de Oliveira (Ponte JK), sobre o rio Tocantins, interrompeu de forma abrupta a ligação entre Aguiarnópolis (TO) e Estreito (MA), pela BR-226, rodovia federal estratégica para o fluxo de pessoas, mercadorias e insumos entre o Norte, o Nordeste e o Centro-Oeste do país.

A ponte, inaugurada em 1961, cedeu no vão central de maneira repentina. Veículos de passeio, caminhões de carga e motocicletas despencaram no rio. O colapso resultou em ao menos 14 mortes confirmadas, além de desaparecidos à época, e desencadeou uma das maiores tragédias envolvendo infraestrutura rodoviária da história recente da região.

Antes do desabamento, a Ponte JK já figurava em relatórios técnicos internos que indicavam deterioração estrutural avançada e necessidade de intervenções urgentes. Documentos associados ao Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) apontavam problemas como rachaduras no concreto, armaduras expostas, desgaste dos pilares e limitação da capacidade estrutural, agravados pelo tráfego intenso de veículos pesados ao longo dos anos.

Ponte com vão colapsado | Foto: carlosbrandaoma/X

Após a tragédia, o próprio DNIT reconheceu ao Ministério Público Federal (MPF) que a última inspeção realizada na ponte foi superficial, restrita à observação visual, sem a realização de testes técnicos aprofundados que poderiam ter indicado risco iminente de colapso.

Riscos ambientais e impactos prolongados na economia local

Além das perdas humanas, o desabamento provocou preocupação ambiental imediata. Caminhões que transportavam defensivos agrícolas e produtos químicos tiveram suas cargas lançadas no rio Tocantins, levantando suspeitas de contaminação da água, do leito do rio e da cadeia alimentar de comunidades ribeirinhas.

Do ponto de vista econômico, a interrupção da ponte atingiu em cheio a dinâmica regional. O fechamento da BR-226 gerou desvios extensos, encareceu o transporte de cargas e comprometeu a sobrevivência de setores inteiros, como comércio, serviços, construção civil, transporte e pesca artesanal. Para muitas famílias, os prejuízos se estenderam muito além dos primeiros meses após a tragédia.

Diante da ausência de respostas do poder público federal, seis associações da sociedade civil decidiram recorrer à Justiça. As entidades ingressaram com ação contra a União Federal e o DNIT, cobrando responsabilização por omissão, reparação dos danos e adoção de medidas emergenciais.

A representação jurídica dessas associações ficou a cargo do advogado Marlon Reis, que passou a atuar como porta-voz das demandas coletivas das comunidades afetadas. A ação foi inicialmente ajuizada na 2ª Vara Federal de Imperatriz (MA) e incluiu pedidos como a criação de um fundo de indenização às vítimas, assistência às famílias, apoio econômico às comunidades atingidas, mitigação dos danos ambientais e soluções provisórias enquanto a ponte não fosse reconstruída.

Advogado Marlon Reis | Foto: Divulgação

É a partir desse contexto de cobrança institucional, frustração acumulada e lentidão processual que Marlon Reis avalia o primeiro ano após a tragédia.

“Ao longo de todo o período, o quadro foi marcado por profunda morosidade e por uma demora injustificável no andamento dos processos, somada às omissões das autoridades públicas. O resultado é que chegamos a um marco de um ano ainda sem respostas adequadas do poder público. O drama social, a dor das famílias e a instabilidade econômica causada à população seguem sem enfrentamento concreto.”

Ao analisar a atuação do governo federal e do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) ao longo desse período, o advogado afirma:

“Na avaliação das entidades, o governo federal e o DNIT foram completamente omissos durante todo o período. Ignoraram o imenso drama social, a dor das famílias e os prejuízos sofridos por toda a população, afetada em sua estabilidade econômica em razão de grave ilicitude praticada pelas autoridades.”

Segundo Marlon Reis, os reflexos econômicos do desabamento permanecem visíveis um ano depois:

“Os prejuízos continuam muito evidentes, especialmente nos setores que dependem diretamente do fluxo de tráfego na rodovia, como postos de combustível, oficinas e hotéis. Mas o impacto econômico não ficou restrito a esses segmentos: atingiu a construção civil, o comércio em geral, a prestação de serviços e, na prática, todos os meios e setores da economia regional.”

No campo ambiental, ele destaca que os riscos identificados logo após a queda da ponte não foram devidamente enfrentados:

“Houve dispersão, no Rio Tocantins, de embalagens de veneno e de componentes tóxicos que atingiram o leito do rio, com potencial de contaminação e riscos relevantes para a sociedade e para o meio ambiente. Lamentavelmente, a omissão foi completa também no enfrentamento desses riscos.”

Carga de agrotóxicos no fundo do Rio | Foto: Divulgação

O advogado também contextualiza os entraves enfrentados no Judiciário:

“As ações judiciais não avançaram como deveriam, em razão de uma imensa demora do Poder Judiciário na definição do juízo competente. Apenas recentemente houve a definição de que o processo será decidido por um juiz federal da Seção Judiciária de Araguaína, Tocantins.”

As famílias das vítimas e a espera por justiça

Paralelamente à ação coletiva das associações, familiares das vítimas ingressaram com processos individuais na Justiça Federal. Essas ações são acompanhadas pelo advogado Matheus Pessoa, que representa diversas famílias atingidas diretamente pela tragédia, incluindo a de Giovanna Giuvanucci, que perdeu o filho de 10 anos e os ex-sogros, todos no mesmo veículo no momento do desabamento.

Antes de falar sobre o impacto emocional desses casos, o advogado explica o cenário jurídico que ainda mantém as ações sem desfecho.

“As Seções Judiciárias do Tocantins e do Maranhão entraram no que chamamos de ‘conflito negativo de competência’, ou seja, cada uma das Seções invoca que a outra é competente para julgamento da demanda. Em razão disso, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região, no Distrito Federal, decidirá por definitivo qual Seção Judiciária será competente. Até o presente momento, não apenas as famílias não receberam nenhum tipo de indenização ou compensação por parte do poder público, como sequer foram procuradas para acompanhamento médico e psicológico.”

Matheus detalha ainda as responsabilidades atribuídas nos processos:

“Atribui-se ao DNIT e à União uma responsabilidade solidária pelo desabamento da Ponte JK per si, além da omissão em não fiscalizar constantemente uma estrutura crítica que já apresentava sinais de colapso há anos.”

Entre as famílias atingidas, está Sabrina, que perdeu pai e mãe no desabamento da Ponte JK. Um ano depois, o luto ainda se manifesta nos pequenos gestos do cotidiano.

“Ainda acordo nos finais de semana querendo mandar mensagem pra minha mãe. Durante a semana ainda sinto falta de tirar alguma dúvida sobre carros com meu pai.”

Ela relata que, além da perda, enfrentou o silêncio do poder público:

“Eu nunca recebi nada. Nem quando retiraram o carro dos meus pais do rio nós fomos informados. Nunca chegou nenhum apoio psicológico.”

Caminhão sendo retirado do rio após queda da ponte | Foto: Divulgação

Ao falar sobre a responsabilização, Sabrina é direta:

“Estamos movendo processo contra o DNIT, porque no fim eles são os responsáveis diretos pelo que aconteceu.Que não caiam na conversinha de que a nova ponte foi construída em tempo recorde, porque ela nem deveria ter caído. Isso não foi uma tragédia natural, foi algo criminoso.”

Respostas parciais e investigações ainda sem conclusão

O Jornal Opção Tocantins entrou em contato com o DNIT , a PF e MPF, solicitando informações atualizadas sobre as providências adotadas desde o desabamento da Ponte Juscelino Kubitschek de Oliveira, ocorrido em 22 de dezembro de 2024.

Apenas o DNIT e a Polícia Federal responderam aos questionamentos. O MPF não encaminhou resposta até o fechamento desta edição.

No caso do DNIT, a autarquia limitou-se a informar que foi aberta, no âmbito da Corregedoria, uma Investigação Preliminar Sumária (IPS) para apurar as causas do desabamento e eventuais responsabilidades. Segundo o órgão, o procedimento segue em andamento, razão pela qual não seria possível antecipar conclusões.

O DNIT, contudo, não respondeu a uma série de questionamentos feitos pela reportagem, entre eles os que tratavam da eventual responsabilização administrativa de servidores, gestores ou empresas, do encaminhamento de informações a órgãos de controle ou ao Ministério Público, bem como das medidas adotadas para reparação de danos sociais e materiais, apoio às famílias das vítimas, indenizações ou ações institucionais de assistência às comunidades afetadas. Também não houve resposta objetiva sobre mecanismos permanentes de monitoramento e prevenção para evitar novos episódios semelhantes.

Sobre o aspecto ambiental, o DNIT reproduziu o conteúdo de uma nota conjunta da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) e do Ibama, segundo a qual as análises realizadas não indicaram alterações na qualidade da água do rio Tocantins nem impactos negativos à fauna local desde o acidente.

Já a Polícia Federal informou que o inquérito instaurado para apurar as causas e eventuais responsabilidades pelo colapso da ponte segue em andamento. De acordo com a corporação, as perícias de engenharia e ambiental já foram concluídas, mas não houve indiciamentos ou prisões até o momento, e não há previsão para o encerramento das investigações. Após a conclusão dos trabalhos, os autos serão encaminhados à Justiça Federal.

A nova ponte deve ser inaugurada na próxima segunda-feira, 22, com a presença de diversas autoridades políticas, com a vangloriação da obra em tempo recorde, com projeto modernizado e investimento federal. O tráfego fdeverárestabelecido e a logística regional começará a se reorganizar.

Mas para as famílias, associações e comunidades atingidas, a reconstrução física da ponte não encerra a tragédia. A queda da Ponte JK permanece como símbolo de negligência estrutural, falha institucional e ausência de reparação, e segue como um marco na cobrança por mudanças reais na gestão da infraestrutura pública brasileira.