No Tocantins, a empresa BRSET Produções e Eventos LTDA, especializada em serviços de organização de feiras, congressos e espetáculos circenses, registrou uma pesquisa eleitoral na cidade de Aparecida do Rio Negro nas eleições municipais deste ano, mesmo não tendo registro na Receita Federal para atuar na produção de sondagens. 

A situação reflete um cenário nacional, em que empresas de setores diversos, como papelaria, produtos químicos e até limpeza, estão realizando levantamentos eleitorais sem a devida regulamentação. Muitas dessas empresas, que se autodenominam como produtoras de pesquisas eleitorais, utilizam recursos próprios para financiar os estudos, os quais são registrados no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

De acordo com levantamento do Estadão, que consultou o cadastro de empresas na Receita Federal, 135 das 305 companhias que realizaram pesquisas pagas entre janeiro e o primeiro turno das eleições municipais não foram criadas com a finalidade principal de fazer pesquisas de opinião pública. Em 18 desses casos, nem mesmo as atividades secundárias dessas empresas estavam relacionadas à realização de sondagens eleitorais. Além disso, algumas dessas empresas sequer têm permissão para operar, pois possuem o CNPJ baixado junto à Receita Federal.

Essas companhias têm o poder de influenciar os rumos eleitorais de cidades em todo o Brasil, realizando pesquisas com a chancela do TSE, mas sem o devido controle de órgãos fiscalizadores. A prática das pesquisas autofinanciadas tem gerado desconfiança entre especialistas e entidades do setor, principalmente por dois motivos: primeiro, a falta de transparência quanto à origem dos recursos utilizados nas sondagens; segundo, a dúvida sobre a qualidade das pesquisas, o que pode ser aproveitado por candidatos para manipular a escolha dos eleitores. O TSE, procurado pelo Estadão, não se manifestou sobre o caso.

A legislação brasileira ainda não estabelece regras claras para a produção dessas pesquisas, o que agrava a falta de fiscalização sobre as empresas aptas a realizar levantamentos. O controle dessas pesquisas é, atualmente, responsabilidade de partidos, coligações, candidatos e Ministério Público Eleitoral, mas o Congresso Nacional está discutindo uma proposta de proibição das pesquisas autofinanciadas. No entanto, a fiscalização permanece ineficaz, com um processo burocrático e sem a implementação de um controle mais rigoroso.

Segundo dados do TSE, as empresas que realizaram as pesquisas autofinanciadas gastaram R$ 38 milhões de recursos próprios. João Meira, coordenador do Conselho de Opinião Pública e Pesquisas Eleitorais da Associação Brasileira de Empresas de Pesquisas (Abep), afirmou que, enquanto a legislação eleitoral não for alterada, as questões relacionadas às pesquisas autofinanciadas continuarão sendo tratadas de forma pontual, em nível local. “A legislação brasileira não estabelece critérios. Não existe aprovado. O papel do tribunal é apenas de um cartório. Ele apenas registra. Só há dois caminhos possíveis. Quem pode apelar, quem pode provocar o tribunal a respeitar essas questões, são partidos, coligações, Ministério Público e candidatos. O mais curioso é que, no Brasil, dado que essas pesquisas são para eleições municipais, invariavelmente, a esfera federal do Judiciário e do Ministério Público Eleitoral responde que isso é um problema local, municipal. É um escândalo nacional”, disse Meira.Ele também destacou que algumas dessas empresas, com histórico fora da área de pesquisas, usam nomes semelhantes a institutos consolidados no mercado, o que pode gerar confusão e prejudicar a credibilidade das sondagens eleitorais. O Instituto de Pesquisa Executiva (Ipex), que atua no Tocantins, é um exemplo: criado para atuar principalmente na impressão de materiais publicitários, mas com atividades secundárias que incluem a produção de pesquisas de mercado e opinião pública. Em 2020, a empresa registrou 106 pesquisas autofinanciadas, que somaram R$ 229,5 mil em custos, e foi alvo de questionamentos judiciais devido à suspeita de irregularidades (com informações do Estadão).