O Ministério Público Federal (MPF) instaurou um inquérito civil para apurar possíveis entraves impostos por autoridades do Tocantins às inspeções realizadas pelo Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT) em unidades de privação de liberdade do estado. A investigação, formalizada pela Portaria nº 17/GABPR3-AIM/PRTO e assinada pelo procurador Álvaro Lotufo Manzano em 5 de maio, tem como um dos focos principais a Unidade Penal de Cariri do Tocantins.

O inquérito mira a omissão no fornecimento de documentos e respostas a ofícios enviados pelo MNPCT e, segundo nota enviada ao Jornal Opção pela equipe do mecanismo, a apuração está centrada no “descaso” com as recomendações feitas após inspeções em 2023. Embora o Governo do Estado e a maioria das secretarias tenham respondido aos pedidos, com destaque positivo para a Secretaria de Saúde, a nota ressalta que muitas respostas foram genéricas, e nenhuma resposta foi dada pelo município de Cariri, por exemplo.

“Embora reconheçamos os avanços, como a criação do Mecanismo Estadual, as medidas adotadas ainda são insuficientes para garantir condições dignas aos custodiados”, disse o órgão.

Superlotação recorde e ‘triliches’

A situação dos presídios tocantinenses preocupa o MNPCT. Segundo dados atualizados da SENAPPEN, apresentado na nota, a população prisional do Tocantins quase dobrou entre 2016 e 2024: saltou de 1.975 para 3.860 pessoas presas. O mecanismo ressalta que o estado enfrenta sua maior taxa de encarceramento já registrada, agravada por reformas que adaptaram celas para camas em formato de triliches, onde os presos sequer conseguem se sentar, afirma a nota,descumprindo diretrizes nacionais de arquitetura penal.

Esses dados constam no Relatório Conjunto de 2023 elaborado pelo MNPCT em parceria com a Defensoria Pública do Estado (DPE/TO). A equipe alerta que muitos dos problemas identificados naquela missão persistem e que denúncias continuam chegando por parte de familiares de presos.

Sistema estadual

Entre as principais recomendações feitas ao Governo do Tocantins estava a criação do Sistema Estadual de Prevenção e Combate à Tortura, exigência prevista no Protocolo Facultativo da ONU contra a Tortura (OPCAT), ratificado pelo Brasil em 2007.

Em fevereiro de 2025, o governo publicou edital para a seleção pública de peritos que irão compor o Mecanismo Estadual, que terá prerrogativas semelhantes às do órgão nacional, como entrada irrestrita em qualquer local de privação de liberdade, sem aviso prévio.

A expectativa do MNPCT é que o Tocantins possa virar modelo nacional na criação de sistemas estaduais, mas pondera que o papel do Estado não pode ser apenas simbólico. “O reconhecimento formal não basta. É preciso garantir efetividade às recomendações e condições reais de dignidade nas unidades”, destaca o texto enviado à reportagem.

Inspeções continuam

O MNPCT tem mantido atuação constante no estado. Em novembro de 2024, a equipe retornou ao Tocantins para fiscalizar seis das nove unidades socioeducativas existentes, em parceria com a DPE/TO, OAB/TO e Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente. Os resultados dessa missão tem previsão de lançamento para agosto deste ano.

Governo do Estado

Procurado, o Governo do Tocantins, por meio da  Secretaria de Cidadania e Justiça do Tocantins (Seciju), informou que ainda não foi notificado oficialmente pelo MPF sobre o inquérito.