Tião Pinheiro: “a cultura é a bússola que nos orienta através dos mares do desconhecido”

15 setembro 2024 às 08h00

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José Sebastião Pinheiro, conhecido como Tião Pinheiro, é um jornalista e gestor cultural do Tocantins. Com uma carreira de mais de 46 anos no setor, Tião começou atuando na cobertura cultural do jornal O Popular e depois se tornou editor-chefe do Jornal do Tocantins, antes da criação do Estado em 1988.
Durante sua trajetória, trabalhou em várias áreas da comunicação, desde o jornalismo impresso até assessoria empresarial e política. Uma de suas principais experiências foi sua passagem pela Diretoria de Comunicação do Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins (TJ-TO). Em 2023, aceitou o convite do governador Wanderlei Barbosa (Repu) para assumir a Secretaria de Estado da Cultura do Tocantins, função que desempenha atualmente.
Tião Pinheiro também é escritor e músico. Lançou seis livros, incluindo Amorosamente, adotado em vestibulares da UFT e da UFNT. Seu quarto disco, Tempo Ao Tempo, inclui colaborações com músicos de Tocantins, Goiás, Paraná e de países como França e Argentina.
Na Secretaria de Cultura, Tião reconhece nesta entrevista ao Jornal Opção Tocantins, que o trabalho depende do apoio de governantes e bancadas em diferentes esferas, além de enfrentar desafios burocráticos. Ele vê sua atuação na pasta como parte de um processo de aprendizado e trabalho conjunto com outras esferas de governo.
Quais foram os maiores ganhos desde a recriação da Secretaria da Cultura, que saiu da Secretaria de Turismo para ser independente?
O estado do Tocantins viveu um hiato de gestão pública na área da Cultura por onze anos e meio. Em certos momentos, a Cultura era um apêndice da Educação; em outros, da Indústria e Comércio; e em outros, do Desenvolvimento Econômico. Por último, era uma Superintendência dentro da Secretaria de Turismo. Quando o governador Wanderlei Barbosa decidiu recriar a Secretaria, oficializou isso em 2 de março de 2023, com o objetivo de devolver a autonomia de gestão à Cultura e restituir o protagonismo dos fazedores de cultura do Tocantins, um estado riquíssimo em todas as manifestações artísticas e linguagens.
Os desafios são muitos, desde estruturar uma nova pasta até gerir esse momento extraordinário que a cultura está vivendo no Brasil. A recriação do Ministério da Cultura pelo presidente Lula, colocando uma artista, Margareth Menezes, à frente, reflete esse cenário, e no nível estadual o governador também recriou a Secretaria de Cultura. É um momento favorável. Como jornalista que acompanha a cultura há 46 anos, fiquei surpreso e extremamente feliz ao ver que nunca houve tanto investimento na cultura no país como hoje.
Sou jornalista e vou morrer jornalista. Ser secretário de cultura é uma função temporária, um grande desafio.
De início, assumimos a Secretaria com a [Lei] Paulo Gustavo (LPG) em andamento. Não tínhamos uma equipe formada, exceto por alguns remanescentes da divisão das Secretarias de Cultura e Turismo. Simultaneamente, estávamos gerindo a implementação da Paulo Gustavo, organizando equipamentos, espaços físicos e reunindo pessoal. A primeira medida foi prorrogar o prazo da Paulo Gustavo, conforme o Ministério havia feito. Realizamos as escutas possíveis, recebemos cartas, promovemos o Circula MinC, e embora pudéssemos ter feito mais, a falta de estrutura nos limitou. Mesmo assim, a grande satisfação foi ver o Ministério reconhecer que, apesar das dificuldades, o Tocantins está entre os quatro estados que melhor executaram a Lei Paulo Gustavo até o momento.
O Tocantins já havia sido destaque entre os quatro estados que apresentaram o plano de trabalho, tiveram-no aprovado e receberam os recursos. Apesar do início complicado e da falta de estrutura, conseguimos cumprir nossa missão em relação à Lei Paulo Gustavo, que já está com 99,75% de execução. Depois de aplicar os R$25 milhões da Paulo Gustavo no estado, chamamos 38 suplentes com a aplicação dos recursos da lei. Recebemos o dinheiro mais cedo, o que nos permitiu uma aplicação maior, com mais de R$2 milhões de rendimentos.
Após isso, passamos a trabalhar com a [Lei] Rouanet, promovendo capacitações e circulando convênios com o SESI Nacional por meio da Federação das Indústrias do Tocantins (Fieto). Antes, a Lei Rouanet era vista como uma lei para grandes artistas, mas o Ministério da Cultura criou o [Programa] Rouanet Norte, que, pela primeira vez, selecionou artistas da região Norte. Uma das grandes inovações foi garantir patrocinadores como Correios, Banco da Amazônia (Basa), Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil, algo que facilita o financiamento de projetos culturais.
A cultura é a bússola que nos orienta através dos mares do desconhecido.
O governo recriou não só a Secretaria de Cultura, como também criou a Secretaria da Mulher, a dos Povos Originários e a da Pesca, alinhando-se ao Governo Federal. Essa foi uma sacada muito inteligente do governador Wanderlei Barbosa, que facilitou a integração, evitando uma dicotomia. Esse tem sido o maior desafio que estamos enfrentando e ainda não superamos totalmente. Além disso, é necessário ouvir as pessoas, manter a interlocução com o Ministério e atuar em conjunto com o fórum nacional de secretários e dirigentes de cultura, que é muito atuante e dinâmico. Diversas ações resultam dessa interlocução entre o fórum, o Ministério e os governos estaduais e municipais.
A adesão à Lei Paulo Gustavo no Tocantins foi de 98%, com apenas dois municípios não participando, se não me engano, Terezinha e Santa Rita. Isso demonstra a importância dessa articulação, pois ninguém faz nada sozinho. A missão é desafiadora e, se você não realizar essas parcerias, simplesmente não conseguirá dar conta do recado.
Sobre a Política Nacional Aldir Blanc (PNAB), é importante lembrar que a Aldir Blanc I era emergencial. O setor artístico e cultural foi o primeiro a parar durante a pandemia. A Lei Aldir Blanc I foi criada para dar suporte financeiro aos artistas, que ficaram sem renda, sem poder fazer shows, lançar livros ou realizar outras atividades. Já a Lei Paulo Gustavo, que contou com um forte apoio tanto dos fazedores de cultura quanto do Congresso Nacional, incluindo nomes como Jandira Feghali e Benedita da Silva, representa uma transição entre a Aldir Blanc I e a PNAB. A PNAB, diferentemente da Aldir Blanc II, é uma política pública de caráter permanente, que visa criar ações e unir estados e municípios em torno de políticas culturais duradouras. Isso é exatamente o que propusemos ao governador Wanderlei Barbosa: deixar uma estrutura pronta para que o próximo governo tenha uma base sólida.

A Política Nacional tem duração de cinco anos, embora o fórum nacional já tenha formalizado um pedido ao Ministério para estender esse prazo para dez anos. Porém, cinco anos já estão garantidos, embora isso não signifique que a prorrogação será automática. São R$ 15 bilhões em cinco anos. A Lei Paulo Gustavo distribuiu R$ 3,8 bilhões para todo o país, enquanto a PNAB destinará R$ 15 bilhões ao longo desse período. O Tocantins receberá R$ 19 milhões, e complementamos esses recursos com o Fundo Estadual de Cultura, que estava parado há anos. Pela primeira vez, a gestão cultural do Tocantins, através da Secretaria da Cultura, desenvolveu um planejamento estratégico para o período de 2023 a 2026. Esse planejamento define o que fazer, como fazer, onde fazer, quando fazer e com quais recursos.
Pela primeira vez, todas as rubricas do Fundo Estadual de Cultura estão sendo utilizadas. Além dos R$ 19 milhões da PNAB, também adicionamos quase R$ 6 milhões do Fundo Estadual de Cultura para complementar os recursos da PNAB.
Esse fundo também está sendo usado para outras ações, como a compra de micro-ônibus, feiras e seminários que vão acontecer em breve. O curioso é que gestores anteriores, que agora criticam, não usaram esse fundo quando estavam no comando. Essa foi uma questão interna que me perguntei: por que essas pessoas não o utilizaram antes?
Realizamos esse planejamento estratégico na Superintendência de Fomento e Incentivo à Cultura, com a professora Kátia Maia coordenando o processo. Hoje sabemos que, embora haja passivos financeiros e administrativos do passado, estamos resolvendo todos eles, enfrentando os desafios.
No Tocantins, temos dois espaços culturais de responsabilidade do estado: o Memorial Coluna Prestes, que está em reforma, e o Palacinho, o primeiro museu da capital e antiga sede do governo estadual. O Palacinho está sob a gestão da Associação dos Amigos do Palacinho e enfrentava problemas jurídicos com uma obra anexa que estava em desacordo com a arquitetura do prédio tombado. Em vez de demolir o anexo, conseguimos, com o apoio do Ministério Público Estadual, da Ageto, da Casa Civil e do Conselho de Cultura, chegar a um acordo. O anexo foi preservado com a criação de um muro verde para reduzir o impacto arquitetônico, e agora está em conformidade, com a associação ainda gerindo o espaço.
Esse planejamento e a coordenação com as autoridades foram fundamentais para salvar o prédio e garantir que continue como um espaço cultural relevante no estado.
Na Secretaria de Cultura, estou enfrentando o maior desafio da minha vida. Já montei equipes e estruturei jornais, mas gerir a cultura é algo diferente.
[A casa branca na área do Palacinho] tem uma perspectiva de uso, que o governador chegou a prometer para a classe artística antes da recriação da Secretaria que ali fosse um ambiente cultural, a gente já fez várias sugestões e estudos, mas é um prédio da administração da Secretaria de Governo, não da Secretaria de Cultura, nós tentamos inclusive arrumar recursos federais para isso, mas tem impedimentos legais que estão sendo discutidos, e o governo está olhando para isso atentamente, para poder fazer uma coisa. Pouco espaço suficiente tem aqui no Tocantins, a PNAB, por ser política pública perene, tem dinheiro para a estrutura física, tem dinheiro para equipamentos, tem dinheiro para para prêmios, tem dinheiro para projetos culturais, é bem abrangente, e bem distribuídos no estado inteiro, a exemplo o que a gente fez na Paulo Gustavo, na Paulo Gustavo nós temos uma das maiores buscas ativas do país mais de 8.000 km rodados para atingir as comunidades indígenas e quilombolas, com tradições culturais, e culturas populares, então isso é muito interessante que nós fizemos uma busca campeã, nós pegamos o pessoal do interior, quilombolas, e acompanhamos desde a ter um edital, e a parte documental, porque teve gente, por exemplo, que fez tudo e morre na praia por falta de um documento, ou não assinou, esqueceu, mandou documento errado, e ficou seu dinheiro do recurso. Lá nós temos o cuidado de acompanhar esse pessoal das comunidades do começo ao fim, com vários projetos aprovados, nós temos ido em vários desses projetos sendo realizados, fui no lançamento do projeto Cine Xerente, em Tocantínia, e fiquei super emocionado, porque geralmente quem conta a história do indígena é o jornalista, é o antropólogo, é o historiador, o escritor, e ali no projeto, eram eles mesmo contando a história deles no celular, é muito emocionante.
Quatro anos parece pouco para tantas coisas que precisam ser feitas. Quais são as prioridades para a Cultura nesse período?
Nossa principal missão é estruturar o setor, que antes não tinha uma base sólida. A estrutura era mínima, e agora é preciso que a Secretaria tenha autonomia para gerir seus próprios recursos, buscar parcerias e devolver o protagonismo aos fazedores de cultura do Tocantins. Estamos avançando em várias frentes, cuidando do espaço físico e desenvolvendo um plano de equipamentos e veículos. Já recebemos doações do Ministério Público, computadores do Detran, da Secretaria de Educação, e do próprio governo.
Estamos em fase avançada para locação de veículos, e o artesanato tem se destacado, tanto nacional quanto internacionalmente. Recentemente, estive no 8º Salão de Artesanato em São Paulo, no Ibirapuera, e fiquei emocionado ao ver o sucesso do estande do Tocantins. No primeiro dia, o artesão Márcio Belo, do Pontão de Cultura de Porto Nacional, vendeu todos os seus produtos. No segundo dia, artesãos Karajá e Xerente também venderam tudo. Estamos exportando para países como China e Japão, e lojistas de São Paulo estão interessados em adquirir nossos produtos.
Graças a essa performance, o Programa de Artesanato Brasileiro (PAB), cuja coordenação estadual está aqui na Secretaria de Cultura, ampliou o espaço do Tocantins em feiras e salões de artesanato. Receberemos um kit do PAB, que inclui um caminhão, um carro pequeno, computador e impressora, facilitando a emissão da carteira do artesão, que é um documento importante para participação em eventos e até para fins de aposentadoria.
Além dos eventos, estamos realizando outras ações importantes, como o seminário de arquivos documentais, que resultou em um edital voltado para acervos e arquivos, dentro da PNAB. No dia 30 de outubro, teremos um seminário de livro e leitura, com a participação do Ministério da Cultura, bibliotecas, academias e escolas do Tocantins. O diretor do MinC nessa área, Fabiano Piúba, estará presente.
De 29 de novembro a 1 de dezembro, realizaremos uma grande feira de negócios de artesanato em Palmas, juntamente com um seminário de economia criativa. Também faremos o vernissage do salão de artes plásticas do Tocantins, com a participação de artistas regionais, músicos, além de palestras, seminários e oficinas. São muitas ações sendo realizadas, e estamos felizes com os resultados. Apesar das dificuldades iniciais, com muito suor e esforço, começamos a ver os frutos do nosso trabalho, o que nos deixa bastante satisfeitos.

Falando da robustez das produções de quem participa dos editais: como o senhor avalia os resultados dessas produções, seja no audiovisual, na literatura, entre outros?
Na Lei Paulo Gustavo, por exemplo, a maior parte dos recursos foi destinada ao audiovisual. Dos R$ 3,8 bilhões, a maior parte veio do Fundo Nacional do Audiovisual, o que é justo, pois há uma produção significativa. Tem muito conteúdo sendo produzido, e embora não seja possível acompanhar tudo, eu estive em diversos eventos de lançamento de livros e curtas-metragens, em lugares como Porto Nacional, Fátima, Tocantínia e até mesmo aqui na capital. É interessante ver o quanto a cultura está em movimento. Muita gente tem uma visão equivocada sobre a cultura, achando que é algo apenas para sonhadores, mas isso está longe da verdade.
Um estudo recente do Itaú Cultural, que está sendo atualizado, mostra números que comprovam a força da economia criativa. Para quem acha que cultura não dá retorno, está enganado. A economia criativa no Brasil representa 3,11% do PIB nacional, superando até o PIB da indústria automobilística, que é de 2,5%. No Tocantins, um estado jovem que completará 36 anos, a renda média do trabalhador da economia criativa é de R$ 3,6 mil. Para efeito de comparação, na Bahia, que tem uma forte tradição cultural, essa renda é de R$ 2,5 mil. Isso mostra o quanto a cultura é pujante.
Nosso artesanato, por exemplo, teve um desempenho notável no 8º Salão de Artesanato em São Paulo, com vendas que totalizaram R$ 335 mil, quase três vezes o valor alcançado na 1ª edição em Brasília. O artesanato tocantinense vai além do Capim Dourado do Jalapão; temos também cerâmica, palha de buriti e muitos outros produtos de regiões como Natividade e Arraias. Claro, o Capim Dourado e o Jalapão são os cartões-postais do Estado, mas há muito mais riqueza cultural por aqui.
O turismo é uma consequência do fazer cultural — das tradições, da gastronomia, do artesanato, da arte. Quando um turista visita o Tocantins, ele compra algo que representa nossa cultura, seja um produto de Capim Dourado, uma peça de cerâmica, ou um instrumento artesanal.
A cultura é a ramificação mais transversal que existe, com ligações diretas com a educação, o turismo, a indústria e o comércio. Ignorar a economia criativa é ignorar uma força econômica significativa. A cultura é a expressão da alma de um povo. Em eventos como o Salão do Turismo, por exemplo, tivemos um “Cozinha Show” em Taquaruçu, que foi um sucesso. Tudo isso é cultura, e mais do que dar voto, ela qualifica o voto, independente da ideologia política.
A arte também traz disciplina, algo que muita gente associa apenas ao militarismo. A música, por exemplo, ensina disciplina, seja tocando piano, violão, percussão, e viola. No Tocantins, temos a viola de buriti, que se tornou um case internacional de estudo. Um amigo meu, Roberto Correia, professor universitário e autor do único método de viola do Brasil, fez uma pesquisa no Jalapão há muitos anos e ficou encantado com a viola de buriti. Ele incorporou isso aos seus estudos e trabalhos acadêmicos. A cultura tem esse poder de transcender o material e impactar a vida das pessoas de maneira profunda.
Então, o senhor acredita que a cultura tocantinense emociona quem está de fora?
Quando vejo no salão de artesanato de São Paulo pessoas do Brasil e de fora entrando no estande do Tocantins, comprando tudo, com aquele olhar de surpresa e encantamento, é algo lindo e maravilhoso. É muito bonito.
Por exemplo, uma apresentação de folia em Natividade, Silvanópolis ou Monte do Carmo, ou ver os catireiros de Natividade tocando, provoca um encanto que cativa o público. E isso não é só no Brasil — os catireiros de Natividade já se apresentaram fora do país, assim como os Tambores do Tocantins, de Porto Nacional. É uma experiência emocionante. Temos também nossos artistas populares, músicos de diversos gêneros, desde a MPB com Genésio Tocantins, Juraildes da Cruz, Lucimar, Dorivã, até o pessoal do rock e do hip-hop, que está crescendo muito.
Lembro de quando eu trabalhava no jornal e fui visitar o pessoal do movimento de hip-hop nas Arnos e em Taquaralto. Fiquei impressionado, não sabia que existia um movimento tão forte assim em Palmas e no Tocantins. E temos também grandes nomes do sertanejo, como Rick, de Rick e Renner, que é de Monte do Carmo, Henrique e Juliano, Anavitória, de Araguaína, que trazem uma MPB sofisticadíssima, e as sertanejas que estão fazendo sucesso, como Maiara e Maraisa, e Lauana Prado, que também começaram em Araguaína.
Na literatura, não podemos esquecer de Pedro Tierra, de Porto Nacional, um dos maiores poetas brasileiros vivos. Ele já foi Gestor de Cultura em Brasília e mora lá hoje. Temos muitos escritores e literatos da terra, muita gente produzindo literatura de qualidade. O audiovisual tocantinense também é riquíssimo. Mesmo quando ainda éramos Goiás, já havia um movimento forte com Hélio Brito e João Luiz Neiva. Depois vieram mais pessoas, como Marcelinho Silva, André Araújo e Eva Pereira, que continuam enriquecendo a produção audiovisual local.
A dança no Tocantins também é pioneira, com apresentações impressionantes, e o teatro é outro pilar da nossa cultura. Ainda na época de Goiás, tivemos o grupo Chama Viva, em Porto Nacional, com Cícero Belém e sua irmã Marcela Belém, figuras importantes do teatro tocantinense. Lembro de um projeto marcante, o Circuito Timbá de Teatro, no início dos anos 70. Como repórter do Jornal Popular, fui de ônibus para Gurupi para cobrir esse evento e fiquei impressionado com a grandiosidade do movimento, liderado por pessoas como Donizete Nogueira, Belchior e Cícero.
Porto Nacional foi o berço cultural do então norte de Goiás, e continua sendo um polo de expressão artística. Tivemos teatro em Porto, Dianópolis, Arraias, Miracema, e tantos outros lugares. Nossa cultura é muito rica, e isso me encanta profundamente, tanto como fazedor de cultura quanto como jornalista que acompanhou esses movimentos antes mesmo da criação do estado.
O governador foi muito assertivo ao reativar a Secretaria da Cultura, considerando todo esse contexto riquíssimo que o Tocantins oferece.

Para divulgar essa cultura, que é tão vasta, há algum evento programado além da mostra que o senhor mencionou para outubro?
Já tivemos o Seminário de Arquivos Documentais, e agora, no dia 30 de outubro, teremos o Seminário de Livro, Leitura e Escrita do Tocantins, com a participação do Ministério da Cultura. Esse evento vai envolver bibliotecas e a literatura de forma geral, e durante o seminário, vamos anunciar novidades que estamos preparando com muito carinho para fortalecer e fomentar o setor. Desde o início, eu disse ao Conselho de Cultura: “Não consigo conceber a ideia de que existam dois lados da cultura. O que temos são dois papeis: o dos fazedores de cultura, que é o mais importante, e o da gestão, mas ambos devem estar unidos, porque estamos aqui pela cultura e para pensar grande.”
Além desse seminário, entre os dias 29 de novembro e 1 de dezembro, teremos a Fenartto — Feira de Negócios do Artesanato Tocantinense. Será um evento que, além do artesanato, incluirá apresentações musicais, gastronomia e um seminário de economia criativa. Também haverá um vernissage do Salão de Arte Tocantinense, uma demanda antiga da classe artística. Faremos o anúncio do vernissage e, posteriormente, incrementaremos o projeto.
Esses eventos são consequência das políticas públicas perenes. Quando o governador me convidou, eu disse que é fácil fazer eventos, mas implementar políticas públicas duradouras é um pouco mais complexo, exigindo mais dedicação, planejamento e seriedade. Os eventos são consequência desse trabalho. A Fenartto, por exemplo, celebra o sucesso do Tocantins em todos os salões de artesanato do país e fortalece a classe dentro do estado. Vamos divulgar a feira para atrair não apenas pessoas de fora, mas também os tocantinenses.
Recentemente, fiz uma incursão em Araguatins, onde me reuni com a Alabip (Academia de Letras e Artes do Bico do Papagaio) e com a AMA (Associação dos Músicos de Araguatins). Ouvi muitos fazedores de cultura, e vi iniciativas incríveis, como o Sarau do Cerrado, que já realizou 80 edições — muitas vezes sem nenhum apoio público. Fiquei encantado com a dedicação de pessoas como Chico Duarte, um verdadeiro fazedor de cultura, e outros que abraçam a causa com paixão. Retornei dessas reuniões cheio de ideias e, junto com a equipe, estamos trabalhando para dar encaminhamento às demandas e sugestões que recebemos, sem deixar nada na gaveta.
A Secretaria está sempre aberta, e temos uma equipe comprometida, embora ainda pequena. Estamos trabalhando para melhorar. O governo já planeja um concurso público geral, e já passamos nossas necessidades para a Secretaria responsável. Enquanto isso, vamos puxando aqui e ali, conseguindo arrumar uma Secretaria que foi recriada e que, no início, não tinha quase nada. Agora, aos poucos, estamos avançando e já vemos uma grande melhoria em relação ao que tínhamos no começo, quando herdamos apenas os servidores da antiga Superintendência de Cultura, que fazia parte da Secretaria de Turismo.
O senhor falou sobre as locações que pertencem à cultura, como o Museu Palacinho e o Museu Coluna Prestes. Existe a intenção do governo de construir uma sede própria para a Cultura?
Temos ideias nesse sentido. Recentemente, tivemos uma reunião em Brasília com a ministra Margareth Menezes e a senadora Dorinha, da bancada federal. Foi uma reunião muito produtiva, pois descobrimos oportunidades que nem estávamos atentos, como recursos de PNAB (Programa Nacional de Apoio à Cultura) e outras fontes que podem ser direcionadas para infraestrutura cultural. Esses recursos podem ser utilizados para concluir e equipar obras, construir espaços como uma escola de música ou uma mini biblioteca. O governo está, sim, pensando nisso.
Quanto à Casa Branca, inicialmente tentamos incluí-la no Novo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), mas não foi possível devido a questões legais. Contudo, uma grande conquista foi a inclusão dos dois primeiros contratos do estado do Tocantins no Novo PAC, que foram para projetos culturais. Esses contratos referem-se aos Céus da Cultura, que são equipamentos físicos em Palmas — estruturas básicas que podem ser ampliadas com o tempo. Já assinamos o contrato, e esses espaços serão utilizados para bibliotecas e pequenas apresentações. Conseguimos um terreno do estado na região do Palacinho e outro em Araguatins, doado pelo prefeito, para a construção dos Céus da Cultura. Também estamos reivindicando outros para cidades como Dianópolis e Gurupi — este último já com terreno garantido — e aguardamos uma nova chamada para incluir Arraias e Tocantinópolis. No entanto, é necessário que as localidades atendam aos pré-requisitos do Ministério da Cultura para que possamos avançar com os projetos.
Além disso, estamos trabalhando para adquirir o Movceu, que é um veículo equipado com equipamentos culturais. Estamos buscando apoio, emendas e parcerias para viabilizar esse projeto. Sabemos que o estado não pode fazer tudo sozinho, então estamos apostando em colaborações com prefeituras, órgãos federais e até a iniciativa privada. Essas parcerias são fundamentais, e o processo deve ser construído de forma coletiva, especialmente com os fazedores de cultura, que são os principais protagonistas. O governo, por sua vez, está focado em gerir os recursos federais e estaduais e estabelecer essas colaborações.
Firmamos várias parcerias importantes, como com a Universidade Federal do Tocantins (UFT), a Universidade Federal do Norte do Tocantins, a FAPTO (Fundação de Apoio Científico e Tecnológico do Tocantins), e a Unitins (Universidade Estadual do Tocantins). Esses parceiros estão ajudando na operacionalização da Política Nacional Aldir Blanc no estado, cada um contribuindo com sua expertise e conhecimento local. A operacionalização envolve várias etapas e tarefas divididas entre a Secretaria e os parceiros, com cada um desempenhando um papel essencial para o sucesso dessa política cultural.
Para finalizar, há algo que não abordamos e que o senhor gostaria de acrescentar?
Gostaria de complementar e, antes de mais nada, agradecer o espaço. Reitero o chamamento que faço aos fazedores de cultura. Como jornalista, fico muito à vontade para falar isso: tanto em Goiás quanto aqui, sempre participei ativamente na construção, melhoria e profissionalização da classe artística. Mas, atualmente, cada um precisa ser gestor de si. O artista tem que se organizar documentalmente, porque não adianta criticar a burocracia. O governo federal não vai liberar recursos sem segurança e prestação de contas. Inclusive, houve casos de quem não participou dos editais da Lei Paulo Gustavo por estar inadimplente com a Lei Aldir Blanc, mesmo tendo sido selecionado.
Por isso, faço um apelo à classe artística para que se una à Secretaria nessa construção ou reconstrução da gestão cultural do Tocantins. A classe política também precisa entender que cultura é muito mais do que votos. Ela é consequência da qualificação do voto e da consciência política, cultural e antropológica que deve existir. Os gestores públicos – sejam eles presidentes, governadores, prefeitos, vereadores, deputados ou senadores – precisam ter essa consciência e ajudar a fortalecer a cultura. Os números são favoráveis e a riqueza cultural do Tocantins é imensa.
O artista tem que ser gestor de si também, tem que se organizar documentalmente. Não adianta criticar a burocracia, o governo não vai liberar dinheiro sem segurança
Estamos indo para um novo processo eleitoral, no Conselho de Políticas Culturais, renovando o conceito público do Tocantins. Não dá para chamar todo mundo do estado para participar das reuniões, mas, se o Conselho de Cultura estiver bem representado pelas câmaras de Música, Literatura, Artesanato, Audiovisual, entre outras, isso se torna algo representativo. Se o setor escolher pessoas focadas e conscientes, ele estará bem representado em qualquer instância de gestão, seja estadual, municipal ou federal, para elevar a cultura tocantinense.
Estamos sempre abertos a sugestões e críticas. Como sempre digo, não custa nada um pouco de civilidade. Nunca desrespeitei ninguém, e acredito que é importante manter esse respeito. Se eu não soubesse lidar com críticas, não teria sido jornalista por 46 anos. Mesmo já tendo recebido ameaças de morte no exercício da profissão, estou aqui, vivo, e continuo firme.
Por fim, faço um apelo à imprensa para que enxergue a cultura de uma maneira mais abrangente. A imprensa tem um papel social enorme nesse processo de difusão cultural, ajudando a levar as coisas mais longe. Hoje, com a globalização, o mundo se tornou muito mais acessível. Quando eu estava na faculdade, aprendemos que todo fato tinha dois lados, mas hoje eles têm mil lados, inclusive no aspecto da divulgação.