Tocantins pode ter pago mais de R$ 5 milhões indevidamente a militares por restituição voltada a vítimas do césio-137
04 outubro 2024 às 16h57
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Cinco dos seis coroneis da reserva do Tocantins, quatro da Polícia Militar (PM) e um do Corpo de Bombeiros, apontados pela Operação Fraude Radioativa da Polícia Civil de Goiás (PC-GO) como beneficiários de um suposto esquema de fraude para obtenção de benefícios voltados às vítimas do césio-137, acidente radiológico ocorrido na década de 1980 em Goiânia, podem ter adquirido mais de R$ 5 milhões com a restituição do imposto de renda. O que não conseguiu o benefício ainda estava com o processo em tramitação.
Conforme o inquérito policial que o Jornal Opção Tocantins teve acesso, entre os beneficiários apontados estão Admivair Silva Borges, ex-comandante-geral do Corpo de Bombeiros; Marielton Francisco dos Santos, ex-comandante-geral da PM; José Tavares de Oliveira, ex-comandante-geral da PM; David Gomes Pacine, ex-chefe do Estado-Maior do Corpo de Bombeiros; José Anísio Pereira Braga, ex-corregedor-geral da PM; e Edivan Ribeiro de Souza, ex-comandante da 1ª Companhia Independente da PM e ex-corregedor-geral do Detran.
Muitas das vítimas desse evento têm o direito de solicitar a isenção do Imposto de Renda (IR) quando se aposentarem devido às condições médicas graves desenvolvidas. Segundo dados levantados pelo Jornal Opção Tocantins, no Diário Oficial do Estado (DOE-TO) e no Portal da Transparência, considerando que atualmente a aposentadoria de cada coronel da reserva é de R$ 41.408,34, o valor restituído aos militares seria de R$ 6.382,09 mensais.
Com base nas datas de aposentadoria e decisões judiciais, as isenções podem ter começado a partir de 2010 e o montante devolvido, pelo Instituto de Gestão Previdenciária do Estado do Tocantins (Igreprev), retroativamente e após as sentenças, pode ultrapassar os R$ 5 milhões. Esse valor pode ser ainda maior, pois ainda há três casos de concessão de benefício à militares do Tocantins pela Comarca de Silvânia (GO) que não estão sendo investigados pela PC-GO.
Segundo a Polícia Civil de Goiás, esses militares fazem parte de um grupo de pelo menos 25 coroneis do Tocantins e Goiás que tiveram decisões favoráveis da justiça para obtenção da isenção do imposto. A defesa dos militares utilizou documentos médicos, exames e comprovantes de endereço falsificados.
As advogadas Ana Laura Pereira Marques e Gabriela Nunes Silva, acusadas de liderar o esquema, foram presas, enquanto o subtenente da reserva Ronaldo Santana Cunha, também envolvido, se entregou à polícia, mas não foi preso devido à legislação eleitoral. A Procuradoria Geral do Estado (PGE) estima que a fraude possa ultrapassar R$ 20 milhões, com mais de 300 processos sob investigação. Ana Laura Pereira Marques é a advogada de todos os processos dos militares do Tocantins.
Entre os suspeitos, além dos seis militares do Tocantins, estão coroneis, tenentes-coroneis e majores da Polícia Militar de Goiás (PM-GO), além de um promotor de Justiça aposentado. De acordo com o relatório da investigação, os processos judiciais foram protocolados em cidades como Goiânia, Anápolis, Morrinhos, Silvânia e Rio Verde.
O esquema foi descoberto quando um médico nuclear, que atuava como coordenador da Junta Médica Oficial de Goiás, denunciou o uso indevido de sua assinatura em laudos falsos. Ana Laura Marques teria sugerido que ele emitisse laudos fraudulentos, o que ele recusou.
Pouco tempo depois, ele descobriu que sua assinatura estava sendo utilizada em processos administrativos e judiciais relacionados a pedidos de isenção de IR. Outro médico nuclear também fez uma denúncia semelhante, levando a PC-GO a descobrir que diversos processos utilizando documentos falsificados. As investigações indicam que os laudos e exames médicos apresentados eram forjados, e as assinaturas dos médicos haviam sido falsificadas para obter a isenção do imposto.
Um exame falsificado, utilizado pela defesa era o de Metalograma (dosagem de metais tóxicos no organismo), não tinha nexo com o Césio 137, não podendo aferir ou dizer sobre contaminação pela radiação. O laboratório The Great Plains Laboratory, que supostamente era responsável pelo exame, alegou à polícia que não havia realizado nenhuma coleta de material biológico dos militares. Os médicos também afirmaram que em nenhum momento atenderam os policiais, pediram exames e, muito menos, emitiram laudo.
A data da coleta dos exames e da entrega do resultado dos seis militares do Tocantins ocorreram nos mesmos dias: 16 de março e 18 de abril de 2024. Todos tiveram relatório médico com assinatura falsa de Neimar Lolli, que negou qualquer confecção de relatório.
Operação da fraude
O esquema operava em três frentes: captação de militares, ajuizamento de ações fraudulentas e facilitação no trâmite judicial. Alguns requerentes negaram envolvimento direto na fraude, como uma tenente-coronel que desistiu do processo ao descobrir que documentos falsos haviam sido usados em seu nome. Até o momento, 46 pessoas estão sendo investigadas, com 36 processos confirmados como fraudulentos.
Direito de resposta
A PM do Tocantins afirmou que ainda não foi oficialmente notificada sobre o caso e que os militares citados pertenciam ao quadro da PM de Goiás à época dos fatos. Caso haja envolvimento de policiais tocantinenses, medidas serão tomadas. O Jornal Opção Tocantins solicitou informações ao Igeprev e ao Ministério Público do Tocantins (MPTO) para saber se há alguma investigação sobre o caso e aguarda retorno. O Jornal Opção Tocantins procura a defesa dos militares citados no inquérito da Polícia Civil de Goiás.
Em declaração, Terciany Lima, jornalista e pensionista da PM, comentou sobre o envolvimento de militares na Ação do Césio-137, desencadeada pela Polícia Civil e Procuradoria Geral do Estado (PGE) de Goiás. Ela afirmou: “Na condição de viúva de um coronel da Polícia Militar do Tocantins, que teve contato indireto com o Césio-137 durante uma escala de trabalhos na Academia da Polícia Militar de Goiás, venho defender os militares, pois eles foram vítimas de uma quadrilha de advogados que fraudaram o sistema de benefícios.”
Terciany também mencionou ter tido contato com a advogada Ana Laura Pereira Marques, que foi acusada de liderar o esquema investigado pela ‘Operação Fraude Radioativa’. Segundo Terciany, Ana Laura esteve em Palmas “procurando militares e pensionistas para propor a Ação de Isenção de Imposto de Renda” por exposição ao Césio-137. Ela destacou que os militares “foram enganados, assim como eu, com documentos e laudos falsificados”.
Terciany concluiu ressaltando a importância de que “as autoridades e a imprensa apurem os fatos” para que os responsáveis sejam devidamente punidos, sem que inocentes sofram consequências injustas.