Em 2024, Tocantins registrou mais de mil casos de afastamento por saúde mental

10 março 2025 às 16h40

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A saúde mental no Brasil registrou aumento no número de afastamentos do trabalho, mostrando a pressão que atinge tanto os trabalhadores quanto as empresas. Dados exclusivos do Ministério da Previdência Social revelam que em 2024 o número de licenças médicas ultrapassou meio milhão, o maior índice em pelo menos uma década. No Tocantins, os afastamentos por questões de saúde mental somaram 1.068 casos, dos quais 363 foram relacionados a ansiedade e 249 a quadros de depressão.
De acordo com a psicóloga responsável pelo Núcleo de Atendimento Educacional Especializado ao Discente (Alteridade) do Centro Universitário Luterano de Palmas, Ana Beatriz de Sousa Rodrigues Silva, em entrevista ao Jornal Opção Tocantins, é essencial que as empresas ofereçam um ambiente profissional saudável e seguro para seus colaboradores. “Temos que entender que é de responsabilidade da empresa garantir um ambiente profissional saudável e seguro aos colaboradores. Porém, o trabalhador deve saber reconhecer os sinais do estresse e procurar alternativas que corroborem para uma melhora”.
Esse crescimento nos afastamentos evidencia a gravidade da crise que atinge a saúde mental dos trabalhadores. Em relação ao ano anterior, as 472.328 licenças concedidas no Brasil representam um aumento de 68%. Especialistas apontam que a situação é consequência de múltiplos fatores, incluindo as dificuldades do mercado de trabalho e os impactos da pandemia.
Em resposta ao cenário, o governo federal implementou medidas para mitigar o problema. O Ministério do Trabalho atualizou a Norma Regulamentadora nº 1 (NR-1), que estabelece as diretrizes para a saúde no ambiente de trabalho, com foco na fiscalização das condições que afetam a saúde mental dos trabalhadores. O não cumprimento das normas pode resultar em multas para as empresas.
Os dados do Ministério da Previdência Social fornecem um panorama detalhado das doenças que geraram benefícios por incapacidade temporária, uma licença concedida pelo INSS após uma perícia médica. Em 2024, o total de 3,5 milhões de pedidos de licença incluiu 472 mil por motivos de saúde mental. Comparado com o ano anterior, quando foram concedidas 283 mil licenças, o aumento foi de 68%, representando um marco na série histórica.
Síndrome de burnout
Embora o burnout, síndrome de esgotamento profissional, não tenha figurado entre as principais causas de afastamento, com apenas 4 mil casos registrados, especialistas destacam que o diagnóstico dessa condição ainda enfrenta dificuldades. Vale lembrar que os números apresentados referem-se aos afastamentos e não ao número de trabalhadores, uma vez que uma pessoa pode solicitar mais de uma licença médica no mesmo ano.
O Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) esclareceu que, em média, os trabalhadores permanecem afastados por três meses, com um valor mensal de cerca de R$ 1.900. Esse montante implica em um impacto financeiro significativo, que pode ter atingido quase R$ 3 bilhões no Brasil, em 2024.
Em termos geográficos, os estados com maiores índices de afastamento são Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro. Contudo, quando os afastamentos são analisados proporcionalmente à população, o Distrito Federal, Santa Catarina e Rio Grande do Sul apresentam os maiores índices. A situação no Rio Grande do Sul, por exemplo, pode ser atribuída a tragédias como a enchente que afetou diversas áreas, impactando diretamente os trabalhadores da região.
O perfil dos trabalhadores afastados revela que a maioria é composta por mulheres (64%), com idade média de 41 anos, e os transtornos mais comuns são a ansiedade e a depressão. Esses afastamentos geralmente duram até três meses.
Conforme a psicóloga Ana Beatriz Rodrigues, o sistema endócrino das mulheres passa por alterações significativas e rápidas devido a fases como o período menstrual, o pós-parto e a menopausa, o que contribui para uma maior vulnerabilidade durante esses momentos. “Cientificamente falando o sistema endócrino das mulheres sofre alterações maiores e mais rápidas por conta do período menstrual, pós-parto e menopausa, por isso, tem-se a tendência de uma maior vulnerabilidade”. Por outro lado, a psicóloga defende que, socialmente, as mulheres assumem responsabilidades mais intensas desde a infância, sendo ensinadas a desempenhar papéis como mãe, esposa e dona de casa.
“Agora, socialmente dizendo as mulheres têm responsabilidades “maiores”, pois desde a nossa infância somos ensinadas a desempenhar o papel de mãe, esposa e dona de casa, formando a ideia de que é nossa tarefa é tomar conta de algo ou alguém o que exige um grande esforço seja ele mental ou físico”, explicou a profissional.
Ana Beatriz Rodrigues dá dicas que ajudam a promover melhorias no ambiente de trabalho:
- Estabelecer limites para a quantidade de trabalho executado e distribuir de forma saudável as tarefas do dia a dia;
- Ter práticas saudáveis de equilíbrio entre trabalho e vida pessoal, como pausas regulares, férias e a rotina fora do ambiente de trabalho;
- Fazer atividades físicas regulares;
- Busque medidas de apoio com profissionais capacitados.
Sobrecarga de responsabilidades
Embora não haja dados sobre raça, faixa salarial ou nível educacional, especialistas apontam que a sobrecarga de trabalho, a desigualdade salarial e a responsabilidade de cuidado familiar são fatores que contribuem para o quadro. O último Censo revelou que as mulheres mantêm 49,1% dos lares brasileiros, o que corresponde a cerca de 35 milhões de famílias. A sobrecarga de responsabilidades, aliada ao baixo poder aquisitivo, tem afetado principalmente a saúde mental dessa parcela da população.
A busca por soluções também tem se intensificado entre as mulheres, que são mais propensas a procurar ajuda médica. De acordo com o psiquiatra Wagner Gattaz, o aumento no número de diagnósticos de transtornos mentais reflete uma maior conscientização sobre o tema. Desde a pandemia, a saúde mental tem sido discutida de forma mais aberta, o que contribuiu para uma melhor identificação de problemas como a ansiedade e a depressão.
Entre os fatores que explicam a crise de saúde mental estão as cicatrizes deixadas pela pandemia, que causaram um luto coletivo, aumento do estresse emocional e insegurança financeira, além de um crescimento significativo no preço dos alimentos. Em 2024, o custo dos alimentos subiu 55%, afetando diretamente o poder de compra da população. O aumento da informalidade no mercado de trabalho e o fim de ciclos familiares, como o aumento nas separações durante a pandemia, também são apontados como elementos que agravam os transtornos mentais.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que 12 bilhões de dias úteis sejam perdidos anualmente no mundo devido à depressão e à ansiedade, resultando em um custo de US$ 1 trilhão. Para o mercado de trabalho, essa realidade tem gerado preocupações sobre os impactos econômicos, como a sobrecarga de funcionários e o aumento no número de afastamentos.
Saúde mental pós pandemia
A pandemia também revelou ambientes de trabalho tóxicos e sobrecarregados, que não regrediram após o fim do isolamento social. As empresas, em resposta a esses desafios, começaram a implementar medidas de apoio psicológico, benefícios para a saúde física e orientação financeira para melhorar o ambiente de trabalho e reduzir os afastamentos.
De acordo com Ana Beatriz Rodrigues, a pandemia da Covid-19 impôs desafios significativos, como a convivência com a solidão, o isolamento social, a adaptação ao teletrabalho e o enfrentamento do risco de contaminação ao sair de casa. “A Pandemia da Covid-19 forçou toda e qualquer pessoa a conviver com a solidão, isolamento social, se reinventar no teletrabalho e aprender a enfrentar o risco de contaminação ao precisar se ausentar de sua casa, são situações que contribuem para o adoecimento mental”, concluiu.
O Ministério do Trabalho, por meio da atualização da NR-1, intensificou a fiscalização dos riscos psicossociais nas empresas. A norma agora exige que as empresas apresentem planos de ação para mitigar riscos como metas excessivas, jornadas de trabalho longas e assédio moral. A fiscalização será realizada de forma planejada, e as empresas que não cumprirem as normas poderão ser multadas.
A atualização da NR-1 reflete a crescente preocupação com a saúde mental no ambiente de trabalho. No entanto, especialistas alertam que, para haver uma mudança significativa, as empresas precisam adotar medidas concretas e eficazes, além de ajustar suas práticas para melhorar as condições de trabalho e a saúde dos seus colaboradores.