Artigo de Opinião

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Artigo de Opinião
A violência nossa de cada dia ou crônica tirada de uma notícia de rede social

Eder Ahmad Charaf Eddine *

Recentemente, me deparei com uma notícia que me envolveu em emoções nada agradáveis. Não gosto de violência, mas, assim, veiculada diariamente em manchetes de jornais e em memes, acabo me acostumando a ela, mas não devia.

Quem: Um professor, deficiente visual. Ocorrido: espancado por três alunos adolescentes. Onde: ponto de ônibus à frente da instituição de ensino na qual trabalhava. Motivo: tentar impedir o uso do celular durante a aula.  

O evento é curioso porque promove com o professor o “te pego lá fora”, eterno medo das crianças em idade escolar e, hoje, dos profissionais da educação. Vocalização corrente do bullying, a frase promete agressões futuras, principalmente contra gays, trans, nerds e até deficientes.

Não apresento soluções idealistas e irreais que jamais seriam implantadas, foco nos comentários sobre o caso em uma rede social. Das soluções apresentadas, algumas pediam a criação de mais escolas militares; outras, a expulsão dos envolvidos. Alguém também previu que o próximo passo dos adolescentes seria o espancamento público da diretora. A revolta se alastrou e gerou mais violência, com culpabilizações de partidos políticos e dos pais ou responsáveis pelos agressores.

O preparo para a Lei 15.100/2025, que dispõe sobre a proibição do uso de aparelhos eletroportáteis em ambientes escolares, com exceção das oportunidades didáticas promovidas e conduzidas por um professor, requer mais celeridade. A Lei é importante, prevê situações psicológicas e sociais. Contudo, existem soluções melhores do que “tomar e repreender verbalmente”. Todas as ações necessitam ser pensadas, discutidas e observadas. Notícias como essas só geram mais violência e sentimentos de impunidade.

O quadro de violência pode ser diminuído com o trabalho de profissionais psicólogos e assistentes sociais, mas esses necessitam de estrutura e, obviamente, de atuação baseada na ciência. A Lei é recente, a violência, não.

Outro dia, em uma entrevista, um jornalista me fez a seguinte pergunta: um único desejo? Respondi: Paz. Às gargalhadas, ele rebateu: Muito Miss!

Pareceu, mas não era ingenuidade. À época, eu estava lendo Comunicação Não Violenta, de Marshall Rosenberg. Ainda que eu possua críticas ao método e ao processo mercantilizador, o livro descortinou em mim as violências cotidianas que eu cometia e que cometiam comigo.

No princípio da Paz, se eu não for um pouco Poliana, como vou sobreviver diante do que estamos passando atualmente? O século 20 foi marcado por muitas atrocidades. Almejada e solicitada por alguns movimentos sociais das décadas de 1980 e 1990, a paz não foi alcançada.

Estamos enfrentando diversas guerras desde o início dos anos 2000. Caminhamos para barbáries, cada vez mais, impensáveis. Líderes de nações conduzem a vida pública da mesma forma que se utiliza um controle de videogame num jogo sangrento, de preferência. A compensação de tais disputas: mais popularidade, mortes e dinheiro. Tudo somado às violências cotidianas, as “sutis”, ampliadas pela pandemia.

A anestesia da violência é real, mas o choque provocado por essa notícia me afetou mais do que outras por conter três componentes que merecem atenção: a escola, a deficiência visual e os adolescentes. Ao motorista de ônibus que retirou o infeliz debaixo da horda furiosa, a esse homem que salvou um professor, o meu muito obrigado!

* Psicólogo (CRP - 23/1465), professor e pesquisador em Comunicação e Saúde Mental. Doutor em Educação, área Psicologia e Educação (USP). Possui especialização em Terapias Cognitivo-Comportamentais, em Psicopedagogia e em Educação e Sociedade. Orienta no Mestrado em Comunicação e Sociedade (PPGCom/UFT). Autor do livro finalista do Jabuti Acadêmico 2024 "Psicologia, Educação e Homossexualidades: o normal e o patológico em revistas científicas de 1970 e 1980".

Maquiavel 2.0: IA e dados redefinem o poder e as eleições

Roberval Marco Rodrigues*

Nicolau Maquiavel, em sua obra O Príncipe, revolucionou a política ao afirmar que o sucesso de um governante depende de sua habilidade de compreender a realidade e agir com astúcia. Hoje, metadados e inteligência artificial (IA) emergem como ferramentas modernas que materializam essa visão, oferecendo precisão, objetividade e assertividade tanto na gestão pública quanto nas campanhas eleitorais. Assim como Maquiavel aconselhava os líderes a evitar o achismo e os bajuladores, essas tecnologias estão refundando a política, tornando-a mais estratégica e conectada às demandas da sociedade.

A virtude maquiavélica, que representa a capacidade de adaptação e eficiência, encontra nos dados um poderoso aliado. Essas ferramentas permitem que líderes analisem cenários complexos com clareza, identifiquem padrões sociais e antecipem as demandas da população. Na gestão pública, prefeitos podem usar algoritmos para planejar melhorias no trânsito com base em dados de deslocamento em tempo real. Governadores podem prever surtos de doenças por meio de análises preditivas, alocando recursos de forma mais eficiente antes que crises se agravem. Essa abordagem não apenas aumenta a eficácia das políticas públicas como também aproxima os gestores das necessidades reais dos cidadãos.

As campanhas eleitorais também foram profundamente transformadas pelo uso de metadados e IA. Hoje, essas ferramentas permitem segmentar eleitores com uma precisão impressionante: 97% das campanhas que utilizam essas tecnologias alcançam seus objetivos estratégicos sem margem de erro. Isso significa que as mensagens políticas podem ser direcionadas diretamente para grupos específicos do eleitorado, aumentando exponencialmente sua eficácia. A análise de dados comportamentais ajuda a identificar as prioridades de diferentes grupos demográficos, criando uma conexão mais significativa entre candidatos e eleitores.

Por fim, é importante lembrar que essas tecnologias são apenas meios para alcançar objetivos políticos – não substituem o julgamento humano nem dispensam valores éticos fundamentais. Assim como Maquiavel ensinava que "o príncipe deve agir conforme as circunstâncias", cabe aos líderes modernos usarem essas ferramentas com responsabilidade para fortalecer a democracia e promover o bem-estar coletivo. Metadados e IA não apenas combatem o achismo e a bajulação como também inauguram uma nova era na política: uma era onde decisões são informadas por precisão quase científica; campanhas se tornam mais conectadas às necessidades do eleitorado; e gestores públicos têm à disposição ferramentas poderosas para transformar a sociedade.

* Estrategista político e de Relações Institucionais e Governamentais (RIG).

Resenha
Projeções discursivas do Norte: efeitos de resistência, conscientização e consolidação identitária do Tocantins

A obra de Thiago Barbosa Soares e Damião Francisco Boucher, analisa criticamente os discursos que moldam a identidade do Tocantins e do Norte do Brasil. Dividida em três eixos—contemporaneidades, educação e mídia—explora temas como questões sociais, representações do Norte em livros didáticos e a construção da imagem da região na mídia. Com uma abordagem teórica materialista e arqueogenealógica, o livro investiga apagamentos e resistências discursivas, sendo uma leitura essencial para pesquisadores interessados nas dinâmicas identitárias e sociopolíticas da região.

Artigo de Opinião
“Tu te prepara que aqui a bala pega”: prefeito de Colinas escancara o que homens pensam sobre mulheres que se impõem

O recente episódio envolvendo o prefeito de Colinas do Tocantins, Josemar Carlos Casarin (UB), e a vereadora Naiara Miranda (MDB) escancara uma realidade antiga, mas ainda presente: quando uma mulher se impõe, a resposta costuma vir na forma de ameaça e intimidação. Ao declarar-se independente na Câmara, Naiara Miranda exerceu um direito político fundamental. No entanto, a reação do prefeito mostrou que, para alguns, mulheres não podem ocupar espaços de decisão sem serem subjugadas ou vistas como uma ameaça.

A frase "Tu te prepara que aqui a bala pega", dita por Casarin, não é apenas um desabafo caloroso no meio de um debate político. Ela carrega um peso simbólico enorme: a tentativa de calar uma mulher por meio do medo. Não é coincidência que, historicamente, tantas mulheres sejam desencorajadas a entrar na política ou a se posicionar de forma autônoma. Quando o fazem, são tratadas como insolentes, rebeldes ou, como no caso de Naiara, como inimigas.

O fato de a vereadora ter ficado abalada ao ponto de chorar também reflete o peso dessa violência simbólica. Políticos trocam farpas o tempo todo, mas a diferença aqui está no tom e no contexto. Uma mulher que ousa romper com a cartilha da subserviência ainda precisa se preparar para resistir a ataques argumentativos e sempre a investidas que buscam desestabilizá-la emocionalmente.

Felizmente, o caso gerou reação. Alguns políticos manifestaram apoio à vereadora, demonstrando que a sociedade não tolera mais esse tipo de postura. No entanto, é curioso notar que, até o momento, não há pedidos formais de investigação ou punição para o prefeito. A solidariedade é necessária, mas de pouco adianta se não for acompanhada de ações concretas.

Este caso é um reflexo do que acontece não só na política, mas em diversos espaços da sociedade. Mulheres que se impõem no trabalho, na família ou em qualquer ambiente de poder frequentemente enfrentam retaliações. Seja através de ameaças explícitas, como no caso de Casarin, ou de formas mais sutis, como o descrédito e a desqualificação, a mensagem subjacente é sempre a mesma: "volte para o seu lugar".

Mas o que esse caso também nos ensina é que o medo não pode nos silenciar. Cada vez que uma mulher se recusa a se calar, cada vez que recebe apoio e continua sua luta, a estrutura machista e autoritária se fragiliza um pouco mais. O caminho ainda é longo, mas episódios como esse mostram que as mulheres não estão sozinhas. E que, mesmo com medo, é preciso falar.

O que estudos com mais de 176 mil participantes revelam sobre uso de telas na primeira infância?

Francisco Neto Pereira Pinto*

Afinal de contas, o uso de telas na primeira infância seria ou não prejudicial? Haveria benefícios ou apenas riscos? O que as evidências científicas revelam sobre esses questionamentos? Um estudo científico, conduzido por uma equipe composta por 18 pesquisadores australianos da University of Wollongong, chegou a conclusões surpreendentes, indicando dois pontos negativos e um positivo, associados ao uso de telas por crianças na faixa etária dos seis primeiros anos de vida.

Importante observar que os pesquisadores não se limitaram ao critério de tempo de tela, mas consideraram os seus contextos de uso, ou seja, se a criança assiste sozinha ou acompanhada, se os conteúdos são adequados à sua idade, se são educativos ou não, se, quando estão brincando, há exposição a telas e, por fim, um critério até então incomum: os efeitos do uso de telas pelos cuidadores sobre a criança.

O trabalho, que tem como pesquisador principal o renomado psicólogo Dr. Sumudu Mallawaarachchi, analisou uma amostra composta por 100 outros trabalhos, totalizando 176.742 participantes incluídos na revisão. A pesquisa, intitulada Early Childhood Screen Use Contexts and Cognitive and Psychosocial Outcomes: A Systematic Review and Meta-analysis - em tradução livre: Contextos de uso de tela na primeira infância e desfechos cognitivos e psicossociais: uma Revisão Sistemática e Meta-Análise - foi
publicada na JAMA Pediatrics, um dos periódicos americanos mais tradicionais na área de Pediatria, publicado desde 1911.

O primeiro desfecho negativo está associado a visualizar programas, que está associado a efeitos negativos sobre o desenvolvimento cognitivo e psicossocial. Nesse sentido, quanto mais a criança é exposta a visualizações, mais comprometido ou empobrecido fica o seu desenvolvimento. Por sua vez, a exposição a conteúdos não apropriados à idade afeta o desenvolvimento psicossocial.

O segundo desfecho negativo se relaciona ao uso de telas pelos cuidadores enquanto estão cuidando da criança, ou seja, hábitos de imersão tecnológica por parte dos pais, por exemplo, interfere nas relações entre pais e filhos. Os efeitos, nesse caso, incide sobre o desenvolvimento psicossocial da criança. Por sua vez, televisão ligada no ambiente em que a criança desenvolve sua rotina e suas interações afeta o seu desenvolvimento cognitivo, com prejuízos, inclusive, para o desenvolvimento da
linguagem e dos sistemas de atenção.

Por fim, o terceiro desfecho é positivo, e diz respeito ao uso participativo de telas, ou seja, quando o cuidador assiste a uma programação com a criança. Acontece também quando a visualização da criança se dá de maneira direcionada, e para fins educativos. Nesses casos, não se trata apenas de passatempo, mas o adulto aproveita essa oportunidade para estimular habilidades cognitivas e promover a interação, o que pode resultar em efeitos positivos para o letramento e desenvolvimento da linguagem. Nesse
sentido, assistir a um programa com a criança foi um achado da pesquisa associado ao
desenvolvimento cognitivo da criança. Importante observar, porém, que se recomenda
cautela quanto ao tempo de exposição.

Os resultados dessa pesquisa são muito importantes para orientar decisões de
profissionais voltados aos cuidados das crianças como pediatras, psicólogos, como
também de educadores e, obviamente, dos pais. Fica claro que os efeitos negativos das telas não se restringem apenas aos momentos em que as crianças estão visualizando
diretamente as telas, mas também quando os cuidadores, em seus momentos de
interação com as crianças, fazem uso de telas e quando televisão fica ligada em
ambientes em que as crianças desenvolvem suas rotinas e brincadeiras. Por outro, caso
se decida pelo uso de telas, é importante que o conteúdo seja educativo e apropriado à
idade e, mais que isso, que o adulto aproveite a oportunidade para estimular habilidades
cognitivas da criança, visando, por exemplo a expansão do letramento e o
desenvolvimento da linguagem de um modo geral.

* professor, escritor e psicanalista. Doutor em Letras, atua como Professor Permanente no Programa de Pós-Graduação em Linguística e Literatura da Universidade Federal do Norte do Tocantins e nos cursos de Medicina e Direito do Centro Universitário Presidente Antônio Carlos. É autor dos livros infantis O gato Dom e Você vai ganhar um irmãozinho.

Policiais penais do Tocantins precisam de dignidade para promover dignidade

No Tocantins, o custo mensal de um preso chega a superar R$ 5.800,00, enquanto o policial penal, responsável por garantir a segurança e a dignidade dos internos, recebe um salário bem inferior que, bruto, não chega a R$ 5.300,00. Essa disparidade evidencia como as políticas públicas têm priorizado a dignidade de quem cometeu crimes, enquanto ignoram a dignidade de quem trabalha arduamente para garantir a segurança da sociedade.

É preciso questionar: a que custo estamos promovendo a ressocialização e os direitos dos presos? O policial penal, que trabalha em escalas exaustivas de 24 ou até 48 horas, enfrenta uma rotina desumana. Além de garantir a segurança, ele também garante a realização dos atendimentos médicos, jurídicos, banho de sol, deslocamentos para visitas e atividades escolares. Tudo isso sem o descanso necessário, sem condições adequadas de trabalho e sem o devido reconhecimento.

Enquanto o governo e o judiciário buscam uma imagem positiva na mídia com programas de ressocialização, quem paga o preço é o policial penal. Não se trata de negar os direitos dos presos, mas sim de exigir que esses direitos não sejam colocados acima da dignidade daqueles que estão na linha de frente, garantindo a ordem e a segurança.

A sociedade tocantinense precisa saber: os policiais penais são humilhados diariamente, submetidos a condições de trabalho insustentáveis, apenas para atender às exigências de uma gestão que não considera o impacto real dessas políticas. Não há como promover a ressocialização sem respeitar os trabalhadores que fazem isso acontecer. É hora de exigir mudanças. O governo e o judiciário não podem continuar sacrificando os direitos de quem trabalha em nome de uma mídia positiva. Se não há condições para cumprir as metas de forma adequada, que se reavalie a viabilidade desses programas.

A dignidade não pode ser um privilégio exclusivo. É um direito de todos, inclusive dos policiais penais que arriscam suas vidas pela segurança da sociedade. Que o Estado e o Judiciário olhem além da propaganda e enxerguem as pessoas que sustentam esse sistema com o próprio suor.

Artigo de Opinião
A interrupção da gravidez em casos de estupro é um direito inquestionável

LaidyLaura Pereira de Araújo

O direito de meninas e mulheres, à interrupção de uma gestação decorrente de estupro, apesar de está assegurado no artigo 128 do Código Penal Brasileiro de 1940 (Lei 28.48/1940), sofre cotidianamente ataques e investidas de setores conservadores neopentecostais, sobre a falsa tese da “defesa à vida”. Tais investidas têm sido barreiras para que crianças e adolescentes vítimas de violência sexual tenham acesso aos serviços de saúde, sobretudo para a realização do precedimento de aborto previsto em lei.

Em uma sociedade patriarcal, machista e sexista como o Brasil, assegurar direitos de crianças e adolescentes vítimas de violências sexuais, não tem sido tarefa fácil. Nos últimos anos temos assistido o avanço e a influência de setores fundamentalistas conservadores na politica brasileira, que tentam barrar e retroceder direitos conquistados e consolidados na legislação brasileira. Aliado a isto, não se pode deixar de mencionar que a falta de orçamento, a precariedade das políticas públicas, e a ausência de fluxos tem sido uma barreira para assegurar os direitos de crianças e adolescentes vítimas e testemunhas de violências. Além disso, as convicções pessoais e o juízo de valor de alguns atores do sistema de garantia de direitos tem inviabilizado que crianças e adolescentes tenham acesso ao serviço de interrupção da gravidez decorrente de estupro. Por outro lado, parlamentares, que deveriam atuar para o cumprimento da legislação, militam cotidianamente para inviabilizar que meninas e mulheres “estupradas” acessem o mencionado serviço.

Diante das graves violações de direitos de crianças e adolescentes, ocorrido nos estados do Espírito Santo, do Piauí, de Santa Catarina e de Goiás, em que meninas vítimas de estupro não tiveram direito ao serviço de interrupção da gravidez, o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e Adolescente(Conanda), no final de 2024, deliberou e aprovou uma Resolução com a definição de fluxos para o atendimento humanizado a esse público infanto, contudo a deliberação foi judicializada pela Senadora da República Damares Alves, que protocolou na Vara Federal Civil da SJDF, medida liminar para suspensão da publicação da Resolução. Em primeira instância, o pedido da senadora foi deferido pelo juiz plantonista que decidiu pela suspensão da publicação da Resolução. A situação mobilizou diversas organizações da sociedade civil entre as quais o GAJOP, ANCED e ANIS, que atuaram no sentido de assegurar que não houvesse retrocessos nos direitos de crianças e adolescentes, e em 6/1/2025 o desembargador do Tribunal Regional Federal da Primeira Região (plantonista), decidiu pela imediata suspensão da decisão anterior, autorizando a publicação da resolução do Conanda.

Salienta-se que o mérito da Resolução, não inova, estando fundamentado no Código Penal de 1940; na Lei Federal n 13.431/2017 e no Decreto Federal n 9.603/2018, que estabelecem o Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente Vítimas e Testemunhas de Violências; na Lei n 12.015/2009 que trata dos crimes hediondos e na Lei 12.802/2013 que dispõe sobre o atendimento obrigatório e integral de pessoas em situação de violência sexual e no Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei 8.069/90.

Apesar da elaboração da Resolução ter iniciado em setembro 2024, com tempo hábil para ajustes e contribuições por todos os conselheiros, na Assembleia Extraordinária, realizada em 23/12/2024, 13 (treze) conselheiros representantes do governo federal votaram contra a normativa, e logo após o Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania publicou nas mídias sociais nota pública informando que os representantes do governo Federal haviam votado contra a aprovação do documento.

Essa atitude do executivo federal serviu para instrumentalizar e subsidiar setores conservadores do parlamento que militam diariamente pela criminalização do aborto em casos de violência sexual. Não é novidade, que o direito de crianças e adolescentes, tem sido barganhado no jogo da política partidária e ideológica, desde os primórdios da humanidade. Em que pese, a violência sexual, é uma das piores formas de violência, nenhuma criança ou adolescente merece levar adiante uma gestação forçada.

Cabe frisar, em 2014, com a Portaria nº 485 do Ministério da Saúde, foram normatizados os Serviços de Referência para Interrupção de Gravidez nos Casos Previstos em Lei (SRIGCPL). Esses serviços podem ser organizados em hospitais gerais, maternidades, prontos-socorros, Unidades de Pronto-Atendimento e serviços de urgência não hospitalares com funcionamento 24 horas do dia e 7 dias da semana.

De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, em 2023, o Brasil registrou um estupro a cada seis minutos. Ao todo, foram registrados 83.988 vítimas, 2 sendo a grande maioria meninas (88,2%), negras (52,2%) e com no máximo 13 anos (61,6%). A maioria dessas vítimas é estuprada por familiares ou conhecidos (84,7%) dentro de suas próprias casas (61,7%). A cada ano, milhares dessas meninas engravidam no Brasil. Em 2021, foram registrados 17.456 nascidos vivos de meninas de até 14 anos, e, em 2023, dados preliminares indicam que esse número também foi alarmante, com 13.909 nascidos vivos de meninas que ainda vivem suas infâncias.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) aponta que as complicações durante a gravidez e o parto são a segunda principal causa de morte entre jovens de 15 a 19 anos em todo o mundo. No Brasil, dados indicam que, entre 2018 e 2023, uma menina ou adolescente (10-19 anos) morreu a cada semana devido a complicações relacionadas à gestação. As mães adolescentes (com idades entre os 10 e os 19 anos) têm um risco mais elevado de eclâmpsia, endometrite puerperal e infecções sistêmicas do que as mulheres com idades entre os 20 e os 24 anos, e os bebés de mães adolescentes têm um risco mais elevado de baixo peso à nascença, parto prematuro e condições neonatais graves.

No estado do Tocantins, em 2024 foram registrados 854 (86%) estupros de vulnerável, sendo 737 (86,6%) contra meninas e 89 (10,4%) contra meninos. No que se refere aos serviços públicos de atendimento em saúde, dos 139 municípios do Estado, apenas 2 (dois), oferecem o Serviço Especializado de Atendimento à Pessoa em Situação de Violências, sendo na capital Palmas SAVI/HGP e SAVIS/Hosp. Dona Regina) e Porto Nacional (Hospital Tia Dedé), Augustinópolis, Gurupi e Araguaína. Ao que se tem conhecimento, apenas na capital Palmas, é realizado o serviço de aborto previsto em lei.

Nos demais municípios as crianças e adolescentes vítimas de violência sexual que necessitam realizar a interrupção da gravidez são encaminhadas para a capital Palmas. Em regra, a maioria dessas crianças se quer tem esse direito assegurado, seja pela falta de informação como pela omissão do poder público (falta de veículo para o deslocamento, ausência de fluxos, curtos-circuitos entre os órgãos da rede de proteção, sensação de impunidade dos agressores, etc).

Neste sentido, a interrupção da gestação em casos de violência sexual é um direito inquestionável que deve ser assegurado para todas às crianças, adolescentes e mulheres que tiveram os seus corpos atacados de forma covarde e violenta, cabendo portanto, ao poder público em todas as suas esferas, garantir atendimento humanizado, respeitoso, com sigilo e privacidade das informações, e ainda considerando a fala e o desejo das vítimas. Sendo assim, a não observância da garantia do direito de interrupção da gravidez nos casos previstos em lei, viola frontalmente a dignidade da pessoa humana um dos fundamentos da República Federativa do Brasil (argo 1º, III, da Constituição Federal), bem como um dos seus objetivos fundamentais de “promover o bem de todos/as, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” (argo 3º, IV).[8]

LaidyLaura Pereira de Araújo, assistente social, especialista em medidas de proteção, com ênfase no acolhimento institucional e familiar de crianças e adolescentes, é servidora pública, atua no Centro de Apoio Operacional da Infância, Juventude e Educação do Ministério Público Estadual, é associada ao Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente Glória de Ivone, integra a coordenação Colegiada da Associação Nacional dos Centros de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (Anced Brasil), integra o Comitê Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes, a Rede ECPAT Brasil e o Fórum Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Fórum DCA).

Diálogos sobre o Janeiro Branco

Nesse texto, o professor Eder Eddine reflete sobre o papel do Janeiro Branco na promoção da saúde mental, destacando a importância de campanhas que vão além dos transtornos psicológicos e enfatizando hábitos e ambientes saudáveis

Sobre anilhas e ansiedade

Nesse texto, o professor Eder mostra como brincadeiras e comportamentos cotidianos podem revelar sinais de sofrimento emocional. Uma reflexão sobre a importância de identificar esses sinais e buscar um olhar atento e profissional para questões de saúde mental

Opinião
O terceiro setor é a saída viável para a saúde do Tocantins

Neste artigo, o advogado Henrique Zukowski analisa a transferência da gestão de unidades de saúde para o terceiro setor como solução para a crise no sistema público do Tocantins