Artigo de Opinião
Um clamor pela austeridade fiscal
Jaqueline Moraes *
O Dia da Mulher chega e, como um grande bingo do óbvio, as mesmas coisas acontecem: flores, chocolates, frases motivacionais escritas por homens que jamais dividiriam uma reunião de poder com uma mulher sem interrompê-la pelo menos três vezes. Oito de março é lindo, inspirador, emocionante. Até que acaba. E a gente volta pro mesmo lugar de sempre.
No Tocantins, a gente olha para a política e parece um álbum de figurinha onde esqueceram de colar as nossas. Dos 24 deputados estaduais, só três são mulheres. Na Câmara Federal? Nada. No Executivo, até estamos lá, mas quase sempre em cargos que envolvem acolher, cuidar, organizar. Nunca no comando de fato. Nunca na linha de frente. É quase como se dissesse: “podem entrar, mas fiquem ali no canto”.
E enquanto isso, os números de violência contra a mulher crescem. O feminicídio aumenta. Os casos de abuso se repetem. Todo mundo fica horrorizado por dois minutos e volta a falar sobre outra coisa. Mas e as políticas públicas? Ah, essas são como aquele crush que diz que vai te ligar e some. Só aparecem quando dá, quando tem interesse, quando é conveniente.
A verdade é que ensinaram a gente a aceitar migalhas. A baixar a cabeça quando nos cortam no meio de uma frase. A acreditar que política é coisa de homem porque “ah, é muito suja”. Como se o mundo aqui fora fosse um spa. Como se a gente já não precisasse brigar todos os dias para existir, para ser ouvida, para sair na rua sem medo.
Então, parabéns pelo nosso dia. De verdade. Mas, se puder, guarde as flores e nos dê espaço. Nos dê segurança. Nos dê direitos. Porque a gente não quer só um dia bonito no calendário. A gente quer o ano todo. E os espaços? Ah, eles precisam ser nossos também. Nao foram vocês que disseram hoje que "lugar de mulher é onde ela quiser"?
* Aos 30 anos é jornalista, poetisa, feminista e ativista cultural. Acredita que as palavras têm poder, mas que nenhuma é tão forte quanto a voz de uma mulher ocupando seu espaço.
Nosso país tem problemas políticos, econômicos e sociais gigantescos. E isso já vem há muito tempo, infelizmente
Eder Ahmad Charaf Eddine *
Recentemente, me deparei com uma notícia que me envolveu em emoções nada agradáveis. Não gosto de violência, mas, assim, veiculada diariamente em manchetes de jornais e em memes, acabo me acostumando a ela, mas não devia.
Quem: Um professor, deficiente visual. Ocorrido: espancado por três alunos adolescentes. Onde: ponto de ônibus à frente da instituição de ensino na qual trabalhava. Motivo: tentar impedir o uso do celular durante a aula.
O evento é curioso porque promove com o professor o “te pego lá fora”, eterno medo das crianças em idade escolar e, hoje, dos profissionais da educação. Vocalização corrente do bullying, a frase promete agressões futuras, principalmente contra gays, trans, nerds e até deficientes.
Não apresento soluções idealistas e irreais que jamais seriam implantadas, foco nos comentários sobre o caso em uma rede social. Das soluções apresentadas, algumas pediam a criação de mais escolas militares; outras, a expulsão dos envolvidos. Alguém também previu que o próximo passo dos adolescentes seria o espancamento público da diretora. A revolta se alastrou e gerou mais violência, com culpabilizações de partidos políticos e dos pais ou responsáveis pelos agressores.
O preparo para a Lei 15.100/2025, que dispõe sobre a proibição do uso de aparelhos eletroportáteis em ambientes escolares, com exceção das oportunidades didáticas promovidas e conduzidas por um professor, requer mais celeridade. A Lei é importante, prevê situações psicológicas e sociais. Contudo, existem soluções melhores do que “tomar e repreender verbalmente”. Todas as ações necessitam ser pensadas, discutidas e observadas. Notícias como essas só geram mais violência e sentimentos de impunidade.
O quadro de violência pode ser diminuído com o trabalho de profissionais psicólogos e assistentes sociais, mas esses necessitam de estrutura e, obviamente, de atuação baseada na ciência. A Lei é recente, a violência, não.
Outro dia, em uma entrevista, um jornalista me fez a seguinte pergunta: um único desejo? Respondi: Paz. Às gargalhadas, ele rebateu: Muito Miss!
Pareceu, mas não era ingenuidade. À época, eu estava lendo Comunicação Não Violenta, de Marshall Rosenberg. Ainda que eu possua críticas ao método e ao processo mercantilizador, o livro descortinou em mim as violências cotidianas que eu cometia e que cometiam comigo.
No princípio da Paz, se eu não for um pouco Poliana, como vou sobreviver diante do que estamos passando atualmente? O século 20 foi marcado por muitas atrocidades. Almejada e solicitada por alguns movimentos sociais das décadas de 1980 e 1990, a paz não foi alcançada.
Estamos enfrentando diversas guerras desde o início dos anos 2000. Caminhamos para barbáries, cada vez mais, impensáveis. Líderes de nações conduzem a vida pública da mesma forma que se utiliza um controle de videogame num jogo sangrento, de preferência. A compensação de tais disputas: mais popularidade, mortes e dinheiro. Tudo somado às violências cotidianas, as “sutis”, ampliadas pela pandemia.
A anestesia da violência é real, mas o choque provocado por essa notícia me afetou mais do que outras por conter três componentes que merecem atenção: a escola, a deficiência visual e os adolescentes. Ao motorista de ônibus que retirou o infeliz debaixo da horda furiosa, a esse homem que salvou um professor, o meu muito obrigado!

* Psicólogo (CRP - 23/1465), professor e pesquisador em Comunicação e Saúde Mental. Doutor em Educação, área Psicologia e Educação (USP). Possui especialização em Terapias Cognitivo-Comportamentais, em Psicopedagogia e em Educação e Sociedade. Orienta no Mestrado em Comunicação e Sociedade (PPGCom/UFT). Autor do livro finalista do Jabuti Acadêmico 2024 "Psicologia, Educação e Homossexualidades: o normal e o patológico em revistas científicas de 1970 e 1980".
Roberval Marco Rodrigues*
Nicolau Maquiavel, em sua obra O Príncipe, revolucionou a política ao afirmar que o sucesso de um governante depende de sua habilidade de compreender a realidade e agir com astúcia. Hoje, metadados e inteligência artificial (IA) emergem como ferramentas modernas que materializam essa visão, oferecendo precisão, objetividade e assertividade tanto na gestão pública quanto nas campanhas eleitorais. Assim como Maquiavel aconselhava os líderes a evitar o achismo e os bajuladores, essas tecnologias estão refundando a política, tornando-a mais estratégica e conectada às demandas da sociedade.
A virtude maquiavélica, que representa a capacidade de adaptação e eficiência, encontra nos dados um poderoso aliado. Essas ferramentas permitem que líderes analisem cenários complexos com clareza, identifiquem padrões sociais e antecipem as demandas da população. Na gestão pública, prefeitos podem usar algoritmos para planejar melhorias no trânsito com base em dados de deslocamento em tempo real. Governadores podem prever surtos de doenças por meio de análises preditivas, alocando recursos de forma mais eficiente antes que crises se agravem. Essa abordagem não apenas aumenta a eficácia das políticas públicas como também aproxima os gestores das necessidades reais dos cidadãos.
As campanhas eleitorais também foram profundamente transformadas pelo uso de metadados e IA. Hoje, essas ferramentas permitem segmentar eleitores com uma precisão impressionante: 97% das campanhas que utilizam essas tecnologias alcançam seus objetivos estratégicos sem margem de erro. Isso significa que as mensagens políticas podem ser direcionadas diretamente para grupos específicos do eleitorado, aumentando exponencialmente sua eficácia. A análise de dados comportamentais ajuda a identificar as prioridades de diferentes grupos demográficos, criando uma conexão mais significativa entre candidatos e eleitores.
Por fim, é importante lembrar que essas tecnologias são apenas meios para alcançar objetivos políticos – não substituem o julgamento humano nem dispensam valores éticos fundamentais. Assim como Maquiavel ensinava que "o príncipe deve agir conforme as circunstâncias", cabe aos líderes modernos usarem essas ferramentas com responsabilidade para fortalecer a democracia e promover o bem-estar coletivo. Metadados e IA não apenas combatem o achismo e a bajulação como também inauguram uma nova era na política: uma era onde decisões são informadas por precisão quase científica; campanhas se tornam mais conectadas às necessidades do eleitorado; e gestores públicos têm à disposição ferramentas poderosas para transformar a sociedade.
* Estrategista político e de Relações Institucionais e Governamentais (RIG).
A obra de Thiago Barbosa Soares e Damião Francisco Boucher, analisa criticamente os discursos que moldam a identidade do Tocantins e do Norte do Brasil. Dividida em três eixos—contemporaneidades, educação e mídia—explora temas como questões sociais, representações do Norte em livros didáticos e a construção da imagem da região na mídia. Com uma abordagem teórica materialista e arqueogenealógica, o livro investiga apagamentos e resistências discursivas, sendo uma leitura essencial para pesquisadores interessados nas dinâmicas identitárias e sociopolíticas da região.
O recente episódio envolvendo o prefeito de Colinas do Tocantins, Josemar Carlos Casarin (UB), e a vereadora Naiara Miranda (MDB) escancara uma realidade antiga, mas ainda presente: quando uma mulher se impõe, a resposta costuma vir na forma de ameaça e intimidação. Ao declarar-se independente na Câmara, Naiara Miranda exerceu um direito político fundamental. No entanto, a reação do prefeito mostrou que, para alguns, mulheres não podem ocupar espaços de decisão sem serem subjugadas ou vistas como uma ameaça.
A frase "Tu te prepara que aqui a bala pega", dita por Casarin, não é apenas um desabafo caloroso no meio de um debate político. Ela carrega um peso simbólico enorme: a tentativa de calar uma mulher por meio do medo. Não é coincidência que, historicamente, tantas mulheres sejam desencorajadas a entrar na política ou a se posicionar de forma autônoma. Quando o fazem, são tratadas como insolentes, rebeldes ou, como no caso de Naiara, como inimigas.
O fato de a vereadora ter ficado abalada ao ponto de chorar também reflete o peso dessa violência simbólica. Políticos trocam farpas o tempo todo, mas a diferença aqui está no tom e no contexto. Uma mulher que ousa romper com a cartilha da subserviência ainda precisa se preparar para resistir a ataques argumentativos e sempre a investidas que buscam desestabilizá-la emocionalmente.
Felizmente, o caso gerou reação. Alguns políticos manifestaram apoio à vereadora, demonstrando que a sociedade não tolera mais esse tipo de postura. No entanto, é curioso notar que, até o momento, não há pedidos formais de investigação ou punição para o prefeito. A solidariedade é necessária, mas de pouco adianta se não for acompanhada de ações concretas.
Este caso é um reflexo do que acontece não só na política, mas em diversos espaços da sociedade. Mulheres que se impõem no trabalho, na família ou em qualquer ambiente de poder frequentemente enfrentam retaliações. Seja através de ameaças explícitas, como no caso de Casarin, ou de formas mais sutis, como o descrédito e a desqualificação, a mensagem subjacente é sempre a mesma: "volte para o seu lugar".
Mas o que esse caso também nos ensina é que o medo não pode nos silenciar. Cada vez que uma mulher se recusa a se calar, cada vez que recebe apoio e continua sua luta, a estrutura machista e autoritária se fragiliza um pouco mais. O caminho ainda é longo, mas episódios como esse mostram que as mulheres não estão sozinhas. E que, mesmo com medo, é preciso falar.
Francisco Neto Pereira Pinto*
Afinal de contas, o uso de telas na primeira infância seria ou não prejudicial? Haveria benefícios ou apenas riscos? O que as evidências científicas revelam sobre esses questionamentos? Um estudo científico, conduzido por uma equipe composta por 18 pesquisadores australianos da University of Wollongong, chegou a conclusões surpreendentes, indicando dois pontos negativos e um positivo, associados ao uso de telas por crianças na faixa etária dos seis primeiros anos de vida.
Importante observar que os pesquisadores não se limitaram ao critério de tempo de tela, mas consideraram os seus contextos de uso, ou seja, se a criança assiste sozinha ou acompanhada, se os conteúdos são adequados à sua idade, se são educativos ou não, se, quando estão brincando, há exposição a telas e, por fim, um critério até então incomum: os efeitos do uso de telas pelos cuidadores sobre a criança.
O trabalho, que tem como pesquisador principal o renomado psicólogo Dr. Sumudu Mallawaarachchi, analisou uma amostra composta por 100 outros trabalhos, totalizando 176.742 participantes incluídos na revisão. A pesquisa, intitulada Early Childhood Screen Use Contexts and Cognitive and Psychosocial Outcomes: A Systematic Review and Meta-analysis - em tradução livre: Contextos de uso de tela na primeira infância e desfechos cognitivos e psicossociais: uma Revisão Sistemática e Meta-Análise - foi
publicada na JAMA Pediatrics, um dos periódicos americanos mais tradicionais na área de Pediatria, publicado desde 1911.
O primeiro desfecho negativo está associado a visualizar programas, que está associado a efeitos negativos sobre o desenvolvimento cognitivo e psicossocial. Nesse sentido, quanto mais a criança é exposta a visualizações, mais comprometido ou empobrecido fica o seu desenvolvimento. Por sua vez, a exposição a conteúdos não apropriados à idade afeta o desenvolvimento psicossocial.
O segundo desfecho negativo se relaciona ao uso de telas pelos cuidadores enquanto estão cuidando da criança, ou seja, hábitos de imersão tecnológica por parte dos pais, por exemplo, interfere nas relações entre pais e filhos. Os efeitos, nesse caso, incide sobre o desenvolvimento psicossocial da criança. Por sua vez, televisão ligada no ambiente em que a criança desenvolve sua rotina e suas interações afeta o seu desenvolvimento cognitivo, com prejuízos, inclusive, para o desenvolvimento da
linguagem e dos sistemas de atenção.
Por fim, o terceiro desfecho é positivo, e diz respeito ao uso participativo de telas, ou seja, quando o cuidador assiste a uma programação com a criança. Acontece também quando a visualização da criança se dá de maneira direcionada, e para fins educativos. Nesses casos, não se trata apenas de passatempo, mas o adulto aproveita essa oportunidade para estimular habilidades cognitivas e promover a interação, o que pode resultar em efeitos positivos para o letramento e desenvolvimento da linguagem. Nesse
sentido, assistir a um programa com a criança foi um achado da pesquisa associado ao
desenvolvimento cognitivo da criança. Importante observar, porém, que se recomenda
cautela quanto ao tempo de exposição.
Os resultados dessa pesquisa são muito importantes para orientar decisões de
profissionais voltados aos cuidados das crianças como pediatras, psicólogos, como
também de educadores e, obviamente, dos pais. Fica claro que os efeitos negativos das telas não se restringem apenas aos momentos em que as crianças estão visualizando
diretamente as telas, mas também quando os cuidadores, em seus momentos de
interação com as crianças, fazem uso de telas e quando televisão fica ligada em
ambientes em que as crianças desenvolvem suas rotinas e brincadeiras. Por outro, caso
se decida pelo uso de telas, é importante que o conteúdo seja educativo e apropriado à
idade e, mais que isso, que o adulto aproveite a oportunidade para estimular habilidades
cognitivas da criança, visando, por exemplo a expansão do letramento e o
desenvolvimento da linguagem de um modo geral.
* professor, escritor e psicanalista. Doutor em Letras, atua como Professor Permanente no Programa de Pós-Graduação em Linguística e Literatura da Universidade Federal do Norte do Tocantins e nos cursos de Medicina e Direito do Centro Universitário Presidente Antônio Carlos. É autor dos livros infantis O gato Dom e Você vai ganhar um irmãozinho.
No Tocantins, o custo mensal de um preso chega a superar R$ 5.800,00, enquanto o policial penal, responsável por garantir a segurança e a dignidade dos internos, recebe um salário bem inferior que, bruto, não chega a R$ 5.300,00. Essa disparidade evidencia como as políticas públicas têm priorizado a dignidade de quem cometeu crimes, enquanto ignoram a dignidade de quem trabalha arduamente para garantir a segurança da sociedade.
É preciso questionar: a que custo estamos promovendo a ressocialização e os direitos dos presos? O policial penal, que trabalha em escalas exaustivas de 24 ou até 48 horas, enfrenta uma rotina desumana. Além de garantir a segurança, ele também garante a realização dos atendimentos médicos, jurídicos, banho de sol, deslocamentos para visitas e atividades escolares. Tudo isso sem o descanso necessário, sem condições adequadas de trabalho e sem o devido reconhecimento.
Enquanto o governo e o judiciário buscam uma imagem positiva na mídia com programas de ressocialização, quem paga o preço é o policial penal. Não se trata de negar os direitos dos presos, mas sim de exigir que esses direitos não sejam colocados acima da dignidade daqueles que estão na linha de frente, garantindo a ordem e a segurança.
A sociedade tocantinense precisa saber: os policiais penais são humilhados diariamente, submetidos a condições de trabalho insustentáveis, apenas para atender às exigências de uma gestão que não considera o impacto real dessas políticas. Não há como promover a ressocialização sem respeitar os trabalhadores que fazem isso acontecer. É hora de exigir mudanças. O governo e o judiciário não podem continuar sacrificando os direitos de quem trabalha em nome de uma mídia positiva. Se não há condições para cumprir as metas de forma adequada, que se reavalie a viabilidade desses programas.
A dignidade não pode ser um privilégio exclusivo. É um direito de todos, inclusive dos policiais penais que arriscam suas vidas pela segurança da sociedade. Que o Estado e o Judiciário olhem além da propaganda e enxerguem as pessoas que sustentam esse sistema com o próprio suor.
