No Tocantins existem cerca de 2 mil sítios arqueológicos conhecidos pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) que narram os primórdios da história do povo tocantinense, antes mesmo do estado ter um nome, antes mesmo do país ser chamado Brasil. Os sítios arqueológicos são parte do patrimônio cultural brasileiro, que inclui bens materiais e imateriais, como danças, formas de expressão e técnicas. O patrimônio arqueológico se insere dentro do patrimônio cultural material, formando um universo que ajuda a reforçar a identidade e a memória dos diferentes povos que compõem a nossa nacionalidade.

Rômulo Negreiros é entrevistado pelo Jornal Opção Tocantins | Foto: Divulgação

O Jornal Opção Tocantins entrevistou o arqueólogo Rômulo Macêdo Barreto de Negreiros, que é chefe Divisão Técnica Substituto do Iphan. “Estou no Tocantins há 10 anos e, vindo da região Nordeste, onde a Serra da Capivara é famosa, fiquei surpreso com a riqueza arqueológica do estado. Aqui encontramos sítios que eu não imaginava, como os “sambaquis”, antigos locais de ocupação em planícies de inundação, e os geoglifos, alinhamentos de pedras que provavelmente serviam como marcadores de tempo, além de sítios de mineração de ouro, abundantes na região sudeste”.

Ele explica que os 2 mil sítios arqueológicos conhecidos são aqueles que foram identificados e cadastrados por levantamentos arqueológicos. No entanto, ainda há muitos por serem descobertos. “Existem áreas no Tocantins que são grandes vazios de conhecimento arqueológico, como a região mais extrema do Jalapão, alguns setores da Ilha do Bananal, e a área entre o Rio Tocantins e o Rio Araguaia, que foi pouco explorada. Portanto, esse número de 2 mil pode, ao longo do tempo e com novas pesquisas, multiplicar-se de forma exponencial”.

Negreiros observa que o Tocantins, pela sua localização central no continente sul-americano e pela presença do Rio Tocantins, era um local que facilitava a passagem de grupos da região amazônica para o centro do Brasil, como Goiás. Para ele, isso favoreceu a colonização e a ocupação humana desde tempos muito antigos, há cerca de 12 mil anos.

Sítio Arqueológico Histórico Ruínas de São Luís, Natividade/TO | Foto: Rômulo Negreiros

Esse contexto histórico se reflete no número considerável de sítios catalogados no estado, que variam desde locais de caçadores-coletores antigos, aldeias indígenas, sítios com arte rupestre, até locais mais recentes como de mineração de ouro e fazendas de gado dos séculos XVII, XVIII e XIX.

O arqueólogo conta que as pesquisas arqueológicas sistemáticas no Tocantins começaram na década de 1970, quando equipes da Universidade Federal de Goiás (UFG) e da Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-Goiás) fizeram levantamentos e descobertas importantes na região. Desde então, muitas escavações e coletas foram realizadas, marcando o início dos trabalhos sistemáticos na arqueologia do estado, que antes fazia parte do antigo governo de Goiás.

Descobertas recentes

Negreiros lembra que recentemente, seguindo informações de moradores da cidade Novo Alegre, no extremo sudeste do Tocantins, perto de Arraias, o Iphan descobriu novos sítios com pinturas rupestres em cavernas na fronteira entre Tocantins e Goiás. “Fiz uma vistoria no mês passado e identificamos três novos sítios arqueológicos com pinturas rupestres, que estão em processo de cadastro”, conta sobre sua experiência mais recente.

Sítio arqueológico Maria do Carmo, localizado em Novo Acordo/TO | Foto: Rômulo Negreiros

Antes dos europeus

Sobre a importância dos sítios arqueológicos para a preservação da cultura e da história do país e do Tocantins, o pesquisador explica que é fundamental reconhecer esses sítios porque a história do Brasil não começou com a chegada dos europeus. “A arqueologia mostra que a ocupação desta região é muito antiga, com povos indígenas vivendo aqui há pelo menos 12 mil”, reforça. Para ele, osso reflete uma diversidade cultural que vai além do senso comum, mostrando que diferentes grupos indígenas conviveram e se sucederam ao longo do tempo.

Sobre os povos indígenas, até o século 17, eram principalmente grupos indígenas que habitavam esta região. Os Bandeirantes Paulistas vieram capturar indígenas e procurar riquezas minerais. Encontraram aldeias com até 1000 pessoas, praticando agricultura. A arqueologia nos mostra essa diversidade cultural e genética. Através de escavações, podemos mapear e entender esses grupos e reconhecer sua antiguidade na região

Sítio arqueológico Vão Grande da Cabeceira, localizado em Palmas/TO | Foto: Iphan

Licenciamento ambiental

Para descobrir um sítio arqueológico, o pesquisador informa que maioria é identificada através de pesquisas no âmbito de processos de licenciamento ambiental. “Projetos como hidrelétricas e estradas contratam equipes de arqueologia para mapear as áreas que serão impactadas. Também há pesquisas acadêmicas e denúncias da população local, além de fiscalizações promovidas pelo Iphan”.

As técnicas utilizadas para identificar sítios arqueológicos incluem perfurações no solo, que ajudam a identificar a dispersão de materiais arqueológicos em profundidade e horizontalmente, e prospecções visuais em locais que, pela experiência, têm potencial para conter sítios arqueológicos. “As prospecções visuais são menos invasivas e são frequentemente utilizadas em pesquisas de reconhecimento”, afirma Negreiros.

O estudioso ressalta que é importante usar métodos não invasivos para identificar sítios arqueológicos. “A perfuração do solo pode danificar o sítio, portanto, a identificação visual é preferível. Ela é menos nociva ao patrimônio”.

Preservação do meio ambiente

Para Negreiros, o Tocantins tem uma vantagem em relação a Goiás, por estar na área da Amazônia Legal. “Isso implica que as propriedades rurais devem manter uma área de preservação maior do que em outras regiões do cerrado. No Tocantins, cerca de 35% da propriedade rural deve ser deixada como reserva, enquanto em Goiás apenas 20%. Isso favorece a preservação dos sítios arqueológicos nas áreas de reserva legal. Além disso, o Tocantins ainda é pouco povoado, com muitas áreas preservadas que não são frequentemente visitadas, o que contribui para a preservação dos sítios arqueológicos”, complementa.

O isolamento dos sítios arqueológicos ajuda na sua preservação. O arqueólogo cita que muitos sítios em Palmas, por exemplo, estão em áreas de difícil acesso, o que limita o turismo predatório. “A fiscalização pelo estado também é crucial, visitando e monitorando as propriedades ao longo do estado para prevenir danos aos sítios arqueológicos. Um exemplo é o caso do Cristo de Palmas, onde foram identificados quatro sítios arqueológicos na base, e a obra foi embargada para estudos mais aprofundados”, conta. A obra foi desembargada e está em andamento.

Sítio arqueológico Ponta da Serra I, localizado em Palmas/TO | Foto: Rômulo Negreiros

A preservação dos sítios arqueológicos também contribui para a preservação do meio ambiente. Negreiros afirma que quando um empreendimento é planejado, a descoberta de um sítio pode levar a duas opções: o resgate do material arqueológico ou a preservação do local. “Isso resulta em ilhas de vegetação que protegem o patrimônio arqueológico e o meio ambiente”.

Os sítios arqueológicos revelam muito sobre a população original do Tocantins, principalmente os grupos indígenas que habitavam a região antes da chegada dos colonizadores europeus no século XVII. “A arqueologia ajuda a mapear a diversidade cultural e genética desses grupos, fornecendo subsídios para a reivindicação de terras e o reconhecimento da sua antiguidade na região. Se um empreendimento é planejado em uma área com um sítio arqueológico, o empreendedor pode optar por resgatar o sítio ou deixá-lo intacto. Isso também favorece a preservação do meio ambiente”.

Sítio arqueológico histórico Ruínas da Chapada dos Negros, Arraias/TO | Foto: Rômulo Negreiros

A construção de usinas hidrelétricas, como a de Peixe Angical, resultou na submersão de muitos sítios arqueológicos.

Em Peixe Angical, muitos sítios com gravuras rupestres foram inundados. Houve uma pesquisa arqueológica prévia, mas nem sempre houve cuidado suficiente para preservar os sítios. Às vezes, o material é removido antes da inundação, mas outras vezes não. Isso depende da categoria do sítio. Alguns são móveis e podem ser resgatados, outros são imóveis e permanecem submersos. É triste ver parte da história sendo perdida, mas estamos lutando para minimizar os danos. Temos que pensar em futuras gerações

A população pode ajudar na preservação dos sítios arqueológicos entrando em contato com o Iphan ao encontrar algo extraordinário, evitando mover ou danificar artefatos e respeitando o local. A visitação consciente e a comunicação com o Iphan são fundamentais para a preservação desses sítios. O proprietário também tem responsabilidade na preservação.

No Tocantins, apenas dois sítios estão oficialmente abertos para visitação: o sítio Caititu em Lajeado e o sítio Paredão em Palmas. Ambos exigem autorização e cuidado ao visitar. Outros sítios podem ser conhecidos por meio de grupos locais, mas é importante seguir as orientações de preservação.

Um outro exemplo de sítio que pode ser visitado no Tocantins é o Monumento Natural das Árvores Fossilizadas em Filadélfia, onde grupos humanos de 10 mil anos atrás usaram madeira fossilizada de 200 milhões de anos para fazer ferramentas.

 Essa sobreposição de valores é única no contexto brasileiro. Estamos descobrindo novas áreas arqueológicas, mas também enfrentamos desafios, como a erosão eólica. É um trabalho contínuo para proteger nosso patrimônio

Acervo natural do Monaf ocupa uma área de 32 mil hectares do cerrado tocantinense – Foto: Naturatins/Governo do Tocantins

A região do Jalapão, pouco pesquisada até agora, está revelando novos sítios arqueológicos, apesar da fronteira agrícola estar ameaçando muitos desses sítios. “O desmatamento e a erosão eólica são grandes preocupações, e esforços estão sendo feitos para minimizar esses impactos, incluindo a orientação dos fazendeiros para manter um cinturão de vegetação ao redor dos sítios.”

O trabalho arqueológico no Tocantins é essencial para preservar a rica herança cultural e histórica do estado, enfrentando desafios como a ação humana acelerando a degradação dos sítios. As queimadas são o principal agente degradante, e a preservação desse patrimônio é fundamental para garantir que futuras gerações possam conhecer e valorizar a história da região”

Sítio arqueológico Mutamba, localizado em Miracema/TO | Foto: Rômulo Negreiros

Visitação

Em relação à visitação, oficialmente, temos apenas dois sítios abertos para turistas: o Sítio Caititu, em Lajeado, e o Sítio Paredão, em Palmas. Ambos exigem autorização e cuidado ao visitar. Outros sítios podem ser conhecidos por meio de grupos locais, mas é importante seguir as orientações de preservação.

Sítio Arqueológico Garra, localizado em Palmas/TO | Foto: Rômulo Negreiros

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