Outra advogada afirma ter sido impedida de atuar em plenário por juiz de Augustinópolis

28 abril 2025 às 16h20

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Durante entrevista ao Jornal Opção Tocantins, a advogada criminalista Julianne Macêdo, que atua no Estado do Pará, relatou os acontecimentos que vivenciou durante um julgamento do Tribunal do Júri no Tocantins, na condução do juiz Alan Ide Ribeiro da Silva, da 2ª Vara de Augustinópolis. O episódio se soma a outras denúncias feitas contra o magistrado, que atualmente responde a processo sigiloso por supostos crimes de abuso de autoridade, prevaricação e desobediência a decisões do Tribunal de Justiça do Tocantins (TJ-TO).
Julianne Macêdo afirmou que a situação com o juiz começou em outubro de 2024, quando atuava na defesa de um cliente acusado de homicídio e tentativa de homicídio. Segundo a advogada, ela protocolou, com antecedência, laudos médicos e uma tomografia que corroboravam a tese de legítima defesa de terceiros. “Eu juntei no processo um laudo do irmão dele, em que esse laudo comprovava a tese de defesa do meu cliente de que ele teria agido em legítima defesa de terceiros, que seria do irmão dele”. Contudo, o juiz Alan Ide determinou o desentranhamento das provas sob a justificativa de irrelevância.
Conforme relatado por Julianne, a manifestação do magistrado ocorreu às vésperas do julgamento. “O doutor se manifestou faltando um dia para o julgamento, dois dias para o julgamento, mas já no final da tarde do segundo dia […] se manifestou dizendo que a prova não era necessária para o processo, mandando desentranhar a prova do processo”.
Ao início da sessão do júri, Julianne tentou apresentar um requerimento de reconsideração, mas alegou ter sido impedida de se manifestar. “Eu pedi a palavra para fazer o requerimento de reconsideração […] e ele não me deixou fazer esse requerimento, disse que estava decidido, e se estava decidido, ele não ia deixar, mais eu fazer nenhum requerimento”, declarou.
Em um áudio do julgamento encaminhado ao Jornal Opção Tocantins, pela advogada Julianne, é possível ouvir os gritos supostamente do juiz, e a advogada pedindo que ele não gritasse.
Ouça o áudio:
A advogada decidiu então abandonar o plenário. Ela explicou que tal medida visava garantir que o episódio fosse registrado em ata: “Foi quando eu falei para ele que dessa maneira, se ele não me deixasse sequer fazer o requerimento […] eu devia abandonar o plenário por ele estar cerceando a defesa do meu cliente”.
Segundo Julianne, após o acontecido no plenário, a situação apenas piorou. “Começou a deturpar as coisas que tinham acontecido, começou a dizer que ele ia juntar o documento, como se eu não tivesse juntado o documento antes. Mas tudo isso cheio de interrupções, não me deixou falar, não me deixou concluir os meus argumentos. Em alguns momentos gritou comigo e não me deixava concluir, falar nada. Começou a dizer que eu não tinha técnica para fazer aquele julgamento”.
Mesmo após o episódio, ela afirmou que não foi autorizada a retornar ao processo, apesar do pedido do próprio réu: “Ele passou a me difamar dentro do processo. Ele chamou a família do para dizer que ele estaria preso por conta da minha falta de técnica”.
A advogada ainda revelou que o juiz juntou materiais de suas redes sociais ao processo, em uma atitude que ela considera perseguidora: “Foi nas minhas redes sociais particulares pegar vídeo meu e juntar no processo, demonstrando uma clara imparcialidade, uma clara perseguição, ou seja, ele foi no meu Instagram […] e pegou um vídeo meu e vinculou no processo”.
Julianne Macêdo relatou que sua decisão de abandonar o plenário foi motivada pelo cerceamento de defesa, após o juiz negar a utilização de provas e afirmar que, mesmo que fossem apresentadas, ela não poderia fazer perguntas com base nelas.
Ela destacou ainda que seu cliente foi levado a júri sem a presença dela, com a Defensoria Pública assumindo a defesa, e que o juiz, durante o julgamento, expulsou o réu do plenário antes de concluir seu interrogatório, interrompendo a sua autodefesa. “O meu cliente foi a júri sem mim, ele foi com a Defensoria e para ter noção do que aconteceu, eu ainda não consegui ter acesso a esse vídeo. Ele ainda expulsou o meu cliente do júri, e não permitiu que o meu cliente terminasse de prestar o interrogatório dele”. A advogada afirmou que já está preparando um recurso, alegando nulidade grave no processo, que será fundamentado em decisões tomadas pelo juiz durante a condução do julgamento.
Na entrevista, a advogada Julianne Macêdo declarou que apresentou denúncia formal contra o magistrado no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e aguarda andamento do caso. Sobre o impacto do episódio, afirmou: “A gente se sente impotente e principalmente diminuída, porque no meu caso ele me diminuiu como profissional, falou pra família do meu cliente que eu era uma péssima profissional, escreveu isso no processo”.
Outras investigações
O juiz Alan Ide é alvo de outras denúncias. Segundo o Ministério Público do Tocantins (MPE-TO), há indícios de que ele tenha descumprido uma decisão judicial de 2018, cometendo prevaricação e abuso de autoridade, condutas que teriam se repetido desde aquele ano. Uma das situações descritas envolve uma decisão do desembargador Ronaldo Eurípedes, de 23 de maio de 2018, parcialmente favorável ao pedido da advogada Juliana Bezerra. No dia seguinte, o juiz teria movimentado o processo e emitido decisões ignorando o despacho do Tribunal de Justiça.
Ainda conforme o MPE, o juiz teria atuado de forma irregular em ação civil pública contra o município de Lajeado, dois escritórios de advocacia e seus sócios. A denúncia sustenta que o magistrado contrariou princípios como a imparcialidade e o devido processo legal, e que sua conduta teria sido motivada por interesse pessoal.
A legislação penal define o crime de prevaricação como a conduta de “retardar, deixar de praticar ou praticar de forma irregular ato de ofício para atender a interesse ou sentimento pessoal”, com pena de detenção de três meses a um ano e multa.
Além disso, em 2017, o Sindicato dos Oficiais de Justiça do Tocantins (Sindojus-TO) entrou com habeas corpus coletivo após o magistrado supostamente obrigar servidores a transportarem presos, vítimas e testemunhas em seus veículos pessoais, sob ameaça de prisão e processo. A Justiça determinou, então, que o transporte fosse feito em veículos oficiais.
O Sindojus-TO também apresentou uma representação administrativa na Corregedoria Geral da Justiça, alegando assédio moral por parte do magistrado. No entanto, a Corregedoria concluiu que não houve excessos.
O Jornal Opção Tocantins tentou contato com o juiz Alan Ide, mas sem sucesso. Assim como também com a a Associação dos Magistrados do Estado de Tocantins (Asmeto), e aguarda retorno. O espaço continua aberto nesta redação para ambos.
Repercussão do caso
As acusações contra o juiz Alan Ide, tomou grande repercussão nas redes sociais, após denúncias e divulgação de vídeos de um julgamento conduzido pelo magistrado, onde ele aparece gritando com a advogada Cássia Ayres, e a impede de falar em defesa do um cliente. Em dado momento é possível que ele enfatizou que quem conduzia a audiência era ele, dizendo: “quem manda aqui sou eu”.
A OAB-TO divulgou neste último sábado, 26, uma nota pública confirmando a abertura de investigação sobre a conduta do juiz Alan Ide. A apuração, aprovada por unanimidade pelo Conselho Seccional em 25 de abril, busca esclarecer possíveis violações das prerrogativas da advocacia e indícios de violência de gênero no ambiente forense. Segundo a comissão, o caso envolvendo a advogada Cássia Rejane Cayres Teixeira pode indicar um padrão recorrente de comportamento.
A Associação Brasileira de Mulheres de Carreira Jurídica (ABMC) expressou seu repúdio e exigiu uma investigação minuciosa por parte das autoridades competentes em relação a condutas reiteradas atribuídas ao juiz Alan Ide, da Vara Criminal de Augustinópolis.
Nota
A ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE MULHERES DE CARREIRA JURÍDICA – ABMC, vem a público manifestar seu repúdio e solicitar a apuração rigorosa, pelas autoridades correcionais e jurídicas competentes, de condutas reiteradas atribuídas ao juiz titular da Vara Criminal da Comarca de Augustinópolis-TO, Dr. Allan Ide, que indicam práticas de violação de prerrogativas profissionais, possível violência processual de gênero e indícios de lawfare de gênero contra advogadas criminalistas.
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